MARGARETH ARILHA
11/07/2018
A vida se constrói de tal forma que, desde muito cedo, sem grande explicações para a morte, os adultos costumam ter as dores de sua alma aplacadas quando olham para o céu e encontram nas estrelas a permanência de luz e vida daqueles que, inexplicavelmente, se foram para algum outro lugar. Se a vida, às vezes, não pode ser tão bem compreendida, a morte é, sem dúvida, ainda mais enigmática e misteriosa. Para alguns, a força para a ação vai se esgotando, por mais que a vida seja amada. Outros, e é isso que nos atordoa, escolhem a morte ou se lançam para ela quase sem saber, desenhada pelo suicídio. O que poderia ser a explicação para tal aparente absurdo gesto? Que a morte seja uma escolha, que seja fruto de um decisão, que seja o fato que se impõe como renúncia àquilo que nos parece gerar tanta felicidade ou, pelo menos, gerar chances de felicidade?
Na contabilidade de muitos jovens, a angústia que tem vivido é tão implacável, a impotência diante da vida é tão evidente, a ausência de lugares para ser, simplesmente ser, sem expectativas, ser sem nada esperar, ser apenas para vibrar, se torna tão real que o sobressalto é contínuo. Para eles, parece que será impossível esperar, seguir e suportar que as contas não batem, parece que suas vidas não são importantes para ninguém. E não se deseja mais ver e o conflito, a dor e a sensação de imperfeição se tornam tão evidentes que não há mais desejo de seguir. Não há mais desejos. A angústia do desamparo e a certeza do imperfeito, do impossível de suportar, conduzem ao sobressalto e conduzem ao salto para o possível da eliminação da dor. O fórum “Suicídio – Des/compassos da vida: números, atos e demandas”, que se realizará no dia 8 de agosto na Unicamp, promoverá o conhecimento e debate do cenário do suicídio hoje no Brasil e no mundo. Fenômeno debatido intensamente desde 2017, especialmente por suas dimensões crescentes e impactantes, aparece como uma questão urgente e evidencia sua complexidade ao se apresentar em todos os grupos populacionais, de várias idades, sexo/gênero, com distintas práticas afetivas e sexuais, distintas formas de inserção em sistemas educacionais e produtivos, pertencentes a variadas etnias e vivendo em distintos países do mundo.
Tem desafiado estudiosos, operadores de políticas públicas, especialmente dos setores de educação e saúde, famílias e comunidades, inclusive a de estudantes universitários, devendo ser olhado com a delicadeza que requer. O cenário exige que se busque compreender suas características nos distintos espaços e culturas sociais. O fenômeno pode ser compreendido como um sintoma social que evidencia um sofrimento a que se deve interrogar: quem são os sujeitos que insistem e desistem, em gestos e atos, expressões de nossa contemporaneidade? Já em 1897, Durkheim alertava para a natureza social de um fenômeno até então considerado fruto da psicopatologia, da loucura. Freud e os psicanalistas que o seguiram, inclusive Lacan, vão falar da natureza de um ato que estaria traduzindo o impossível do desejo e, como tal, a única condição de vida possível. Que sociedade é essa que estamos criando, que deixa como único ponto de saída, para alguns, o encontro com o alívio através da morte? Por que não estamos conseguindo desenhar estrelas na areia de nossos mares e nas terras de nossas vidas? Por que tais sujeitos querem desistir de existir? Só saberemos se nos mantivermos, ainda mais, lado a lado.
MARGARETH ARILHA é psicanalista e pesquisadora do Nepo (Núcleo de Estudos em População Elza Berquo), da Unicamp
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