Criado para enfrentar a opressão masculina nas quadras públicas de São Paulo, o Rachão Basquete Feminino reúne mais de 100 minas que querem bater bola e criar um novo pilar do feminismo
Todo último domingo do mês, mulheres de todas as idades se reúnem em quadras públicas em São Paulo para jogar basquete. Vestem a camisa – quase todas pretas e cor-de-rosa, que mandaram confeccionar com os dizeres Rachão Basquete Feminino no peito – e disputam animados jogos de 21, 3x3, 5x5 e mata-mata. Entre risadas, torcida acalorada, brincadeiras e conversas que ecoam, o placar não importa tanto quanto a troca de experiências que acontece ali – hoje com facilidade. Mas nem sempre foi assim.
Criado em 2014 pela paulistana Ellen Valias, 38 anos, o Rachão Basquete Feminino nasceu por causa da dificuldade que as minas encontravam de entrar nas quadras públicas da cidade. “Comecei a jogar na escola, aos 9 anos. Minha professora de educação física dizia que eu tinha talento, mas meus pais não incentivaram, então parei aos 17 para trabalhar. Logo virei mãe e ficou tudo mais complicado”, conta a fundadora do grupo. Um dia, durante um passeio com os três filhos, passou por uma quadra no Parque Villa Lobos e sentiu vontade de entrar, mas recuou porque percebeu a presença unânime de homens.
Criado em 2014 pela paulistana Ellen Valias, 38 anos, o Rachão Basquete Feminino nasceu por causa da dificuldade que as minas encontravam de entrar nas quadras públicas da cidade. “Comecei a jogar na escola, aos 9 anos. Minha professora de educação física dizia que eu tinha talento, mas meus pais não incentivaram, então parei aos 17 para trabalhar. Logo virei mãe e ficou tudo mais complicado”, conta a fundadora do grupo. Um dia, durante um passeio com os três filhos, passou por uma quadra no Parque Villa Lobos e sentiu vontade de entrar, mas recuou porque percebeu a presença unânime de homens.
Foi assim que teve a ideia de reunir mulheres para baterem uma bola. Convocou Roberta do Nascimento, Kethleen Rodrigues e Priscila Lourenço, com quem já tinha jogado antes em campeonatos amadores. “Como poucas mulheres continuam jogando depois da infância por falta de incentivo, a gente acaba sabendo quem permanece”, diz Roberta, 29 anos, que trabalha como educadora nos Centros de Educação Unificados (os CEUs) e MC em festas de rap.
A conquista pelo espaço não foi fácil. “No começo éramos menos de dez minas chegando em diferentes quadras de São Paulo, dominadas por homens. A gente falava que estava de próxima, mas eles não saiam, né”, conta Ellen, que começou a investida em grandes parques, como Villa Lobos e Ibirapuera, e no centro de São Paulo. Quando conseguiam, enfim, jogar, eles atiravam bolas dentro da quadra, xingavam, mandavam voltar para casa e lavar louça, e até ameaçavam chamar a polícia para retirá-las. “Dá raiva, mas temos que educar os homens, porque o machismo é uma construção social. Muitos deles nem sabem porque repetem um padrão opressor. Falamos com calma, explicamos o movimento e a necessidade de ter mulheres ocupando esse espaço”, conta Roberta.
Hoje, cinco anos depois, o Rachão reúne cerca de 160 mulheres em um grupo de WhatsApp e Facebook para combinar os encontros. “Costumávamos focar na região central, mas como temos integrantes que moram na periferia, começamos a ir até esses lugares também”, diz Roberta. “Agora a maioria dos caras já conhece e respeita o Rachão. Mas ainda tem um ou outro que quer arrumar confusão”, diz Ellen. “Como tudo na vida, apenas por sermos mulheres precisamos provar que sabemos fazer algo”, completa Roberta.
