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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Filme sobre presas durante ditadura dá lição de solidariedade feminina


Nina Lemos
20/09/2019
As mulheres reunidas falam sobre o período em que ficaram presas, no filme (Divulgação)

"Torre das Donzelas". Esse era o apelido da ala feminina do presídio Tiradentes onde ficavam mulheres presas políticas. O presídio é famoso na história do Brasil por abrigar presos da ditadura militar entre o fim da década de 60 e o inicio da década de 70. A ex  presa mais famosa do local é a ex presidente Dilma Rousseff, que ficou ali por três anos quando tinha seus 20 e poucos anos.

As garotas da "Torre",  na época, eram mulheres jovens, muitas delas com filhos pequenos. Algumas grávidas. A jornalista Rose Nogueira, por exemplo, foi presa quando seu filho tinha um mês, por isso, tomou injeções para parar de ter leite. As mulheres chegavam ali depois de sofrer bárbaras torturas, machucadas. Entre as presas, havia também mulheres grávidas.
O filme "Torre das Donzelas", da diretora Susanna Lira conta essa história de maneira emocionante. Ela reúne depoimentos de mais de 20 presas, Dilma incluída. Em meio a lembranças e emoção, elas, que hoje são senhoras, não só contam a rotina que viviam no presídio, como visitam a "torre". Sim, o prédio foi demolido em 1971, mas Suzana e equipe do filme, baseada nos depoimentos  das presas, remontaram a Torre. As presas, hoje senhoras, visitam o cativeiro.
A maioria delas não esconde as lágrimas ao chegar no lugar. "É muita emoção, era aqui, eu morei aqui por 17 meses", diz Dulce Maia, uma das presas políticas que mais foram torturadas na história do Brasil, falecida em 2017.
O presídio era o local onde as mulheres iam depois de serem torturadas. "A Oban  (Operação Bandeirantes) era o inferno. Você ia para o DOPS, diziam que ali era o purgatório. E o céu era o presídio Tiradentes.", diz Dilma Rousseff no filme. Isso porque, no presídio, as mulheres estavam (na maioria dos casos) livres da tortura, já tinham sido fichadas. Elas não sabiam quanto tempo ficariam ali. Dilma, por exemplo, ficou por três anos. Ao entrar, ela conta no filme, que a primeira coisa que viu ao entrar no presídio foi Dulce Maia, então muito magra, depois de muitas torturas. "As celas de presas comuns pareciam jaulas". Na Torre, ficavam as "terroristas", como eram chamadas.
No filme, enquanto olham o cenário, as senhoras, que continuam amigas, até hoje começam a lembrar de todos os detalhes que viveram ali,  cerca de 50 anos atrás.  "Esse foi o maior investimento que fizemos no filme. Não queria ter só depoimentos. Nos inspiramos em "DogVille" para fazer o cenário. Não sabíamos se íamos dar certo. Eu estava do lado de fora, quando a Dulce entrou. Quando ela começou a chorar, vi que tinha dado certo", diz a diretora.
Para sobreviver (com o mínimo trauma possível) elas inventaram de tudo. E essas histórias são contadas no filme.  Uma vez, por exemplo, uma presa rica recebe uma mala. Elas ficam decepcionadas ao abrir que dentro da mala estavam vestidos de noite. "Para que vestidos de noite iam servir em um presídio? Que coisa ridícula?" elas dizem. Pois decidem colocar os vestidos, e encenar um desfile de moda.
Aprenderam, também, a cozinhar, já que a comida que chegava para elas era intragável. Por isso, com o que as famílias traziam, passaram a fazer a própria comida. Se separavam em duplas para as tarefas: bordavam, liam, declamavam poesia. Não era tudo perfeito, claro. Era uma prisão. E de vez em quando uma delas saía para ser torturada. Mas, ali, continuar viva (e ter alegrias) era também resistência. 
Os bordados que elas produziam, vendiam para ajudar outras presas a comprar comida ou pagar advogados.  
"O que aprendi fazendo o filme, mais do que nunca, foi a real noção da sororidade", diz Susanna. São mulheres que sobreviveram porque se ajudaram, porque foram solidárias, porque cuidaram uma das outras", diz a diretora. 
"Elas me ensinam muitas coisas. A minha geração por exemplo, julga muito outras mulheres. Lembro de, quando mais nova, falar que outra mulher era uma galinha, uma piranha. Elas são pessoas que nunca fizeram isso, que sempre respeitavam uma as outras. Sempre acolheram."

Sororidade antes de ser modinha

Ela acha que podemos tirar várias lições do filme, como aprender que, em um momento histórico difícil como o que vivemos, devemos ser solidárias e nos juntar, cuidar uma delas.
A coragem das mulheres ajudou também Suzana a não ter medo de colocar o filme em cartaz, mesmo com risco de ameaças. "Elas são mulheres tão corajosas que seria até ridículo ter medo de lançar um filme, diz Suzana.
"Depois de fazer esse filme passei a entender até porque tantos movimentos tentam calar as mulheres. É porque somos muito fortes. Vejam essas mulheres. Elas, nessa situação, passaram a dar aulas uma para as outras, cozinhar, fazer arte e até se divertir. É muito poder", diz.
Apesar do filme contar um momento triste da nossa história, Suzana acredita que ele pode nos animar. 
"Acho que o filme acaba sendo otimista. Elas nos mostram que é preciso manter o humor, que a arte pode salvar. Elas mostram que, mesmo nas piores situações, é possível continuar a lutar e tentar ser minimamente feliz", diz.
"A Torre é uma experiência política. É a prova de que mesmo em uma situação terrível e de repressão você pode construir. Aprendi várias coisas na Torre, por exemplo, de que mesmo quando a gente é frágil, a gente pode resistir." 
A Torre entrou em cartaz na quarta (18) em grande circuito no Brasil. Vejam. Ali está uma parte fundamental da história. E muitas, muitas lições. Por exemplo, as mulheres da torre são amigas e se consideram irmãs até hoje. São quarenta anos de amizade. Quem vai dizer que isso não é conseguir vencer?

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