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segunda-feira, 3 de junho de 2019

As noivas paquistanesas traficadas para a China e forçadas a virar escravas sexuais


Casamento de Sophie
Image captionSophia (à dir) casou-se com um homem chinês

  • 2 junho 2019
O casamento entre uma mulher cristã local e um homem cristão chinês há seis meses na cidade de Faisalabad, no leste do Paquistão, tinha tudo para ser uma união feliz.
Ela tinha 19 anos; ele, 21 anos. Ela era esteticista; ele, empresário no setor de cosméticos.
Sua família não tinha muito dinheiro, mas o noivo generosamente se ofereceu para pagar todas as despesas do casamento.

A união foi realizada em estrita concordância com os costumes paquistaneses. Isso agradou os pais da noiva, que achavam que o marido chinês de sua filha respeitava as tradições locais.
Houve um pedido formal, seguido de uma cerimônia de hena que culminou com o "baraat", como é chamada a tradicional procissão do noivo à casa da noiva.
Mas, um mês depois, Sophia (nome fictício) estaria de volta à casa dos pais. Ela escapou do que agora autoridades acreditam ser um esquema ilegal pelo qual mulheres paquistanesas são levadas à China para se tornarem escravas sexuais.
Saleem Iqbal, um ativista cristão pelos direitos humanos que vem acompanhando de perto esses casamentos, estima que pelo menos 700 mulheres, em sua maioria cristãs, se casaram com homens chineses em pouco mais de um ano. O futuro de muitas dessas mulheres permanece desconhecido, mas a ONG Human Rights Watch diz que elas estão "sob risco de escravidão sexual".

Investigação

Nas últimas semanas, mais de 20 cidadãos chineses e intermediários paquistaneses locais, incluindo pelo menos um padre católico, foram presos acusados de conexão com supostos casamentos simulados.
A Agência Federal de Investigação do Paquistão (FIA) disse à BBC que "gangues de criminosos chineses traficam mulheres paquistanesas recém-casadas para o comércio sexual". Ele disse que um grupo se apresentou como engenheiros trabalhando em um projeto de energia enquanto organizava casamentos e enviava mulheres para a China por taxas que variavam de US$ 12 mil a US$ 25 mil (R$ 48 mil a R$ 100 mil) por pessoa.
As mulheres cristãs - que vêm de uma comunidade predominantemente pobre e marginalizada - são os principais alvos dos traficantes, que pagam a seus pais centenas ou milhares de dólares.

Fiéis cristãos no PaquistãoDireito de imagemAFP
Image captionHá cerca de 2,5 milhões de cristãos no Paquistão - menos de 2% da população

A China negou que mulheres paquistanesas estejam sendo traficadas para fins de prostituição, culpando a imprensa por "fabricar fatos e espalhar rumores".
Mas admitiu que houve um aumento substancial de noivas paquistanesas solicitando vistos chineses neste ano - 140 pedidos até o momento, número semelhante ao de 2018 inteiro. Um funcionário da embaixada chinesa na capital do Paquistão, Islamabad, disse à imprensa local que negou pelo menos 90 solicitações.

'Desequilíbrio de gênero'

Um aumento nos casos de suspeita de tráfico de noivas do Paquistão para a China ocorreu em meio a um fluxo sem precedentes de dezenas de milhares de cidadãos chineses para o país. A China está investindo bilhões de dólares no Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC), uma rede de portos, estradas, ferrovias e projetos de energia.
Os dois países são aliados próximos e uma política de facilitação de vistos para cidadãos chineses também encorajou empresários e profissionais não diretamente ligados ao CPEC a viajar ao Paquistão.
Estima-se que alguns deles realmente vão ao país em busca de uma noiva. Estudiosos dizem que o legado da política de um filho que existiu por décadas da China e a preferência social por meninos vem criando uma sociedade desequilibrada, onde milhões de homens são incapazes de encontrar esposas.
Durante anos, isso acabou alimentando o tráfico de noiva em vários países pobres da Ásia, incluindo Vietnã, Mianmar e Camboja - onde ativistas dizem que muitas mulheres recebem propostas de emprego na China, mas depois são vendidas como escravas sexuais.
Eles dizem acreditar que o acesso fácil dos chineses ao Paquistão pode ter criado um novo mercado para o tráfico de pessoas.

