"Um homem é diferente de uma mulher, vista ela rosa, azul ou roxo. Com jeans ou com vestidos cor-de-rosa e lacinhos na cabeça, uma mulher é uma mulher. Estamos falando de respeito, de liberdade, de direitos iguais", escreve a psicanalista Lidia Rosenberg Aratangy
As roupas que usamos, vocês sabem, são o equivalente civilizado da pintura da tribo, pelas quais se identificam e se reconhecem aliados e inimigos.
Há não muito tempo, ninguém discutia: os meninos vestiam azul, as meninas vestiam rosa. Bastava olhar para as portas dos quartos na maternidade para saber o sexo dos recém-chegados: sapatinhos azuis e cor-de-rosa eram anúncios inequívocos. Também era sabido que os meninos usavam calças curtas até a adolescência, quando, como em um ritual de passagem, vinha a primeira calça comprida. Para as meninas, sempre de saia ou vestido, o primeiro sapato de salto chegava com a primeira maquiagem e o vestido longo. Em geral, essas promoções aconteciam juntas no primeiro baile, o da formatura do ginásio – o sufoco da estreia do sapato de salto ninguém esquece!.
Junto aos lacinhos cor-de-rosa, vinha toda uma bagagem de deveres e vetos. A menina era criada para ser a rainha do lar, encontrar um bom marido (o que quer que isso queira dizer), que deveria apoiar e respeitar até que a morte os separasse. Educar os filhos, evidentemente, era parte do pacote. Toda uma arquitetura cultural estava montada para seduzir a mulher para dentro de casa, como se esse fosse seu lugar natural. Vocês sabem: "Mulher não entende nada de matemática"; "É muito emocional, não tem a frieza necessária para se defender na selva de pedra que é o mundo dos negócios"; "A doçura e a suavidade femininas são provas de que a mulher está fadada a ficar dentro do ambiente protegido do lar, cuidando dos filhos".
Os meninos de azul, por sua vez, estavam destinados a ser fortes e valentes –“pisa aqui se você for homem!”–, controlar as emoções (“homem não chora!”), não levar desaforo pra casa. Tudo isso para transformá-lo em um bom provedor, capaz de enfrentar a frieza e a dureza do universo do trabalho – seria isso o bom marido?. O lar era o espaço reservado para o descanso do guerreiro, o trabalho doméstico era destinado às mulheres, que não tinham capacitação para tarefas mais sofisticadas.
Assim, homens e mulheres estavam fadados a viver como pessoas mutiladas, cada gênero tendo de renunciar a partes importantes da personalidade: ela tinha de desenvolver apenas a sensibilidade, abrindo mão da força e da inteligência; ele tinha de disfarçar as emoções e alimentar a força física e a frieza de raciocínio. Mas a sensibilidade sem o poder de raciocínio tende a ser piegas, a lógica sem a sensibilidade tende a ser cruel. E pessoas incompletas têm menos competência para enfrentar as vicissitudes da vida.
Então, um dia, alguém inventou que liberdade era uma calça velha, azul e desbotada – e tudo isso ficou ameaçado. O jeans proporcionou mesmo uma espécie de liberdade: todo ser humano tinha o direito de usar sua calça azul com tênis e camiseta, de qualquer cor, independente da faixa etária, gênero, ou classe social. A pintura da tribo perdeu seu poder de identidade. O mundo ficou mais colorido.
Mas não necessariamente mais justo. Muito mais é preciso para que se instale uma verdadeira simetria entre homens e mulheres.
Você já reparou na diferença entre os comerciais de Dia das Mães e Dia dos Pais? A maioria dos produtos sugeridos para presentear as mães são objetos de uso doméstico (utensílios de cozinha, enfeites para a casa), enquanto, para os pais, são apresentados objetos de uso pessoal (meias, gravatas, eletrônicos...).
Depois de enfrentar anos de estudos acadêmicos (a escolaridade das mulheres é, em média, maior que a dos homens), de queimar sutiãs e disputar cargos ombro a ombro com os homens no universo profissional, ainda há quem ache que lugar de mulher é dentro de casa? Com tantas mulheres chefes de Estado no mundo inteiro, ainda há quem acredite que as mulheres são emotivas demais para assumir postos de comando?
Há não muito tempo, ninguém discutia: os meninos vestiam azul, as meninas vestiam rosa. Bastava olhar para as portas dos quartos na maternidade para saber o sexo dos recém-chegados: sapatinhos azuis e cor-de-rosa eram anúncios inequívocos. Também era sabido que os meninos usavam calças curtas até a adolescência, quando, como em um ritual de passagem, vinha a primeira calça comprida. Para as meninas, sempre de saia ou vestido, o primeiro sapato de salto chegava com a primeira maquiagem e o vestido longo. Em geral, essas promoções aconteciam juntas no primeiro baile, o da formatura do ginásio – o sufoco da estreia do sapato de salto ninguém esquece!.
