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sábado, 12 de janeiro de 2019

A corda bamba entre o ato de amar e o de mimar os seus filhos

Letícia Castor
Quarta-feira, 9 de janeiro de 2019
“Ser mãe da minha filha de 2 anos e 9 meses me dá mais trabalho do que ser pré-candidata à vice-presidência da República”. Esta foi a fala de Manuela D’ávila, 37, ao entrar no debate acerca da necessidade de creches públicas como um programa de assistência e suporte às mães de todo o país. A entrevista, concedida pela candidata à revista Isto É, passa rapidamente pelo tópico e logo embarca em outras discussões, mas já deixa o gancho para que entendamos mais a fundo o que Manuela quer dizer.

A jornalista e política filiada ao PCdoB é uma das muitas praticantes da criação com apego no Brasil. Conhecida por imagens já viralizadas em que amamenta sua filha pequena, Laura, durante debates na câmara, por exemplo, Manuela é um exemplo do princípio que sustenta toda esta teoria da pedagogia: a força do vínculo entre pais e filhos.
O vínculo é o que traz confiança em seu relacionamento, segurança para a que a criança se sinta livre e capaz de explorar o mundo de coisas novas e reluzentes ao seu redor e, acima de tudo isso, é o que planta a semente da validação dos próprios sentimentos e a liberdade para expressá-los sem medo de repreensão. Calma, vai fazer sentido ainda.
Mas e a disciplina?
Este é um tópico complicado. O consenso (ou histeria coletiva, como preferir) dos baby boomers e de seus frutos, os millenialls, tende sempre a entender disciplina como uma daquelas coleiras para cães hiperativos: a extensão da sua guia irá ditar o quão longe ele poderá ir e, caso ele se anime no passeio, ela sufoca o animal para que ele ande ao passo de seu condutor.
A metáfora pode parecer um pouco radical, mas não está necessariamente equivocada: vejamos a obra do Dr. Luther Emmett Holt, na qual é explicitamente encorajado às mães que elas não brincassem frequentemente com crianças abaixo dos 6 meses – segundo o pediatra, a prática estressaria o bebê e o causaria indigestão – ou, até mesmo, que o afeto para com suas crianças fosse condicionado, que beijos e abraços fossem evitados, principalmente em público. Claro, isso foi após a 2ª Guerra Mundial, há mais de 70 anos. Mas essas coisas ficam. A cultura fica.
A prova disso são projetos políticos que propõem o aumento do número de escolas militares no país e, de quebra, a implementação do ensino de empreendedorismo nas instituições de ensino, sendo ovacionados pela população. Nos Estados Unidos, por exemplo, esta cultura já se estabeleceu: a startup We Work já implantou o ensino do empreendedorismo para crianças a partir de três anos. Três anos. A idade média de letramento e alfabetização recomendada pela Teoria de Piaget é de seis anos.
Finalmente, uma oposição
Apesar desta mentalidade crescente de adultização precoce da mente infantil, ainda há uma resistência. Na verdade, ela surgiu logo após os conselhos questionáveis de Dr. Emmett e sua liga de seguidores no meio acadêmico. Em 1946, o dr. Spock – tem um Benjamin em algum lugar dessa frase – escreveu “O livro de bolso para cuidar de bebês e crianças”, criando assim uma força que se opunha à mentalidade de régia curta e vigilante da primeira onda teórica. Neste livro, dr. Spock trouxe à luz conceitos baseados na flexibilidade, compreensão, diálogo, liberdade, do poder da intuição e até mesmo, questões de gênero e o papel fundamental do pai em todo o processo de criação, coisa que em 1946 era praticamente uma blasfêmia. E a partir daí, virou festa.
Médicos e acadêmicos da época passaram a compreender a importância desta criação instintiva proposta por Spock e continuaram a contribuir com novas práticas, tais como o uso de slings (aquela amarração de tecidos que segura o nenê na mãe hora do passeio), o uso de camas compartilhadas e a amamentação prolongada. Estas pessoas viram na teoria de Spock uma valorização ao natural, o que nos remete até mesmo a saberes de povos antigos e discussões antropológicas, mas ai fica pra outro dia.
Foi ai que nasceu a tal da criação com apego. O movimento ganhou voz, as mulheres ganharam bebês e passaram a se questionar um pouco mais a respeito daqueles dizeres mais manjados com o estavam acostumadas. Choro é manha, isso é só pra chamar a atenção, não pode deixar a criança fazer o que ela quer.
