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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Retrospectiva da política sexual em 2018

SPW
17 jan 2019

O SPW publica uma retrospectiva dos principais eventos, tendências, descobertas e desafios à medida que iniciamos 2019 e nos preparamos para todas as lutas que ainda enfrentaremos juntos.

TENDÊNCIAS E FATOS


Janeiro
No início de 2018, o movimento #MeToo (oficialmente lançado em 2007 pela feminista negra Tanara Burke) sobre assédio sexual surgiu pelas mídias sociais nos EUA, sacudindo todas as dimensões políticas – religião, artes, empresas etc – no que lançaria um dos principais temas do feminismo para o ano, mas não sem críticas. Cem feministas francesas assinaram um manifesto chamando a atenção para os seus efeitos colaterais e a concepção moralista do movimento. O SPW preparou uma ampla compilação nacional e internacional da repercussão do movimento.

Em resposta a uma consulta introduzida pela Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tomou a decisão extraordinária de, no dia 9 de janeiro, emitir uma Opinião Consultiva a todos os Estados membros da OEA, recomendando que reconheçam plenamente o direito à identidade de gênero e o direito contra a discriminação baseada na orientação sexual. Na própria Costa Rica, a recomendação impulsionou entre conservadores a candidatura do cantor evangélico Fabricio Alvarado à liderança na corrida presidencial.

Quando o papa Francisco visitou o Chile e o Peru pela primeira vez em janeiro, ele permaneceu em silêncio sobre casos recentes de abuso sexual por clérigos em ambos os países, o que desagradou a população, que demonstrou sua avessão à Igreja se reunindo nas ruas. Outro sintoma da distância da Igreja foi a aprovação parcial da Lei de Identidade de Gênero no Congresso chileno – que não exige qualquer exigência compulsória de diagnóstico ou intervenções médicas. Parceiro do SPW, José Manoel Morán Faúndes analisou o episódio na época.

Despedida

Despedimo-nos da feminista uruguaia Teresita de Barbieri, pioneira do pensamento feminista latino-americano. Na ocasião, Sonia Corrêa escreveu sobre os seus legados intelectuais e políticos.

Fevereiro e início de março

A trilha do #MeToo continuou e se expandiu, alcançando atores do alto escalão de instituições políticas e agências humanitárias. A Oxfam esteve em destaque quando veio a público relatos de funcionários do sexo masculino que trocaram dinheiro e outros benefícios por sexo com mulheres e meninas durante as operações de resgate após o terremoto de 2010 no Haiti (entenda o caso). O SPW também reuniu em uma compilação artigos (também de veículos internacionais) que contam as repercussões do movimento no Sul Global com suas particularidades.

Em El Salvador, onde a criminalização do aborto é absoluta, Teodora del Carmen Vasquez foi libertada por decisão da Suprema Corte. Ela enfrentava uma sentença de 30 anos por ter sofrido um aborto espontâneo até que a apelação de sua defesa foi acolhida.

Enquanto isso, no Brasil, o STF tomou decisão unânime e favorável sobre o direito à identidade de gênero sem qualquer exigência médica ou legal no dia 1º de março. Como relatou Sonia Corrêa, por mais positiva que tenha sido a decisão, a Corte tem se demonstrada errática em conter medidas antidemocráticas, com destaque à promulgação da Intervenção Federal do Exército no Rio no dia 3 de março. Confira também os artigos de Igor Viana e Júlia Vidal e Sophia Bastos para o SPW que analisam a decisão.

Protocolo de Santo Domingo, um instrumento fundamental para a promoção dos direitos das mulheres rurais, foi assinado durante a Consulta Regional para a América Latina e o Caribe, que precedeu a 62ª Sessão da Comissão da ONU sobre a Condição da Mulher.

Nos Estados Unidos, a leis SESTA e FOSTA, que se pretendem a enfrentar o tráfico sexual ao derrubar sites que hospedam anúncios de sexo e permitir ações judiciais de vítimas de tráfico, foram aprovadas no Congresso no dia 27 de fevereiro e no Senado no dia 21 de março por uma ampla coalizão entre Democratas e Republicanos. Ela afeta negativamente profissionais do sexo, sua segurança e renda por não poderem confiar na estratégia de venda mais segura via internet.

