Fala-se muito em direito à cidade, especialmente após os movimentos occupy ocorridos na Europa, Estados Unidos em 2011/2012 e Brasil, a partir das jornadas de junho de 2013. Não que o termo seja novo, ao contrário, por aqui veio na onda da abertura democrática com movimentos por moradia, especialmente os organizados no Fórum de Reforma Urbana. Dali vieram frutos, como o Estatuto das Cidades, aprovado em 2001, além da criação, em 2003, do Ministério das Cidades, extinto desde a posse do atual governo.
Mesmo debatido há tempos e alvo de inúmeros artigos e teses acadêmicas, o tema ainda não é assimilado nos planejamentos de políticas, nas distribuições orçamentárias e, principalmente, culturalmente, pois as desigualdades e distanciamentos entre centro e periferia só aumentam. Quanto maiores as cidades, pior a situação.
Mesmo debatido há tempos e alvo de inúmeros artigos e teses acadêmicas, o tema ainda não é assimilado nos planejamentos de políticas, nas distribuições orçamentárias e, principalmente, culturalmente, pois as desigualdades e distanciamentos entre centro e periferia só aumentam. Quanto maiores as cidades, pior a situação.
Ponto relevante com relação ao planejamento é a desintegração entre as políticas, mesmo aquelas que precisam andar juntas, como habitação e mobilidade. Não se conectam, não por acaso, mas por perversidade do sistema capitalista que amplia propositalmente os fossos das desigualdades. Os equipamentos públicos estão diretamente ligados à parte da população com maior renda, incluso a política de segurança, que é pensada para afastar centro e periferia, garantindo a paz dos ricos e o inferno dos pobres cada vez mais pretos. O transporte, que é um direito social, amplia desigualdades por ser caro, escasso e de má qualidade.
Mobilidade e gênero
As escolhas afetam especialmente aquelas que já não se sentem seguras, por viverem em um mundo machista, misógino, violento, que as objetificam até hoje, ou seja, as mulheres, e com maior virulência, as mulheres negras. As cidades são territórios inóspitos a elas, que caminham apressadas, ameaçadas que estão nas ruas sombrias – é fácil perceber que a iluminação existente é voltada para os carros, nas vias, não para as calçadas onde as (os) pedestres circulam−, nos pontos de ônibus em locais ermos, onde passarão muito tempo à espera do transporte de péssima qualidade, dentro do qual ainda podem ser assediadas.
Parece uma ladainha repetida? Recentemente uma jovem mulher foi vítima de feminicídio ao utilizar um transporte pirata e ser violentada e morta pelo condutor, sobre o qual recaíram outros casos semelhantes que estavam sem solução. Situações como esta deveriam minimamente obrigar os gestores a reverem suas políticas, mas eles ignoram os acontecidos, não se manifestam, especialmente por se dar na periferia.
Este caso específico aconteceu em Brasília, onde o transporte coletivo é de péssima qualidade, caro, sem transparência na composição da tarifa, pois além do que paga a usuária, há um enorme subsídio governamental para as empresas, que não apresentam demonstrativos de composição da tarifa. A escassez de oferta em áreas mais distantes faz com que as pessoas se utilizem dessa forma de deslocamento, a pirata, abrindo mão da pouca segurança vivenciada no transporte coletivo, apesar dos assédios, e se aventurando em terreno desconhecido, sujeitas a todo tipo de violência, chegando ao feminicídio.
Um sem número de mulheres circula diariamente pelas cidades para ir ao trabalho, levar filhos à escola, fazer compras para a casa. E boa parte circula de transporte coletivo, complementado com caminhadas entre paradas de ônibus e estações de metrô e as escolas, casas e trabalhos.
São elas que mais caminham pela cidade, por fazerem maior número de deslocamentos ao se ocuparem dos filhos e da casa praticamente sozinhas. Em tese recente da UnB sobre medo das mulheres em caminhar pela cidade, 80% das mulheres pesquisadas manifestou grau significativo de medo, em Brasília. Fala-se muito da falta de iluminação, novamente a questão de se ter ruas iluminadas e calçadas escuras.
Mas quem planeja as cidades? Em geral homens, brancos, que circulam de carro por ela e não as vivenciam. O que seria uma cidade planejada por quem de fato a vivencia? Incluindo mulheres, que são aquelas que mais fazem viagens cotidianas e sentem-se desconfortáveis por serem vítimas de uma sociedade machista, misógina, racista? Deveríamos perceber que existem direitos na cidade, tais como moradia, transporte, saúde, educação etc e direito à cidade que seria a possibilidade de transformá-la, na contramão de esquemas tais como Centro/Cidades Satélites, que reproduzem as desigualdades seculares e colonizadoras.
No entanto, parece uma possibilidade distante, se considerarmos a proposta de Plano Plurianual enviada pelo atual governo ao Congresso Nacional, que coloca na dimensão econômica as políticas de moradia e mobilidade urbana, afundando-as, ainda mais, na lógica capitalista, que reforça todos os ismos, machismos, racismos etc. Até porque, a relação estabelecida para com as mulheres contribuiu e muito para cimentar e consolidar o mundo desumano que vivenciamos, cada vez mais lucrativo para os que concentram renda, que são masculinos e brancos.
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