Simone Weil radicalizou em si o que significavam as transformações do século XX. Nascida no primeiro decênio do século, em uma Paris pouco mais calma que nas décadas anteriores, mas no princípio da primeira grande crise mundial do novo sistema, seus pensamentos, jamais escritos por ela em livros, eram as angústias filosóficas, políticas e teológicas, coadunadas e progressivamente incorporadas em si. O mal-estar do mundo, mesmo que inevitável, fez com que a professora de Filosofia optasse pelo contato altruístico com quem sofria. Procurou inesgotavelmente o tensionamento que os totalitarismos, a serviço do capitalismo ou do comunismo, ofereciam, como forma de sensibilidade e de resposta radical às distopias que se instalavam.
A professora de Teologia da PUC-Rio, Maria Clara Bingemer ressalta a radicalidade e o pioneirismo de Simone em diversas questões: "É uma radical, ou seja, alguém que não faz nada sem ir até a raiz das coisas. Foi radicalmente intelectual; radicalmente ativista política; radicalmente militante; e radicalmente mística e apaixonada pelo Deus que experimentou e cuja intimidade lhe foi possibilitada". O "enraizamento" de Weil tem como ponto marcante a "desilusão" com o Partido Comunista Francês. Aos 35 anos, deixou a docência em Filosofia para conhecer "desde a raiz" a vida de operário, na fábrica de carros da Renault. Em texto biográfico de Weil, o jornalista Domingos de Abreu Miranda reproduz uma anotação em que a operária diz “Ali recebi a marca do escravo”.
A professora de Teologia da PUC-Rio, Maria Clara Bingemer ressalta a radicalidade e o pioneirismo de Simone em diversas questões: "É uma radical, ou seja, alguém que não faz nada sem ir até a raiz das coisas. Foi radicalmente intelectual; radicalmente ativista política; radicalmente militante; e radicalmente mística e apaixonada pelo Deus que experimentou e cuja intimidade lhe foi possibilitada". O "enraizamento" de Weil tem como ponto marcante a "desilusão" com o Partido Comunista Francês. Aos 35 anos, deixou a docência em Filosofia para conhecer "desde a raiz" a vida de operário, na fábrica de carros da Renault. Em texto biográfico de Weil, o jornalista Domingos de Abreu Miranda reproduz uma anotação em que a operária diz “Ali recebi a marca do escravo”.
Essa foi a primeira opção radical da filósofa. No entanto, Simone não parou, como relata Domingos: "Em 1936, participou de greves com ocupações de fábrica. Nesse mesmo ano, logo após um breve retorno à docência, participou da Guerra Civil Espanhola, ao lado dos republicanos. Atuou na Coluna Durruti, dos anarquistas, mas, por suas posições pacifistas, correu os riscos dos demais. No entanto, não pegou em armas, ajudou na cozinha e no tratamento dos feridos e doentes. Da guerra trouxe o sentimento de horror pela brutalidade e viu como a verdade e o bem são desprezados". Como destaca Bingemer, Weil reconheceu e viveu a "inserção entre os mais pobres, duas décadas antes dos padres operários na França e quatro décadas antes da Teologia da Libertação".
As transformações da vida de Simone entraram também no campo espiritual e religioso. Nascida de uma família judia, a filósofa, professora e operária, potencializa suas experiências místicas a partir da fé cristã e católica. Reconhece na sua condição de "escrava" a misericórdia divina, e afirma "o cristianismo é a religião dos escravos, os escravos não podem não aderir a ela, e eu entre eles". Anos mais tarde, ao visitar um mosteiro beneditino em Solesmes, na França, afirma ter vivido "a experiência profunda da Paixão de Cristo". Depois, recebe o seguinte poema de um jovem inglês católico:
Amor (George Herbert – XVII)
“O amor acolheu-me;
mas a minha alma recuou
culpada de pó e de pecado.
Porém, o Amor clarividente,
vendo-me hesitar
desde o primeiro instante,
aproximou-se de mim,
perguntando docemente
se qualquer coisa me faltava.
Um convidado, respondi,
digno de estar aqui.
O Amor disse: sê-lo-ás-tu.
Eu, o malvado, o ingrato?
Ah! Amado meu,
que não posso olhar-te.