Despedida

Nos despedimos de Asma Jahangir, um ícone de litígio feminista e ativismo no Paquistão e no mundo, e de Ana Maria Medeiros da Fonseca, companheira de luta feminista, professora da Unicamp e secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Social (2004).

Março e abril

No Peru, uma grande vitória foi deflagrada depois de dois anos de luta intensa. Foi aprovada a criação do Sindicato Nacional das Profissionais do Sexo do Peru no dia 21 de março.

Na Espanha, uma reação intensa do movimento feminista eclodiu contra a condenação final do caso de estupro coletivo sofrido por uma menina de 18 anos. Os cinco membros do grupo La Manada foram condenados pelo crime mais leve de abuso sexual, enquanto os movimentos feministas demandam a condenação por estupro e acusam os juízes da Corte de Navarra de sexismo.

Também foram divulgados os resultados da investigação jornalística desenvolvida pelo Portal Catarinas de 331 processos penais relativos a auto-aborto no Brasil em 2017, revelando o papel protagonista das denúncias médicas – contrárias ao código de ética da profissão – na entrada no sistema penal por aborto.

Na Índia, um episódio de estupro coletivo contra uma menina muçulmana de oito anos inflamou a discussão penal e a discriminação contra muçulmanos no país. A polêmica foi aproveitada pelo partido majoritário hindu BJP, que elevou a sentença do crime de estupro de menores de 12 anos à pena de morte, a despeito das consequências negativas da resposta criminal. (Leia mais sobre casos de estupro coletivo no Brasil e seus desdobramentos).

Luto e luta

No acontecimento que estabeleceria o tom de luto do ano e precederia o ataque vicioso aos direitos humanos, a vereadora Marielle Franco – defensora incansável das pessoas que vivem em favelas, mulheres negras e dos direitos sexuais e reprodutivos – e seu motorista Anderson Gomes foram brutalmente assassinados no dia 14 de março no Rio de Janeiro, já sob cerco militar da intervenção federal. Este infeliz evento teve grande repercussão ao redor do mundo – foi o objeto da 62ª Sessão da Comissão do Estado da Mulher, da 32ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, e promoveu uma enorme onda global de protesto e solidariedade. Confira aqui uma compilação de notícias e artigos.

No dia 26 de março, um grupo de dez Relatores Especiais da ONU emitiu uma declaração pública demandando que a investigação sobre esses assassinatos fosse realizada imediata e imparcialmente, solicitando uma resposta formal do Estado brasileiro em relação à polícia e aos procedimentos judiciais.  Como se não bastasse, ativistas anti-gênero se revoltaram de forma mais decidida contra a inclusão da linguagem de gênero no texto do Plano Municipal de Educação Pública, por ocasião da votação do dia  27 de março, quando o discurso preparado por Marielle foi lido: “Se você é a favor da vida, então deve ser a favor da igualdade de gênero. A igualdade só pode ser promovida através de educação consciente e debates com nossos filhos, a fim de garantir que eles amadureçam como adultos melhores.

Desde então, dez meses se passaram e essas disposições não foram cumpridas pelas autoridades investigativas. Além disso, forças conservadoras usaram a figura de Marielle, que se tornou um símbolo dos direitos humanos, para impulsionar as suas candidaturas através das pautas anti-gênero e anti-direitos.

Maio

Seguindo a trilha conservadora, Trump cumpriu a promessa de sua campanha de transferência da embaixada dos EUA para Jerusalém – em meio ao desenrolar do episódio mais violento do conflito Israel-Palestina – enquanto dois pastores evangélicos extremamente conservadores ministraram a cerimônia, um gesto que pode ser lido como o cumprimento da administração dos EUA com valores e interesses cristãos, que são especialmente prejudiciais para a política sexual.

