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sábado, 12 de janeiro de 2019

A proteção dos direitos de crianças e adolescentes em contexto de obras e empreendimentos

Justificando
Por Assis da Costa Oliveira
Quinta-feira, 10 de janeiro de 2019
Na maioria das obras e empreendimentos realizados ou em execução no Brasil, os impactos sociais às condições de vida e aos direitos de crianças e adolescentes são ainda uma questão invisível ou pouco considerada. Dois contextos distintos, a construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em Altamira/PA, e o rompimento da barragem de rejeitos da mineração, em Mariana/MG, são exemplos de empreendimentos econômicos cuja implantação e/ou operação trouxeram diversos impactos negativos às crianças e aos adolescentes, como a exploração sexual, prejuízo à convivência familiar e comunitária e déficit de acesso à educação escolar. No entanto, em ambos os contextos os direitos de crianças e adolescentes foram desconsiderados na tomada de decisão, gerando diversos impactos que poderiam ter sido identificados e prevenidos.
Para modificar o modo como os empreendimentos econômicos lidam com os direitos de crianças e adolescentes, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) aprovou a Resolução n. 215, de 22 de novembro de 2018, a qual busca estabelecer parâmetros e ações para a responsabilização do Estado, das empresas e das instituições financeiras na tarefa de proteger os direitos de crianças e adolescentes em contexto de obras e empreendimentos, além de definir subsídios para o fortalecimento do controle social e da participação direta de crianças e adolescentes.
Este é um documento que já vem sendo gestado há quatro anos, desde o início das atividades do espaço denominado Agenda de Convergência Obras e Empreendimentos, coordenado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Neste espaço, diversos agentes do governo federal, de empresas, instituições financeiras, universidades e sociedade civil, reuniram-se em prol da construção e implementação de um documento jurídico – inicialmente pensado na forma de um decreto ou portaria interministerial, mas, por fim, materializado no formato de uma resolução do controle social – para (re)definir as diretrizes e competências dos diferentes agentes nesta temática. Com a edição da Portaria n. 337, de 31 de outubro de 2018, do MDH, a Agenda de Convergência ganhou maior institucionalidade, tornando-se uma comissão permanente deste Ministério. 
O pano de fundo desta discussão é o reconhecimento de que crianças e adolescentes possuem direitos constitucionalmente alçados ao status de prioridade absoluta de cumprimento, cuja proteção e promoção é uma responsabilidade compartilhada por todos os agentes sócioestatais, conforme prescreve o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, incluindo empresas e instituições financeiras.
Mas somente esta disposição jurídica não é o bastante. O desafio é o planejamento de como cada agente pode agir no sentido de fortalecer a governança do território para melhoria das condições de vida e suporte às mudanças demográficas advindas com os empreendimentos e as obras, e, ao mesmo tempo, como fazer com que os negócios mudem sua lógica de atuação para prevenir e minimizar os impactos negativos, e potencializar os impactos positivos nos direitos de crianças e adolescentes.
Para tanto, a Resolução n. 215/2018 do CONANDA foi estruturada na interseção entre os direitos de crianças e adolescentes, e o campo dos direitos humanos e empresas, principalmente na incorporação de subsídios presentes nos Princípios Orientadores Empresas e Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, como a avaliação de impacto em direitos humanos, a declaração de compromisso empresarial e diversos princípios presentes no artigo 3º da Resolução, entre outros aspectos.
Além disso, a Resolução propõe a mudança na lógica tradicional de consideração dos direitos de crianças e adolescentes – e dos direitos humanos, de maneira geral – na tomada de decisão dos empreendimentos e das obras. Ao invés da concentração desta discussão na etapa do licenciamento ambiental, quando muitos dos riscos e violações identificados já são insanáveis, a proposta é tranversalizar a consideração sobre estes direitos em cada etapa da tomada de decisão, do planejamento até a desmobilização dos recursos humanos e operação, passando pela licitação, financiamento e também as etapas internas do licenciamento ambiental. Com isso, o foco é fazer com que cada etapa da tomada de decisão tenha que considerar diferentes aspectos operacionais para proteção dos direitos de crianças e adolescentes, mas sempre objetivando fazer com que se antecipe o fortalecimento das condições para garantia destes direitos para antes da chegada em si das obras e empreendimentos.