O Amor tomou a minha mão
e respondeu sorrindo:
Quem fez estes olhos senão eu?
- É verdade, Senhor, mas sujei-os;
minha vergonha deve alcançar o que merece.
- E não sabes, disse o Amor,
quem sobre si tomou a culpa?
Meu amado, então para algo servirei.
- Senta-te, disse o Amor,
E prova das minhas iguarias.
Assim me sentei e comi.”
Após ler e recitar o poema diversas vezes, Simone relata ter sido "tomada por Cristo". Às vésperas da 2ª Guerra Mundial, inicia-se na mística cristã, com uma amizade profunda de padre Perrin, mas sem aceitar o batismo, pois sua conversão espiritual não mudou sua concepção filosófica do mundo. "Simone recusava conceber uma autoridade eclesial com o poder de definir a verdade, avocando a poucos a tarefa de exercitar a inteligência. Simone atribuía grande importância à liberdade da inteligência, que devia ser absoluta no seu campo e rigorosamente individual no seu método, talvez não pudesse aceitar que Deus escolhesse homens 'privilegiados' como tarefa de pensar por todos, formulando a verdade de modo dogmático. Da mesma forma, não podia suportar que Deus tivesse um povo eleito", relatam Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese.
Na raiz da sua vivência cristã estava a inter-religiosidade (décadas antes do Concílio Vaticano II, como recorda Bingemer), o diálogo respeitoso que imperava sobre a autonomia dos indivíduos. "Ela não tem reparos em dialogar desde sua experiência cristã com o hinduísmo e outras religiões orientais. E também em discutir com a religião que é a da sua cultura de origem, o judaísmo. Por tudo isso, é um ser radical e plural, que deve ser mais conhecido pelas novas gerações", explica Bingemer.
O mesmo sentido tinha a política para Simone. Não seriam os partidos, com seus líderes absolutos, que devem ser os protagonistas. Em escritos reunidos no livro Pela Supressão dos Partidos Políticos (no Brasil publicado pela editora Ayine, 2016), ela afirma contundentemente "Ao entrar para o partido, um homem aceita posições que desconhece. Assim, submete seu pensamento à autoridade do partido. Quando, paulatinamente, descobrir suas posições, ele as aceitará sem analisá-las detidamente", e assim se desenrola o fenômeno que conceitua de "paixão coletiva". Para ela, a supressão dos partidos é uma necessidade de salvação não apenas da disputa política, mas do mundo, pois tudo se tornara partido.
Vídeo de Maria Clara Bingemer sobre a vida de Simone Weil, enviado ao IHU
Ao despertar a guerra, foge com os seus pais para os Estados Unidos, mas logo depois volta à Europa para morar na Inglaterra. Novamente, opta pela radicalidade: a sua intenção de cruzar o Canal da Mancha para ficar junto aos seus compatriotas na zona ocupada pelos nazistas não se realiza. Portanto, fez a opção de se alimentar com uma porção de ração diária, tal qual o sofrimento dos judeus torturados e exterminados na Shoá. Enfraquecendo-se aos poucos, aos 34 anos é diagnosticada com tuberculose, e pouco antes de morrer, aceita, enfim, o batismo. "Morrerá, como Jesus, no mais absoluto despojamento, solidão e pobreza, ansiando por um martírio que nunca lhe chegou da maneira sonhada. Trata-se de alguém realmente configurado pela experiência mística cristã, que não é nada mais do que o seguimento radical de Jesus Cristo", conclui Bingemer.
A série Vozes que Desafiam. Mulheres na Igreja produzida pela equipe de Teologia Pública do Instituto Humanitas Unisinos tem como objetivo recuperar e visibilizar figuras de mulheres e contribuir no reconhecimento do lugar delas na vida da Igreja. Abaixo, compartilhamos cadernos, revistas, entrevistas, artigos e reportagens disponibilizados pelo Instituto Humanitas Unisinos que relatam a vida e a mística de Simone Weil.