Em referendo histórico, a Irlanda cumpriu com o arcabouço legal dos Direitos Humanos em detrimento de sua influência católica e votou contra a criminalização do aborto, derrubando a Oitava Emenda (veja uma compilação). No mês de janeiro de 2019 já começou a oferta de serviços gratuitos de aborto em todo o país.

Uma onda feminista surpreendente cresceu em todo o Chile – um fenômeno não visto nos últimos dez anos – após um estupro coletivo contra uma jovem argentina e um caso de assédio sexual na Universidade Austral provocar amplo repúdio social, mobilizando protestos e ocupações em 53 universidades em todo o país.

O SPW começou a ficar mais atento ao desenrolar da crise na Nicarágua, sob ditadura de Ortega-Murillo, onde mais de 200 pessoas foram mortas desde o início dos conflitos políticos em abril. Em entrevista ao Portal Catarinas, a feminista nicaraguense Maria Teresa Blandón reviu a partir de um olhar interno os trajetos e condições de longo prazo que produziram a crise.

Junho

No dia 18 de junho, a Classificação Internacional de Doenças da OMS, em sua 11ª versão (CID-11), deixou de estabelecer as identidades trans como transtornos mentais devido a um trabalho longo e árduo de incidência. Leia a nota da GATE sobre essa reforma e uma compilação de notícias e análises.

Depois de um longo debate, a Câmara de Deputados da Argentina aprovou o projeto de lei que autoriza o direito ao aborto livre até a 14ª semana de gravidez (veja uma compilação dos principais marcos e artigos). Este projeto de lei é o trabalho de uma luta feminista implacável desde 1980, especialmente travada pela Campanha por um Aborto Seguro, Legal y Gratuito. Leia os comentários dos parceiros do SPW Malu Moreno, Mario Pecheny e Maximiliano Campana. Leia também o artigo de Sonia Corrêa e Fábio Grotz sobre as conexões entre os debates irlandês, argentino e brasileiro sobre o direito ao aborto.

No dia 17 de junho, a Colômbia elegeu o conservador Iván Duque, candidato do ex-presidente Uribe, como presidente. Ele vai comandar para as forças religiosas e seculares conservadoras, como Franklin Gil Hernandez Sandra Mazo Cardona analisaram em artigo para o SPW, o que já tem impactos diretos nas políticas nacionais de gênero e sexualidade.

Julho

No Brasil, a conexão entre Israel e cristãos evangélicos foi reforçada quando o cônsul israelense fez um discurso na Marcha para Jesus em São Paulo. Israel também patrocinou um carro alegórico na Parada Gay de São Paulo, apesar dos protestos anti-pinkwashing de setores críticos. As ligações problemáticas e obscuras entre Israel, direitos LGBT, comércio de armas e securitização, são analisadas por Marco Aurélio Prado e as táticas israelenses de pinkwashing por Berenice Bento em artigos para o SPW.

Numa medida extremamente prejudicial, o Tribunal Constitucional da Bulgária revogou a Convenção europeia sobre a prevenção e o combate à violência de gênero, devido à definição do termo que compreende a diversidade da identidade de gênero (leia em inglês análise da LeftEast sobre as reais agendas dessa decisão e suas conexões mais amplas).

No Chile, um relatório divulgado pela Procuradoria Nacional sobre casos sistemáticos de abuso sexual da Igreja Católica inflamou a discussão, relatando que houveram 58 perpetradores e 266 vítimas, a maioria meninas e meninos menores de idade. A investigação levou à prisão do Bispo Muñoz – a primeira prisão no país – e à demissão de cinco cardeais. Paralelamente, o papa Francisco aceitou as renúncias do Cardeal McCarrick no dia 28 de julho, um proeminente membro da Igreja dos EUA, e do arcebispo australiano Philip Edward Wilson no dia 30 de julho frente a acusações de abuso sexual. De forma a acentuar o cenário, atores conservadores religiosos foram responsáveis por ataques violentos e bárbaros a ativistas feministas durante uma marcha para comemorar um ano da reforma da Lei do Aborto em Santiago (veja uma compilação e confira a declaração de uma das feministas feridas no episódio).

