O operário, gotejante de suor, caiu.
Utilizando-se da frase acima, nossa professora de português ainda no Ensino Fundamental, em mais uma aula de análise sintática, empenhava-se em explicar para a turma o conceito de complemento nominal (no caso, a expressão ‘de suor’ era complemento nominal do adjetivo gotejante).
Aos sessenta anos de idade, esta frase se manteve intacta e ressoa fortemente até hoje em minha memória, não sei se pela viva lição de gramática, se pela clareza da professora ou se pela imagem em minha mente do operário, prostrando-se ao chão no limite de suas forças, molhado de suor. Eu não sabia que ao longo de minha trajetória de vida me esperavam muitas tarefas/empreitadas que me deixariam assim, extenuada de suor... Gotejante de suor...
Suar a camisa, fazer esforço para conseguir o que se deseja, perseguir por anos a fio o seu objetivo (principalmente quando o que queremos não vem nem a curto nem a médio prazo), superar os próprios limites, ir mais além do possível... Quem está disposto a fazer isso? Certamente, não são muitas pessoas. Na maioria das vezes a lei do menor esforço prevalece. Poucos aceitam o desafio de seguir adiante e perseverar no esforço da conquista. Assim, é mais frequente agir de maneira passiva e aceitar a ‘ordem das coisas’ como se isto fosse um fato natural, acomodar-se à conduta de simplesmente assistir a vida passar. Não é comum haver um esforço manifesto de superação (em lugar disso, há uma lacuna e uma falta de). Vale salientar que a palavra esforço exige impostação de força, a qual se muito intensa, pode provocar dor e suor. Esforço também implica em disciplina, perseverança e empenho na busca de desempenhar da melhor maneira possível a tarefa, avizinhando-se o quanto der da perfeição.
Lembrando que a atividade excretora das glândulas sudoríparas ocorre quando você já se esforçou bastante. Já repetiu n vezes o mesmo exercício ou tentou diversas alternativas sem sucesso. É justamente a nossa insistência em alcançar o objetivo que nos faz suar a camisa.
Oferecer um ‘produto’ ao universo, qualquer que seja ele, exige muito esforço - seja ele físico ou mental, dedicação, muito tempo despendido e suor.
A conhecida expressão em inglês — no pain, no gain — nos diz exatamente isto.
No pain, no gain - sem dor não há ganho - é originalmente um termo usado na prática do halterofilismo, querendo dizer com isso que, sem fazer esforço a ponto de doer, a pessoa não ganhará o tão sonhado “corpo malhado”. O princípio, podendo ser aplicado aos demais esportes e à própria vida, acabou se popularizando. Por sua vez, o sentido figurado do substantivo pain pode ser interpretado como ‘sacrifício’, ‘esforço’, ‘empenho’, ‘dedicação’. O substantivo gain também pode ter um significado bastante amplo e pode abarcar todas as coisas boas que o indivíduo almeja para si; seria a tão sonhada recompensa.
A mensagem motivacional que a expressão transmite é que não há resultados sem o devido esforço para atingi-los.
Pensando que se por um lado, ‘esforço e suor’ podem ser um padrão e uma estratégia para a vida, não podemos nos esquecer jamais de nos permitir descansar e relaxar, pois este é o toque necessário do ‘diapasão’ e que na afinação do instrumento cuida para que a fina corda não se rompa. Devemos saber identificar quando estamos no limite de nossas forças e quando é preciso parar para se restaurar. Músculos retesados em excesso podem resultar em rotura de ligamentos e tendões.
No dia seguinte, refeitos, aí sim estamos prontos para prosseguir a jornada. Este é, na verdade, o teste da perseverança. Será que, tendo decorrido um lapso de tempo, aquele objetivo pelo qual lutávamos tão bravamente ainda se mantém nos arredores de nosso firmamento anímico? Na dança da vida, suar a camisa um dia só não é o bastante. É preciso fazê-lo muitas e muitas vezes. Só assim definimos nossos músculos e lapidamos nossas arestas psíquicas.
Praticar isso talvez atribua algum sentido àquela famosa pergunta: “A que viemos?” De que forma respondemos a essa pergunta em nossas ações cotidianas?
Devemos tingir o caminho pelo qual trilhamos - nosso universo - com as cores que nos tornam seres únicos e individuais, que se não for pela passagem meteórica, fará a diferença no cotidiano de muitos pela gota a gota vertida.
Psicóloga psicodramatista, atua no SOS Ação Mulher e Família desde o ano de 1984. Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Autora do livro “Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre Eros e Thanatos”.
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