Chineses presos por enganarem mulheres paquistanesesDireito de imagemAFP
Image captionMais de 20 cidadãos chineses acusados de enganar mulheres paquistaneses foram presos

Investigações da FIA e entrevistas da BBC com ativistas e vítimas indicam que alguns clérigos paquistaneses vêm desempenhando um papel central nesse esquema. Eles identificam potenciais noivas locais e chancelam as credenciais religiosas dos pretendentes chineses.
Selada a união, os recém-casados passam a viver em vários bangalôs alugados por supostos traficantes em Lahore e em outras cidades. De lá, as mulheres são enviadas à China.

Ilusão

Sophia começou a se sentir desconfortável com o casamento antes mesmo de ele acontecer. Ela foi submetida a exames médicos antes do pedido formal e pressionada para que a união acontecesse imediatamente.
"Minha família se sentiu desconfortável com essa pressa, mas ele (intermediário) disse que os chineses pagariam por todas as despesas do casamento", diz ela. A família cedeu.

Faisalabad
Image captionSophia só conseguiu escapar com ajuda dos pais

Uma semana depois, ela passou a viver em uma casa em Lahore com vários outros recém-casados que aguardavam a autorização para sair do país. As mulheres paquistanesas passavam a maior parte do tempo aprendendo chinês.
Foi nesse momento que ela descobriu que o marido não era cristão, nem estava interessado em casar-se com ela. Eles mal podiam se comunicar devido à barreira da língua, mas ele repetidamente exigia sexo.
Sophia decidiu desistir da ideia depois de falar com uma amiga que havia se mudado para a China após casar-se com um chinês. Ela lhe confidenciou que estava sendo forçada a fazer sexo com os amigos do marido.
Mas quando Sophia contou ao intermediário sobre sua decisão, ele ficou furioso. O homem disse que seus pais teriam que pagar o custo do casamento, incluindo as taxas pagas a um pastor local por organizar sua viagem e realizar a cerimônia.
Seus pais se recusaram a pagar e viajaram para Lahore para resgatá-la. O intermediário acabou cedendo.

Operários chineses no PaquistãoDireito de imagemAFP
Image captionEmpresas chinesas vêm investindo bilhões de dólares no Paquistão - e milhares de trabalhadores chegaram ao país nos últimos anos

Embora recentes investigações policiais tenham chamado a atenção para o tráfico de meninas cristãs pobres, a BBC descobriu que as comunidades muçulmanas também são afetadas.
Uma mulher muçulmana de um bairro pobre de Lahore que se mudou para a China com seu marido em março disse que teve que suportar repetidos abusos físicos porque se recusou a dormir com "hóspedes bêbados".
"Minha família é bastante religiosa, então eles concordaram com o pedido de casamento porque ele partiu de um clérigo de nosso bairro", disse Meena (nome fictício).
"Mas, quando cheguei à China, descobri que meu marido não era muçulmano. Na verdade, ele não tinha religião. Chegou a zombar de mim enquanto rezava."
Quando se recusou a fazer sexo com outros homens a pedido dele, foi espancada e ameaçada.
"Ele disse que me comprou em dinheiro vivo e não tive escolha senão fazer o que me pediu para fazer. Se não acatasse as ordens dele, falou que me mataria e venderia meus órgãos para recuperar o dinheiro."

China nega venda de orgãos ou prostituição forçada

Meena foi resgatada no início de maio pelas autoridades chinesas a pedido de funcionários da embaixada do Paquistão que haviam sido alertados por sua família.
Um funcionário do alto escalão da FIA em Faisalabad, Jameel Ahmed Mayo, disse à BBC que mulheres consideradas "não suficientemente boas" para o comércio sexual correm risco de ser mortas para que seus órgãos sejam extraídos e vendidos.
A FIA não forneceu provas para corroborar essas alegações e Pequim negou firmemente que tais práticas estejam ocorrendo.
"Segundo investigações do Ministério de Segurança Pública da China, não há prostituição forçada ou venda de órgãos humanos de mulheres paquistanesas que permanecem na China depois do casamento com chineses", informou a embaixada chinesa em Islamabad em um comunicado.
Entretanto, reiterou que as investigações conjuntas com autoridades paquistanesas estavam em andamento, acrescentando: "Nunca permitiremos que alguns criminosos enfraqueçam a amizade entre a China e o Paquistão ou prejudiquem os sentimentos de amizade entre duas pessoas".
*Colaborou Mohammad Zubair Khan

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