Porém, é certo que o licenciamento ambiental continua sendo o principal instrumento administrativo para identificação e tratamento de impactos relacionados às obras e aos empreendimentos. Neste campo, a Resolução n. 215/2018 do CONANDA abordar, nos artigos 15, 16 e 17, parâmetros para qualificar a internalização de medidas para identificação de impactos, participação social e estabelecimento de medidas de responsabilização do empreendedor que dialoguem de maneira mais adequada com os órgãos competentes pela pauta de crianças e adolescentes do território impacto, e com as próprias crianças, adolescentes e suas famílias.
Os avanços poderiam ter sido ainda maiores na oferta de subsídios ao licenciamento ambiental para proteção dos direitos de crianças e adolescentes, porém o contexto político de ameaça de retrocesso da pauta ambiental – a exemplo do Projeto de Lei nº. 3.729/2004 – e a resistência de alguns órgãos do governo federal, fizeram com que várias medidas fossem retiradas ou modificadas para garantir que algum parâmetro fosse estabelecido para o licenciamento ambiental.
O cerne do desafio operacional desta Resolução está nas condições de estabelecimento e funcionamento da comissão temática específica regulamentada no artigo 8º do documento, a qual objetiva envolver os diferentes agentes relacionados aos empreendimentos e as obras na tarefa de materializar a governança local dos direitos de crianças e adolescentes, principalmente do modo como estes serão considerados na tomada de decisão dos negócios em vias de planejamento, implantação e/ou operacionalização. Sem dúvida, uma testagem piloto desta institucionalidade, em alguma obra ou empreendimento a ser previsto ou já em operação, ajudaria a melhorar o entendimento de como esta comissão temática específica pode se materializar, e quais os ajustes necessários para que, de fato, cumpra seu objetivo central.
Por fim, compreendemos que as disposições definidas para as empresas e as instituições financeiras devem ser articuladas ao disposto no recente Decreto nº. 9.571, de 21 de novembro de 2018, o qual estabelece as Diretrizes Nacionais Empresas e Direitos Humanos. No entanto, igual disposto neste Decreto, que define a adesão voluntária das empresas (art. 1º, par. 1º), os parâmetros definidos na Resolução nº 215/2018 do CONANDA assumem um caráter recomendatório, não obrigacional, que pode prejudicar a efetividade do cumprimento, ainda que alberguem no seu conteúdo o esforço para ampliação e qualificação do compromisso corporativo com a prevenção, o controle e a reparação de violações aos direitos de crianças e adolescentes.
O fundamental, neste ponto, é compreender que a Resolução define parâmetros para obras e empreendimentos de todos os tamanhos e tipos (art. 23, inc. II), com a proposta de estruturação de uma declaração de compromisso corporativo (art. 24) aprovada no mais alto nível da direção da empresa – e que tenha validade para a atividade da empresa em todas as obras e empreendimentos que venha a realizar – e procurando adotar medidas de responsabilização pela proteção dos direitos junto à cadeia produtiva (art. 31).
Às instituições financeiras, o central é a oportunização de subsídios para melhorar o modo como a avaliação de risco dos negócios deve incorporar a consideração à integralidade dos direitos de crianças e adolescentes, e não apenas ao trabalho infantil e/ou à exploração sexual, como via de regra ocorre. Além disso, torna mais consistente o caráter indutor das instituições financeiras junto às empresas que realizam as obras e os empreendimentos, por meio do estabelecimento de medidas, como clausulas contratuais e vinculação do desembolso das parcelas dos empréstimos (art. 40), que condicionam a manutenção do investimento à efetiva proteção aos direitos de crianças e adolescentes.
Em suma, está-se diante de um documento jurídico com força de norma administrativa que deve, a partir de agora, ser disseminado junto aos diferentes agentes sócioestatais, em especial às empresas e os conselhos setoriais, para que seja implementado e monitorado. Por certo, o contexto que se avizinha, com a nova gestão do governo federal, não é tão otimista para com a valorização da proposta contida no documento. Mas, é justamente por isso que a aprovação desta Resolução é particularmente importante neste momento, pois estabelece, uma vez mais, que os direitos de crianças e adolescentes devem ser tratados como prioridades absolutas, independente de obras, empreendimentos e agentes que estejam envolvidos; eles são a orientação máxima que deve balizar a conduta dos agentes e dos negócios.
Assis da Costa Oliveira é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). Graduado em Direito pela UFPA. Professor de Direitos Humanos da Faculdade de Etnodiversidade da UFPA, Campus de Altamira. Coordenador do Grupo de Trabalho Direitos, Infâncias e Juventudes do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais. Advogado.

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