Hannah Arendt e Simone Weil: Duas mulheres que marcaram a Filosofia e a Política do século XX. Cadernos IHU em Formação Nº 17
Apesar de não ter publicado nenhum livro em sua curta vida, esta professora, operária e filósofa francesa causou impacto nos maiores intelectuais do século passado. Albert Camus disse que ela era “o único grande espírito do nosso tempo". A escritora americana Susan Sontag afirmou que “qualquer coisa da pena de Simone Weil vale a pena ler". André Gide escreveu que ela foi "a maior escritora espiritual do século XX". O poeta e dramaturgo T.S. Eliot a chamou de gênio e santa.
Após sua experiência na guerra, Simone Weil retornou à França com a saúde abalada e voltou sua atenção para a religião. Durante uma viagem de repouso com a família à cidade portuguesa de Viana do Castelo, presenciou uma procissão de pescadores que mudou o seu modo de pensar. “Ali, de repente, tive a certeza de que o cristianismo é, por excelência, a religião dos escravos, que os escravos não podem deixar de aderir a ela, e eu entre eles”, escreveu a frágil francesa.
Filosofia, mística e espiritualidade. Simone Weil, cem anos. Revista IHU On-Line Nº 313
O centenário do nascimento de Simone Weil, escritora, operária e filósofa francesa, que morreu aos 34 anos de idade, enseja que a revista IHU On-Line retome, em parceria com o Centro de Teologia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – CTCH - PUC-Rio, a sua fascinante trajetória filosófica, mística e espiritual.
Especialistas nacionais e internacionais na filosofia weiliana contribuem nesta edição: Bartomeu Estelrich, filósofo e professor do Boston College, USA; Emmanuel Gabellieri, professor da Universidade Católica de Lyon, França; Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese, italianos, diretores da revista Perspectiva Persona; Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio; Fernando Rey Puente, filósofo e professor de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e Miguel Ângelo Guimarães Juliano, professor de Filosofia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, MG.
Simone Weil. Palavra Viva. Revista IHU On-Line Nº 84
André Comte-Sponville, filósofo francês, autor de livros como Pequeno tratado das grandes virtudes e um dos autores do prestigiado Dicionário de ética e de filosofia moral, editado pela Editora Unisinos, recentemente declarou que, para ele, os dois maiores pensadores do século XX foram Simone Weil e Ludvig Wittgenstein. Se Wittgenstein é conhecido e estudado no Brasil, quem conhece Simone Weil? Há pouco mais de 60 anos, na noite de 24 de agosto de 1943, morria, na mais completa solidão, em um sanatório de Ashford, Inglaterra, a filósofa francesa Simone Weil. Aos 34 anos, apagava-se uma vida que, apesar de curta, marcou a história e o pensamento do Ocidente do século XX. Celebrando a sua memória, essa edição da IHU On-Line debate o seu pensamento, a sua obra, a sua vida. Mulher livre, “sua principal contribuição para os nossos dias é essa capacidade única que ela tem de unir mística e ação, política e contemplação, compaixão e senso de justiça, experiência e práxis”, afirma a jornalista e teóloga Maria Clara Bingemer, professora da PUC-Rio, na entrevista aqui publicada. Maria Carpi, poeta, inspirou o título da capa: Simone Weil, palavra viva! O Prof. Dr. Fernando Eduardo de Barros Rey Puente, da UFMG e Emilia Maria Mendonça de Morais, professora da UFPE, nos ajudam a entender melhor a força e a vitalidade da obra de Simone Weil. Ela pode ser inspiradora para nós que apostamos na possibilidade e na viabilidade de uma universidade a serviço da sociedade brasileira neste século XXI.
Simone Weil: um pensamento que atinge a raiz das coisas. Entrevista especial com Maria Clara Bingemer
Em Simone Weil - A força e a fraqueza do amor (Rio de Janeiro: Rocco, 2007), Maria Clara Bingemer diz que se cruzaram dois amores de sua vida. O primeiro é a reflexão sobre a violência e o segundo, seu encanto pela figura de Simone Weil. Em entrevista concedida à IHU On-Line, ela descreve Simone como uma mulher radical, que “não faz nada sem ir até a raiz das coisas”. Ela foi “radicalmente intelectual; radicalmente ativista política; radicalmente militante e radicalmente mística e apaixonada pelo Deus que experimentou, cuja intimidade lhe foi possibilitada”.