Junto aos lacinhos cor-de-rosa, vinha toda uma bagagem de deveres e vetos. A menina era criada para ser a rainha do lar, encontrar um bom marido (o que quer que isso queira dizer), que deveria apoiar e respeitar até que a morte os separasse. Educar os filhos, evidentemente, era parte do pacote. Toda uma arquitetura cultural estava montada para seduzir a mulher para dentro de casa, como se esse fosse seu lugar natural. Vocês sabem: "Mulher não entende nada de matemática"; "É muito emocional, não tem a frieza necessária para se defender na selva de pedra que é o mundo dos negócios"; "A doçura e a suavidade femininas são provas de que a mulher está fadada a ficar dentro do ambiente protegido do lar, cuidando dos filhos".
Os meninos de azul, por sua vez, estavam destinados a ser fortes e valentes –“pisa aqui se você for homem!”–, controlar as emoções (“homem não chora!”), não levar desaforo pra casa. Tudo isso para transformá-lo em um bom provedor, capaz de enfrentar a frieza e a dureza do universo do trabalho – seria isso o bom marido?. O lar era o espaço reservado para o descanso do guerreiro, o trabalho doméstico era destinado às mulheres, que não tinham capacitação para tarefas mais sofisticadas.
Assim, homens e mulheres estavam fadados a viver como pessoas mutiladas, cada gênero tendo de renunciar a partes importantes da personalidade: ela tinha de desenvolver apenas a sensibilidade, abrindo mão da força e da inteligência; ele tinha de disfarçar as emoções e alimentar a força física e a frieza de raciocínio. Mas a sensibilidade sem o poder de raciocínio tende a ser piegas, a lógica sem a sensibilidade tende a ser cruel. E pessoas incompletas têm menos competência para enfrentar as vicissitudes da vida.
Então, um dia, alguém inventou que liberdade era uma calça velha, azul e desbotada – e tudo isso ficou ameaçado. O jeans proporcionou mesmo uma espécie de liberdade: todo ser humano tinha o direito de usar sua calça azul com tênis e camiseta, de qualquer cor, independente da faixa etária, gênero, ou classe social. A pintura da tribo perdeu seu poder de identidade. O mundo ficou mais colorido.
Mas não necessariamente mais justo. Muito mais é preciso para que se instale uma verdadeira simetria entre homens e mulheres.
Você já reparou na diferença entre os comerciais de Dia das Mães e Dia dos Pais? A maioria dos produtos sugeridos para presentear as mães são objetos de uso doméstico (utensílios de cozinha, enfeites para a casa), enquanto, para os pais, são apresentados objetos de uso pessoal (meias, gravatas, eletrônicos...).
Depois de enfrentar anos de estudos acadêmicos (a escolaridade das mulheres é, em média, maior que a dos homens), de queimar sutiãs e disputar cargos ombro a ombro com os homens no universo profissional, ainda há quem ache que lugar de mulher é dentro de casa? Com tantas mulheres chefes de Estado no mundo inteiro, ainda há quem acredite que as mulheres são emotivas demais para assumir postos de comando?
Não estamos falando de igualdade, falamos de simetria. Um homem é diferente de uma mulher, vista ela rosa, azul ou roxo. Com jeans ou com vestidos cor-de-rosa e lacinhos na cabeça, uma mulher é uma mulher. Estamos falando de respeito, de liberdade, de direitos iguais.
Ter um pênis é diferente de ter um útero, ninguém questiona. Um homem é diferente de uma mulher. Ainda bem. As diferenças enriquecem a vida.
Quanto à cor da roupa – com tudo o que uma cor metaforicamente representa –, podemos aceitar a sugestão de Vinicius de Moraes, que recomenda “que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa”. Ou seguir o Estatuto de Thiago de Mello, que, em seu Artigo X, dispõe:
Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.
Ter um pênis é diferente de ter um útero, ninguém questiona. Um homem é diferente de uma mulher. Ainda bem. As diferenças enriquecem a vida.
Quanto à cor da roupa – com tudo o que uma cor metaforicamente representa –, podemos aceitar a sugestão de Vinicius de Moraes, que recomenda “que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa”. Ou seguir o Estatuto de Thiago de Mello, que, em seu Artigo X, dispõe:
Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.
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