Felizmente, o Parlamento português aprovou no dia 12 de Julho uma nova lei que concede o direito à identidade de gênero sem necessidade de diagnóstico ou intervenção médica a maiores de 16 anos, assim como proíbe procedimentos de cirurgia genital em crianças intersexuais. Em texto final, por conta de veto presidencial, foi adicionada a exigência de diagnóstico médico para menores de idade.

Agosto

Em meio a grande comemoração, o Supremo Tribunal da Índia emitiu uma decisão final sobre a inconstitucionalidade do artigo 377 do Código Penal que criminaliza as relações entre pessoas do mesmo sexo (veja uma compilação). O advogado Vivek Divan relembra a longa e árdua trajetória para acabar com essa lei da era colonial e a oportunidade histórica que é para a população LGBT indiana e para outros países sob as leis coloniais anti-sodomia.

Agosto foi um mês importante para a luta pelo direito ao aborto na América Latina. No dia 8, o projeto de lei argentino sobre o direito ao aborto livre, seguro e gratuito não passou em votação no Senado. A campanha vitoriosa de incidência política contrária a linguagem a ser aprovada foi creditada à intensiva ação da Igreja Católica. Em consequência, levantou-se um clamor popular contra a Igreja, num ato de apostasia coletiva, enquanto as forças pró-escolha declararam o retorno do PL em 2019 (veja uma compilação de notícias). Além disso, o processo em torno desta lei pelas forças pró-aborto demonstrou um incrível exercício democrático, responsável por encher as ruas da Argentina e do mundo de esperança e solidariedade à medida que o pañuelo verde se tornou um grande símbolo feminista.

Alguns dias antes do Supremo Tribunal Federal realizar uma audiência pública para promover o debate entre vozes favoráveis e contrárias sobre o direito ao aborto no escopo da ADPF 442, que visa descriminalizar a prática, a professora Débora Diniz sofreu graves ameaças devido a sua luta pelo direito ao aborto e, posteriormente, a pastora Lusmarina também sofreu por ter sido uma das expositoras favoráveis à ação (veja uma compilação). Nesta ocasião, Sonia Corrêa analisou antecedentes e conteúdos mobilizados pelos expositores enquanto Maria Ligia Elias analisou as configurações da audiência e seus efeitos para o debate.

O escândalo envolvendo a Igreja Católica voltou a ocupar as manchetes. O Ministério Público da Pensilvânia (EUA) trouxe luz ao abuso sexual sistemático perpetrado por 300 clérigos nos últimos 70 anos, envolvendo mais de 1.000 crianças vítimas. Isso desencadeou uma resposta virulenta dos setores extremamente conservadores da Igreja contra o Papa Francisco, revelando as guerras intestinas da instituição (veja uma compilação de artigos).

Na Hungria, o governo Orbán ameaçou banir os dois programas existentes de pós-graduação em estudos de gênero, atualmente localizadas nas universidades ELTE e CEU. O anúncio gerou protestos internacionais de programas de gênero em todo o mundo (veja uma compilação das notas de repúdio e solidariedade).

Os debates acerca do #MeToo tomaram um rumo imprevisto depois que o caso envolvendo uma professora da NYU foi tornado público. O caso entre uma mulher lésbica e um homem gay ampliou drasticamente o debate em torno das premissas e efeitos do movimento. O SPW recomenda especialmente o artigo de Masha Gessen no The New Yorker para aqueles que leem em inglês.

Setembro

No dia 29 de setembro, o movimento # EleNão contra o candidato presidencial Bolsonaro cresceu de forma impressionante e tomou conta do Brasil, congregando todas as pessoas, com ou sem filiação partidária ou laços de movimentos sociais, e se espalhando internacionalmente. Leia os artigos de Isabela Oliveira KalilDenise Mantovani e Maria Lígia Elias e uma ampla compilação de notícias e análises nacionais e internacionais.