Mas e se, pasmem, o choro do bebê signifique alguma coisa? A questão é que crianças nascem com necessidades básicas a serem atendidas. Necessidades estas que, se ignoradas, terão desdobramentos no futuro, tanto a curto quanto a longo prazo. Portanto, é o dever parental tentar, no mínimo, identifica-las para o conforto e bem estar de seus filhos.
Mas ainda existem os críticos a teoria sem conhece-la, como conta a engenheira ambiental Pâmela Oliveira, 24, sobre sua experiência nos quase 3 anos em que acompanha a criação de seu sobrinho, Antônio César.
“Ele é uma criança muito independente, os brinquedos e a cama são na altura dele, ele sabe o local de guardar cada coisa e se trocamos de lugar, ele vai lá e arruma. […] Pra mim, a maior diferença é tratar a criança como um ser humano e não uma propriedade, pode parecer pesado, mas é isso que eu percebo na maioria das criações.
Os pais acham que os filhos tem que ser um espelho de si mesmo. Desde bebê tentamos entender que ele tem querer, gosto e personalidade próprios. Tem dias de preguiça ou irritação assim como os adultos e, diferente de nós, ainda não tem maturidade emocional para lidar com isso, então nosso papel é ajudá-lo a entender e processar os sentimentos e não reprimir, brigar, deixar a criança ainda mais nervosa.
Acho os resultados incríveis, a forma como ele nos trata é um reflexo de como lidamos com ele, quando eu falo “eu te amo”, às vezes ele responde “eu também te amo” e outras vezes diz “eu sei, Tia Pam”. Pra mim é a resposta mais maravilhosa, porque é exatamente o que queremos, que ele saiba que é amado, protegido, cuidado”.
Os oito princípios da criação com apego
Tudo muito bonito, mas calma lá que não é bagunça. A criação com apego é, antes de mais nada, uma teoria da pedagogia que ora flerta com a neurociência, ora com a psicologia. E embora tenha sido elaborada por complementações de diferentes profissionais e estudiosos ao longo dos anos, em 1994 foi criado nos Estados Unidos o Attachment Parenting International, um órgão de suporte e disseminação do conteúdo para pais interessados mundo afora. O API, por consequência, foi responsável pela criação de algumas orientações primordiais para guiar os pais e mães de primeira, segunda e terceira viagem que buscassem abordar a educação sob uma nova ótica.
Cuidado desde a gestação
Justamente por valorizar as práticas naturais e propor um desligamento dos métodos de afastamento moderno que pais e filhos são submetidos, a criação com apego traz a ideia de que esta aproximação entre mãe e filho acontece desde o primeiro momento e assim deve ser cultivada. Recomenda o parto natural e a constante busca por filosofias de criação diferentes, além de estimular o equilíbrio físico e emocional da mãe, afinal, durante estes nove meses, mãe e filho compartilham tudo, tanto do bom quanto do ruim que passa pelos seus corpos e mentes.
Foco na alimentação
Pode soar um pouco óbvio ou generalista, mas a criação com apego vai além do ideal comum. Ela propõe uma alimentação cuidadosa afim de conscientizar o bebê desde o início sobre a importância deste momento de conexão entre ele e a mãe. Também estimula a amamentação prologada e a atenção constante a qualquer manifestação negativa da criança, interpretando a fome como uma expressão de insatisfação não só do corpo, mas de seu emocional. Além disso, a teoria ressalta o cuidado e a paciência necessários para o processo de desmame, o qual deve ser gentil e acompanhar o tempo da criança, e não a demanda externa que pode comprometê-la.
Respeito e sensibilidade
Aqui, habita a essência da teoria do apego. Esta etapa estimula que mães e pais entendam que o choro é a única forma de comunicação de uma criança por muito tempo, portanto, deve ser levado em consideração e não ignorado ou taxado como “birra”. Estimula o contato físico para que o bebê se sinta seguro nas horas de choro e repreende atitudes de cunho punitivo quando a criança se comporta mal, propondo o diálogo e a paciência como melhores formas de resolução.
Valorizar o contato afetivo
Nesta etapa, é válido mencionar que o contato físico de afeto, como abraços, beijos e carinhos, estimula a produção de hormônios de crescimento, além de ajudar no desenvolvimento motor e intelectual de uma criança, melhorar seu sono e regular batimentos cardíacos e temperatura corporal. Levando estes fatores em conta, a criação com apego visa tanto o vínculo emocional quanto à saúde do bebê.
