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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Solidão masculina

 Os homens que procuram terapia estão se sentindo, na maior parte das vezes, extremamente solitários.
02 de Setembro de 2011
Na minha prática de consultório ouço muitas pessoas. Em sua maioria, mulheres tentando resolver questões amorosas, buscando sucesso profissional e direcionamento para suas vidas. Mas quem ouve os principais dilemas e problemas dos homens?
Os homens que procuram terapia estão se sentindo, na maior parte das vezes, extremamente solitários. Não se queixam especificamente de falta de trabalho, mulher ou amigos. Nem dizem: “Estou me sentindo sozinho, doutor. Socorro!”
Você quer gritar, mas ninguém vai te ouvir
Pode estar presente em qualquer tipo de homem, bem sucedido ou não, acompanhado ou solteiro, com muitos ou poucos amigos. Estão conectados por uma chaga em comum. Tal condição não se encontra em manuais de psicopatologia.
Batizei-a de solidão masculina. Ela tem traços bastante característicos.

Apatia existencial

Um de meus pacientes viu o pai na rua com outra mulher, uma amante. Confrontou-o, mas preferiu não contar nada à mãe. Se viu preso em um pesado dilema emocional. Ao compartilhar o drama com um grande amigo, recebeu como resposta apenas um cutucão no ombro, seguido de um “Sai dessa”.
A dificuldade de colocar em palavras seus medos mais terríveis foi tratada como um problema qualquer.
Numa realidade complexa e com muitas sutilezas emocionais, o homem fica paralisado, pois não foi treinado para lidar com a amplitude de identidades à nossa disposição. Ser apenas mais um macho-provedor está longe de dar conta do recado.
Então ele desenvolve um psiquismo fragmentado. Dentro de si guarda as velhas noções de masculinidade, mas externamente se adequa a uma mentalidade livre de papéis restritos. Isso causa uma sensação de isolamento. As revistas e programas de TV voltados ao público masculino tendem a reforçar os estereótipos. Não se abrem espaços para discussões maduras e sérias sobre os dramas masculinos.
O resultado é uma apatia existencial que se manifesta por meio do famoso “o que vier é lucro”. Uma postura destituída de valores e questionamentos. Ganhar dinheiro, transar, tomar umas com uns amigos e já está bom demais.

Estereótipos masculinos: todos querem ser Don Draper, mesmo ele sendo incompleto e infeliz

Pódio sem gosto de vitória

Me lembro de um jovem de 32 anos que me procurou. Bem-sucedido, com esposa linda e filhos saudáveis. Ao ser questionado sobre o motivo de sua terapia ele me disse:
"Tenho tudo, mas não estou bem."
Esta é uma fala capciosa, ainda que recorrente. Pode induzir a interpretações distantes do real problema. Freud falaria em angústias da infância. Jung, de sombras da personalidade. Victor Frankl poderia discorrer sobre a ausência de sentido existencial.
Minha intuição terapêutica farejou outro motivo. Ele se sentia isolado de seu papel masculino, numa dimensão mais ampla.
A ideia de sucesso no passado era mais nítida: bastava atingir uma grande conta bancária e o homem teria um sentimento de superação. O bem-estar financeiro não mais é exclusivo dos homens – mulheres provedoras são cada vez mais presentes. A vitória pessoal não é clara e ele não tem mais uma bússola, um caminho delineado sobre o que preenche suas aspirações. Sua ação no mundo ficou enfraquecida e mesmo quando consegue tudo aquilo que deseja, ainda sente que poderia inspirar mais fundo.
Mais uma vez surge o psiquismo fragmentado. Ele precisa manter a imagem inabalável ao mundo e, por dentro, está sendo corroído por uma sensação de fragilidade emocional. Pressente que seus amigos podem estar na mesma situação, mas prefere não dizer nada.

Sozinho mesmo acompanhado

Muitos já me relataram a sensação de isolamento, mesmo tendo seus amigos por perto.
Superficialmente ele está rindo, falando e cutucando os parceiros de cervejada, mas por dentro seu coração permanece blindado e cético. Seus verdadeiros e inconfessáveis sentimentos estão aprisionados e o máximo de afetuosidade que pode manifestar acontece em partidas de futebol.
Quando adulto, sabe que o recurso de chorar e se acomodar no colo da mãe não é mais aceitável. Chegar para um amigo e dizer “tô mal pra cacete” é cenário para raras amizades. Assim como olhar nos olhos e dizer:
“Hoje foi o dia mais feliz da minha vida. Estou apaixonado!”
Você pode até já ter falado isso para um grande amigo seu, mas a questão é a condição da escuta dele. O cara fica tão desconcertado com uma manifestação de calor humano vinda de outro homem que surge o silêncio acompanhado de uma piadinha, do tipo
“Tá de 'chico' hoje?”
A maior solidão está nos amigos que nos oprimem silenciosamente com sua postura. Falo daqueles que reforçam nossas fixações emocionais com um olhar complacente, jocoso ou de hostilidade ao mundo. Não vão desafiar nossas cegueiras pessoais e nem sequer questionar as bases pelas quais nossas mentes têm funcionado. São amigos que podem nos querer bem, mas não nos fazem bem. É uma solidão qualitativa, não quantitativa. “Com quem posso contar de verdade para me tornar um homem melhor?" é a pergunta-chave.
Bróder que é bróder divide mesa, cerveja, risada e, por que não?, uma mina na balada. Mas nunca compartilha seus medos