Nos EUA, o #MeToo atuou na nomeação de Brett Kavanaugh para a Suprema Corte de Justiça. A fim de sua nomeação ser confirmada, Kavanaugh passou por audiências para investigar as alegações de violência sexual feitas por Christine Blasey-Ford, que depôs na Corte. Ainda mais prejudicial politicamente do que o seu comportamento agressivo durante o julgamento, são as suas opiniões contra o direito ao aborto que prometem ameaçar a decisão federal do caso Roe vs. Wade uma vez que foi confirmado o seu lugar (veja uma compilação de notícias e análises).

Após uma batalha legislativa de quatro anos no Chile, a lei de identidade de gênero foi aprovada no dia 12 de setembro pelo Congresso,  permitindo o registro de uma nova identidade social sem exigências médicas, mas exigindo uma decisão do Tribunal de Família e consentimento dos pais para menores de 14 anos – uma cláusula pressionada por grupos religiosos anti-gênero.

Sob o tema “O Ocidente se unindo em torno da beleza da família”, o 13º Congresso Mundial das Famílias– financiado por autoridades turcas, chinesas e russas – teve como alvo os direitos  relacionados a gênero, aborto e LGBTTQ +.

O primeiro sindicato de profissionais do sexo foi criado na Espanha em julho. No entanto, o governo espanhol Sánchez – aclamado pelo alto número de mulheres e feministas no gabinete – anunciou que vai anular a sua criação e restringir ainda mais a prostituição (leia em espanhol).

Outubro

O expoente da extrema-direita Bolsonaro consagrou a sua vitória eleitoral no dia 28 de outubro, foi definitivamente o principal evento político do mês. Tendo isso em vista, o SPW preparou materiais especiais para esclarecer o processo eleitoral e os resultados através de nossas lentes da política sexual: leia o ensaio de Sonia Corrêa, a etnografia de Isabela Oliveira Kalil sobre perfis de apoiadores de Bolsonaro e nossa ampla compilação de análises e artigos.

Posterior ao resultado, as ameaças e ataques à liberdade acadêmica e aos professores – que estão em andamento há alguns anos – aumentaram exponencialmente por forças anti-gênero do PL “Escola sem Partido” (veja uma compilação de notícias).

No dia 30 de outubro, o Comitê de Direitos Humanos da ONU emitiu o Comentário Geral No. 36 sobre o artigo 6 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos afirmando que o aborto é um direito humano, que mortes maternas evitáveis são uma violação do direito à vida e que o direito à vida começa no nascimento (leia sobre o processo de debate iniciado em 2015 aqui e aqui)

Em mais uma tentativa da Administração de Trump de mirar a política sexual, autoridades norte-americanas tentaram eliminar a palavra “gênero” dos documentos de direitos humanos da ONU e substituí-la por “mulher”, alegando que o uso do termo anterior era “ideológico”. Simultaneamente, veio à tona um rascunho de memorando a ser emitido pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA pedindo que as principais agências federais definissem gênero como determinado “em uma base biológica”, desencadeando a reação dos movimentos trans  #WontBeErased (#NãoSeremosApagad@s).

A proibição anunciada do programa de estudos de gênero na Hungria tornou-se realidade. Universidades húngaras e européias protestaram contra a medida, denunciando a violação da liberdade acadêmica (veja uma compilação).

Felizmente no Uruguai a Lei Integral Trans foi finalmente aprovada no dia 19 de outubro, apesar da pressão anti-gênero. A nova lei permite a terapia hormonal para menores, mas requer o consentimento dos pais para cirurgias e inclui reparações para pessoas trans perseguidas durante a ditadura militar.

Na Índia, o #MeToo expandiu a sua trilha após acusações da atriz de Bollywood Tanushree Datta contra o ator Nana Patekar, que ultrapassou o setor da indústria cinematográfica e resultou na renúncia do ministro de Relações Exteriores, MJ Akbar, acusado de assédio por dezesseis mulheres.

Novembro

Em novembro, a Campanha Internacional pelos Direitos das Mulheres ao Aborto Seguro enviou uma cartaao papa Francisco repudiando seus ataques perversos que compararam o aborto à contratação de assassinos e a práticas eugênicas nazistas. Marge Berer, que assina a carta, acusa Bergoglio de negligenciar os efeitos prejudiciais da criminalização do aborto ao fazer essas acusações, enquanto se mantém alheio ao abuso sexual sistemático perpetrado por membros da Igreja.