O poder do sono
Este princípio vai contra a crença comum de que uma criança que dorme o tempo todo é uma criança calma e feliz. Isso, além de poder sinalizar algo errado em seu comportamento, é desencorajo pela criação com apego por conta de desregular seu relógio biológico. A prática de deixar a criança chorar até desistir também é condenada pelo método, pois traz um sentimento de desamparo e solidão à criança. Ela precisa saber que pode contar com figuras afetivas e protetoras em suas horas de dor. É aqui que entra a ideia da cama compartilhada.
Cuidado constante e afetivo
Crianças são curiosas por natureza. E proibi-las de explorar o pequeno mundo ao seu redor é limitar sua capacidade intelectual, perceptiva e até mesmo, criativa. Logo, ao invés de cercá-la em um ambiente isolado, a criação com apego recomenda o acompanhamento frequente dos pais nessas atividades exploratórias.
Disciplina positiva
Há quem veja a criação com apego uma forma talvez liberal demais e que não impõe limite aos filhos, o que é um equívoco. A teoria propõe que lições de certo e errado, seguro e perigoso sejam constantemente ensinadas às crianças, mas através do diálogo e de forma lúdica para que, dentro da sua compreensão, a criança consiga diferenciar o que pode ou não pode. Brigas e até mesmo, punições físicas tendem a criar um sentimento de insegurança na criança, enfraquecendo assim o vínculo entre elas e seus pais.
Equilíbrio para todos
Por valorizar o bem-estar comum, a criação com apego não deixa de recomendar um tempo reservado para a mãe cuidar de si mesma, se reavaliar e descansar de toda esta rotina. Embora ser mãe seja uma tarefa ininterrupta, é preciso ser mulher ao mesmo tempo e não negligenciar as próprias necessidades.
São muitos os perfis de pais e mães que estão aderindo ao método. Influercers digitais, mães solo, mulheres do meio corporativo e político estão, gradativamente, buscando se aproximar mais de seus filhos ao invés de terceirizar a sua criação. O maior desafio é obviamente o equilíbrio entre carreira e maternidade, processo este que inevitavelmente leva estas mulheres a enfrentar julgamentos de todos os lados.
A coordenadora de produtos Paula Beatriz, 33, conta que desde em suas redes sociais até em seu ambiente de trabalho, é obrigada a escutar opiniões não solicitadas – as quais, muitas vezes, vêm até mesmo de outras mães.
“Acho que dormir comigo, eu sempre dar colo, respeitar os espaços e tempos. Além de não bater. Esses são os pontos que me incomodam quando recebo críticas. São coisas tão simples e até o mais normal no meu ponto de vista a fazer. Mas tenho que escutar sempre que eu não controlo meu filho e que ele vai crescer mimado, vai virar bandido, etc”.
Quando questionada acerca de suas expectativas a longo prazo sobre a forma que cria Gabriel, de 3 anos e 8 meses, Paula apresenta um tom de alívio e otimismo, mesmo em meio à tantas oposições desgastantes.
“Espero que ele seja mais pessoa do bem. Que lute pelos seus direitos e pelos direitos dos outros. Que seja humano, que seja empático e solidário. Que saiba respeitar as pessoas apenas porque são pessoas, independentemente do cargo ou posição.
Percebo que ele já atua assim, quando vê criança mais nova, ele tenta ajudar. Ele é tímido no começo, mas logo se solta com as pessoas”.
Outro princípio que vale ressaltar, ainda que não tenha sido listado pelo API, é a negação da subestimação do intelecto da criança. Pais e mães estão sempre condicionados a responder “sim” e “não” às suas milhares de perguntas sobre tudo. O porquê da cor da borboleta, do som emitido pelos animais e o que é aquela coisa estranha e colorida na mesa de jantar. Essa curiosidade é intrínseca aos pequenos e precisa ser encorajada. Claro, isso no campo das ideias, não há pai ou mãe no mundo com o tempo de responder todos os seus questionamentos. Mas o primeiro passo é sempre tentar mais um pouco. É trocar a comodidade da luz da televisão que distrai a criança e a deixa em standby por algumas horas por uma conversa diária, ainda que rápida.
Sane suas dúvidas, levante outras mais. Plante a primeira semente não para mais um futuro empreendedor, mas para uma mente segura de si e aberta ao diálogo, à compreensão do diferente e admiração do que já se possuí. E inevitavelmente, isso começa com a primeira pessoa que a carregará no colo e mostrará o mundo ao seu redor. Se os adultos têm medo dele, imagine os pequenos. Estão todos juntos neste barco, não tem jeito. A diferença é que um segura o remo e o outro tem a sorte de somente admirar a paisagem.
Letícia Castor é estudante do 7º semestre de Comunicação Social.

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