Fragilidade perante as mulheres

Outro paciente, rapaz bem apessoado, me confessou:
"Honestamente, não sei mais como agradar minha mulher. Parece que, quanto mais eu ofereço de mim, menos ela me valoriza. Eu deveria tratá-la sem coração, como uma vadia?"
As mulheres vêm assumindo posturas inesperadamente masculinas. A maior parte recorre ao ideal de independência e sexualidade livre. Mais sacudas, menos femininas.
Não existe e nunca vai existir fórmula para lidar com as mulheres. Elas próprias estão confusas com a imagem que adotaram. Ele reclamava: "Nem ela sabe o que quer direito!" Concordo, a mulher não sabe o que quer de si mesma e nem do homem que está ao seu lado.
As mulheres alcançaram suas supostas demandas. Os homens estão prestando atenção demais ao discurso feminino. O ciclo se repete e ambos seguem brincando de um gato-mia sem fim, sem encontrar o rumo de casa.

Medo constante

Nunca a indústria psicofarmacêutica foi tão próspera como hoje. Centenas de medicamentos voltados a fobias, ansiedades e depressões são lançados no mercado mensalmente. Essa panaceia moderna tem sido o recurso utilizado por muitos. Encarcerados diante de suas próprias emoções, buscam apoio médico para lidar com sentimentos.
Os remédios têm seu valor, desde que não se atenham unicamente aos sintomas. O sucesso dos medicamentos voltados à impotência masculina, por exemplo, revelam um homem inquieto, apreensivo, incapaz de se concentrar em seu prazer e se conectar com uma mulher.
Indo por este caminho, qual o traço comum entre depressões, fobias, ansiedades e impotências? O medo.
Como falei antes, a identidade masculina está fragmentada em múltiplos referenciais para um homem acostumado a assumir papéis mais simples. O medo é fruto da sensação de impotência frente a novas ameaças físicas, psicológicas e sociais.
Como os papéis não estão claros e a realidade se mostra paradoxal, esse homem está sempre se sentindo ameaçado por imagens contraditórias de si mesmo. Essa solidão masculina representa o desenraizamento de si mesmo e de suas origens. Abrir um espaço em que a tristeza, a angústia, o fracasso e o desânimo tenham o seu lugar é essencial para ampliar o repertório de ação do homem.
Sem esse espaço colocado de forma clara, vive-se a solidão de não poder fracassar. Diante do excesso de possibilidades surge o medo de não saber fazer a melhor escolha – como se fazer a melhor escolha fosse por si só uma obrigação.

Falta de rumo

Um estudante de 24 anos, meio riponga, avesso ao capitalismo e usuário convicto de maconha me questionou:
"Meu pai foi criado com o padre protestante. Na cidade dele tudo era preto no branco. Meu avô dizia o que era certo e errado e a Bíblia estava sempre em cima da mesa dizendo qual era a verdade. Depois do Google e da Wikipedia, nada disso mais faz sentido e não tenho mais nada firme em que acreditar!"
Essa desorientação não é incomum.
"Uma terça-feira comum na firma"
Na ausência de modelos pré-fabricados de como um homem deve agir no mundo, ele hesita diante da masculinidade ou se adequa a ela sem pestanejar. Nega o mundo ou o abraça, contanto que não precise pensar muito no que está fazendo – na prática, pula de cabeça no tripé trabalho, álcool e sexo.
Cada vez mais fechados em seus egos, muitos homens projetam toda uma vida focada em seus interesses pessoais e imediatos. Raramente pensam em deixar um legado ou construir algo significativo para outras pessoas. Caminham sem propósito.
Será que vai surgir alguém para nos chacoalhar?
“Você está desorientado meu chapa. Quanto tempo mais vai ficar perdido nessas distrações?”
Pelo contrário, os amigos tendem a incentivar essa visão de curto prazo. Afinal, estão todos no mesmo barco.
Eu gostaria de ouvir outras vozes ecoando a respeito desse tema. Percebem sentido e se identificam com alguns dos pontos listados? Ou nada disso é coerente para vocês? Está aberto o espaço.

2 comentários:

  1. Que matéria maravilhosa!
    Mesmo sendo mulher, entendo a complexidade que é a solidão masculina, e as consequências dessa prisão.
    Quando o homem não demonstra seus sentimentos, acaba por manifesta-los de forma agressiva, promovendo, por exemplo, a violência física contra as mulheres, permeado pela masculinidade tóxica.

    O certo é que todos nós sejamos mais compreensivos quando um amigo for desabafar ou estiver aparentemente triste, e que ao criarmos nossos filhos, mostremos para ele que é normal homem chorar e sentir medos.

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  2. Mila, por isso a necessidade de atendermos também o homem que comete agressões.

    Tanto o homem como a mulher introjetam comportamentos aprendidos que precisam ser transformados.

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