Simone Weil. A vida em busca da verdade. Entrevista especial com Maria Clara Bingemer
Comungar com o sofrimento do outro era o desejo constante de Simone Weil. Ao vivenciar a realidade, ela ensina que só há uma maneira de lidar eticamente com o poder: transformá-lo em serviço, diz Maria Clara Bingemer.
“Comungar com o sofrimento do outro, e não apenas fazer teorias sobre ele; participar das aflições do outro, e não apenas dissertar sobre elas; mergulhar profundamente na dor do mundo até o ponto de fazê-la sua, não ficando longe dela e tratando-a assepticamente”. Na opinião de Maria Clara Bingemer, decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, essas são as marcas que caracterizam a mística de Simone Weil. Nascida e criada em uma família cristã, a filósofa francesa sempre viveu de modo cristão, embora, segundo Maria Clara Bingemer, “não se servia das noções ou dos conceitos cristãos em termos teóricos”. Fiel a sua forma mentis e decidida a nunca buscar a Deus, “ela acreditava firmemente que não se pode atingi-Lo aqui embaixo, na Terra, pelo pensamento e pela razão. Nunca O buscou a fim de não se iludir pensando em tê-Lo encontrado e assim expressá-Lo falsamente”, menciona.
A busca da verdade pautada pela mística. Entrevista especial com Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese
Na opinião de Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese, o pensamento de Simone Weil foi constituído de traços existentes entre filosofia, teologia e a fenomenologia do vivido.
“Simone chegou à mística pela via da busca da verdade. Não desenvolveu seu pensamento após o encontro com Deus”, dizem Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese, diretores da revista Perspectiva Persona, da Itália. Cem anos após o nascimento de Simone Weil e pouco mais de 60 anos de sua morte, a obra da filósofa francesa é revisitada e, segundo os entrevistados, “os estudos dedicados aos cátaros, ao hinduísmo, à gnose, às religiões pré-cristãs estão a demonstrar a importância do pensamento de Simone Weil para um diálogo entre as religiões baseado, acima de tudo, sobre as intuições dos respectivos místicos”.
Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, eles destacam a questão da estética na filosofia de Simone Weil e afirmam que a filósofa “antecipou os tempos, atribuindo ao ‘belo’ um caráter sacramental como via e mediação do céu”. Sobre essa perspectiva, Giulia Paola di Nicola e Attilio Danese assinalam que a “teologia contemporânea reclama uma estética filosófica para poder continuar a falar de Deus numa fase pós-metafísica. As condições do ato de fé são mais importantes do que os conteúdos da fé”. Eles comentam ainda a relação de Simone Weil com o ritual do batismo e narram alguns motivos que provavelmente a fizeram esperar por este sacramento até o momento de sua morte.
Giulia Paola Di Nicola ensina Sociologia em várias universidades italianas e é professora visitante em universidades do Canadá, Bélgica, Alemanha e Brasil.
Attilio Danese é professor de filosofia em universidades italianas.
70 anos da morte de Simone Weil: a obrigação de limitar o mal. Artigo de Mailer Mattié
A que se referia, na realidade, Simone Weil? O que era aquilo que impedia os seus contemporâneos de compreender suas propostas?
Com grande probabilidade, é possível que aludisse a dois dos traços que caracterizam a existência humana na sociedade moderna: ignorar a experiência histórica que constitui o passado e aceitar a distorção do conhecimento que acreditamos ter sobre a realidade. O passado, com efeito, foi apagado pelo progresso, arrasado pelo desenvolvimento do Estado e pela economia, destruído pela industrialização. As ideologias e o pensamento acadêmico, por outro lado, sequestraram a verdade ao inscrevê-la nos dogmas herdados do século XIX.
Mailer Mattié é economista e escritora.
Simone Weil a "vermelha": a defesa dos pobres, a vocação mística
"A virgem vermelha" era como chamavam Simone Weil nos tempos em que (uma das primeiras mulheres a serem admitidas) estudava em Paris, na École Normale Supérieure. Uma definição que fazia algum sentido, mas não era certamente suficiente para descrevê-la. Definida habitualmente filósofa, o que com certeza o era, profissionalmente. Mas vê-la somente através deste prisma significaria esquecer dos aspectos de seu caráter e do seu pensamento que, depois da morte, a tornaram um ícone.
O comentário é de Eva Cantarella, professora de Direito na Universidade de Milão.
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