No dia 6 de novembro, os EUA realizaram suas eleições Midterms, com um resultado histórico que favoreceu mulheres, mulheres de cor, mulheres muçulmanas, mulheres nativas e LGBTQ + nos níveis federal, distrital e local (leia no NYT). A partir de agora, o Partido Republicano perdeu a maioria na Câmara, mas manteve a situação no Senado. Espera-se que essa mudança na distribuição diferencial entre as partes seja um obstáculo para a política conservadora de Trump.

Seguindo a regra da Suprema Corte de Taiwan contra a criminalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2017, um referendo promovido por grupos religiosos conservadores “pró-família” em 24 de novembro conseguiu reunir sete milhões de votos contra uniões do mesmo sexo e apoio à criação de uma lei específica para casamento entre pessoas do mesmo sexo, considerado discriminatório por ativistas de RH. A campanha, semelhante à da Austrália, foi repleta de desinformação que alegava argumentos preconceituosos sobre sexualidade, identidade de gênero e HIV.

No dia 28 de novembro, o Comitê do Parlamento da África do Sul adotou uma emenda à Lei da União Civil de 2006, que derruba a Seção 6 sobre a objeção de consciência de funcionários públicos. A decisão é uma vitória legítima para ativistas LGBT no país que denunciaram incansavelmente o direito diferencial às uniões civis. A emenda, no entanto, prescreve um período de transição de 24 meses, amplamente criticado por ativistas.

Dezembro

Em outro ataque contra direitos de gênero, sexualidade e aborto, os EUA tentaram aprovar uma emenda no dia 17 de dezembro para enfraquecer as referências a “saúde sexual e reprodutiva” em uma resolução da ONU adicionando o termo “de acordo com as leis nacionais” (leia em inglês). Isso não pode ser interpretado sem conexões com as cruzadas transnacionais anti-gênero, que visam reverter direitos sexuais e reprodutivos e outras proposições dos EUA na ONU e em agências humanitárias e de ajuda ao desenvolvimento.

O Grupo de Trabalho do CDH sobre a Discriminação da Mulher na Lei e na Prática, em visita à Honduras – onde o aborto e contraceptivos de emergência são completamente criminalizados – enfatizou a importância do acesso à saúde, ao aborto e aos contraceptivos em recomendação para que seja realizada uma reforma da lei.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos emitiu uma decisão contra o Kremlin, afirmando que a proibição continuada da Rússia a protestos LGBT é discriminatória e representa uma violação dos direitos humanos.

O #MeToo fez um caso célebre no Brasil. O programa Conversa com Bial, devido ao trabalha da ativista Sabrina Bittecourt do Coame (movimento pelo Combate ao abuso no meio espiritual) – que também ajudou nas denúncias contra o guru Prem Baba – revelou a acusação de uma dezena de mulheres contra o médium famoso João de Deus, que estavam sendo negligenciadas por muitos jornais. Após o episódio, jornais ao redor do país e outras mulheres vieram a público, reunindo mais de 300 vítimas. Outro aspecto que impressiona no caso é o cuidado com que alguns jornais tentam separar a fé centrada na figura de João, sem deslegitimá-la ou criticá-la, para abordar os casos de assédio, abuso sexual e estupro.