Nesse cenário, brotam inúmeras histórias de superação, como a da professora de educação física paulistana Aline Inocêncio, 27 anos, que nem sempre gostou de praticar esportes. “Eu era daquelas pessoas que ficam sentadas nas arquibancadas durante a aula de educação física. Meu pai me cobrava uma profissão para seguir e, como ele jogava basquete, me incentivou”, conta. Aline começou a treinar no final da adolescência. Foi graças ao esporte, aliás, que conseguiu uma bolsa na faculdade UniSant’anna, em Guarulhos, onde se formou. Durante os estudos, entretanto, um relacionamento abusivo a impediu de continuar frequentando as quadras. “Apesar de ter jogado profissionalmente, meu ex-namorado atrapalhou meu desenvolvimento; não me deixava sair de casa sozinha e não gostava que eu falasse com outros homens”, diz. Em 2015, foi levada por uma amiga para o Rachão. “Foi imediato: quando cheguei na quadra senti que não estava sozinha”, conta. De frequentadora assídua, virou uma das organizadoras e, assim, reuniu forças e colocou fim no namoro de três anos.
O basquete feminino no Brasil
Desde a década de 1960, quando foi fundada, a seleção brasileira feminina de basquete soma 60 medalhas, incluindo um ouro no Campeonato Mundial de 1994 e uma prata nas Olimpíadas de 1996. O último posto relevante foi o terceiro lugar nos Jogos Olímpicos de 2000, em Sidney, na Austrália. Depois disso, veio a decadência.
O basquete feminino no Brasil
Desde a década de 1960, quando foi fundada, a seleção brasileira feminina de basquete soma 60 medalhas, incluindo um ouro no Campeonato Mundial de 1994 e uma prata nas Olimpíadas de 1996. O último posto relevante foi o terceiro lugar nos Jogos Olímpicos de 2000, em Sidney, na Austrália. Depois disso, veio a decadência.
Com queda de mais de 50% de patrocínio desde então, o desempenho em quadra, claro, caiu. Os nomes nacionais que se destacam no esporte o fazem fora do Brasil e só conquistaram espaço depois de jogarem em times de colégios americanos e espanhóis, como a paulista Damiris Dantas do Amaral, pivô do Minnesota Lynx.
Em 2010, com o nascimento da primeira liga feminina do país, a LBF, patrocinada pela Caixa Econômica Federal e que realiza torneios com times de federações ao redor do Brasil, nasceu uma nova esperança. Ainda assim, nos Jogos Olímpicos de 2016, que aconteceram no Rio de Janeiro, o time teve o pior desempenho da história.
Agora, a seleção se prepara para disputar os próximos eventos, como os Jogos Pan-Americanos de 2019, em Lima, no Peru, que vão até o dia 10 deste mês, e os Jogos Olímpicos de 2020, que acontecem em Tóquio.
Em junho último, o Rachão Basquete Feminino apadrinhou a primeira versão brasileira do Bud Vibes. O evento, encabeçado pela Budweiser em parceria com a NBA, celebrou o basquete durante um dia de torneios com times inscritos e aconteceu no Parque Benemérito José Brás, na região leste de São Paulo. No final do ano passado, o coletivo participou integralmente do Nike Battle Force, liga nacional de basquete da Nike que evidencia o esporte e a cultura de rua. “Para a gente, foi uma honra, porque foi a primeira edição em que a categoria feminina foi tratada da mesma maneira que a masculina. Antes os caras tinham maior visibilidade. Levantamos muito essa bandeira”, diz Roberta.
Assim, a história de Aline se repete. “A ideia inicial era reunir mulheres para ocuparmos o espaço público e jogarmos basquete apenas. Mas muitas delas encontram força para curar depressão, sair de relacionamentos abusivos e ter mais autonomia”, afirma Ellen. Por isso, o Rachão virou mais que os jogos e passou a realizar também rodas de conversas sobre representatividade feminina, gordofobia e racismo, que acontecem nos Sescs, em São Paulo, aleatoriamente. “O Rachão é uma brincadeira, mas também mais um grupo de mulheres que nasceu organicamente para enfatizar nosso potencial. É como um grito coletivo: eu estou aqui. Nós estamos”, diz Aline.
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