No final do ano, a SPW recebeu a feliz notícia da decisão da Suprema Corte de El Salvador de considerar Imelda Cortez inocente das acusações de aborto depois de ter sido estuprada por seu padrasto; Imelda, de 20 anos, enfrentou julgamento por uma sentença de 20 anos devido às rigorosas leis de aborto do país.
Arte & Sexualidade
Para a edição de dezembro de 2018 do sex & art do SPW, lembramos e unimos as obras da brasileira Rosana Paulino e da cubana Belkis Ayón, artistas feministas negras que nos provocam o que acreditamos ser o tema principal da interseccionalidade social de 2018 enquanto promovemos as ferramentas para manter nossa força para o próximo ano.
Corpo Estranho, por Matheusa
Bala Perdida, por Anna Kahn
Studio Butterfly, de Virginia de Medeiros
Shibboleth, de Doris Salcedo
Artes da resistência: ditadura militar no Brasil
RECOMENDAMOS
Livros
O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (Coleção Tinta Vermelha) – Esther Solano – Editora Boitempo
Cordel #ElasSim – Jeanne Marie Gagnebin, Tatiana Roque e Carla Rodrigues – n-1 edições
Artigos
Conservadorismo e política da religião
A globalização das campanhas anti-gênero”, de Sonia Corrêa, David Paternotte e Roman Kuhar, originalmente publicado pelo site International Politics and Society.
Religiões, sentimentos públicos e as eleições 2018 – Christina Vital – Fundação Heinrich-Boell
Cartas sobre a mesa – Vladimir Safatle – Folha de São Paulo
A gênese de uma categoria – Entrevista de Rogério Diniz Junqueira para CLAM
Introdução do livro La croisade anti-genre: du Vatican aux manifs pour tous (2017) de Sara Garbagnoli e Massimo Prearo – Editora Textuel
As bases da nova direita – Antônio Flávio Pierucci
A vanguarda ilusionista, por Conrado Hübner Mendes, Ilustríssima, Folha de São Paulo
Direitos das mulheres
A responsabilidade das mulheres – Projeto Colabora
Sexualidade e direitos LGBTTI+
População trans vive processo de globalização interessante e perigoso – Tatiana Vergueiro em entrevista para NLUCON
A proibição da discriminação homoafetiva na interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Atala Riffo y Niñas Versus Chile – Jeancezar Ditzz de Souza Ribeiro – Revista de Direito Constitucional Internacional e Comparado, N. 2, V. 2
“A transexualidade representa um desafio mui interessante” – Observatório de Resistências Plurais
Resenha de “Les aveux de la chair”, de Michel Foucault – Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latino Americana
Trabalho sexual
Trabalho sexual em debate –  Manuela Tavares para via esquerda
Aborto
Direito ao aborto não é questão de minorias – por Sonia Corrêa e Juana Kweitel em O Globo
Carta ao Congresso Nacional – Jacqueline Pitanguy para Correio Brasiliense
Feminismos
O príncipe e a feminista – Joanna Burigo para Carta Capital
As meninas – Fernanda Torres na Folha de São Paulo
Simone Veil, a imortal – Global Voices
Por uma justiça feminista – Glaucia Foley – Jornal GGN
Publicações e recursos
Aborto
Gênero e direitos das mulheres
Quem as Representa? A Sub-Representação Parlamentar de Gênero e Raça no Brasil: Estudo de Casos – Revista Sul-Americana de Ciência Política, v. 4, n. 1, 103-122
Mulheres Chefes de Família no Brasil – Estudos Sobre Seguros – Edição 32
Mulheres Chefes de Família no Brasil – Estudos Sobre Seguros – Edição 32
Sexualidade e direitos LGBTTI+
Dossiê Lesbocídios: as histórias que ninguém conta – Núcleo de Inclusão Social (NIS) e Nós: dissidências feministas
Revista Sur Vol. 26 da Conectas
O corpo na pesquisa social – Revista Política & Trabalho N. 47
Multimídia
Aborto
Conservadorismo e política da religião
Fim da era dos pactos e ascensão da extrema-direita | Solano, Safatle, Musse e Braga – TV Boitempo
Escola Sem Partido: Pontos Inconstitucionais – Entrevista com Fernando Penna
Feminismos, sexualidade e direitos das mulheres
Marx e sexualidade – Tapera Taperá
Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher – Católicas pelo Direito de Decidir
Elza Berquó – XXI Encontro da ABEP
*A primeira versão de nossa retrospectiva se referia ao início do #MeToo em 1997. No entanto, o movimento é elaborada em 1997, mas só toma molduras formais em 2007.

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