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sábado, 15 de agosto de 2020

Como explicar para crianças a violência contra a mulher e evitar futuras vítimas e agressores

Especialistas dão dicas de como abordar o assunto. Lei Maria da Penha completa 14 anos de existência nesta sexta-feira (7).

Por Fabiana Figueiredo, G1 AP — Macapá
07/08/2020

Se violência contra a mulher é um assunto delicado entre adultos, é muito mais para crianças e adolescentes. Nesta sexta-feira (7), nos 14 anos da vigência da Lei Maria da Penha, especialistas convidadas pelo G1 orientam como explicar ao público infantil essa realidade e, assim, evitar que surjam novos agressores e, consequentemente, vítimas.

Você é um exemplo

Silvia Mendonça é pedagoga, mestre em psicologia educacional e coach infantil e, para ela, os adultos devem fazer uma análise do ambiente onde essa criança está inserida.
“É necessário prestar atenção no contexto. Eu, como pai, mãe, pratico uma educação não violenta? Como eu educo ele? É preciso ser exemplo. Se você já deu algumas palmadas, mas tem consciência que isso não educa e não quer mais fazer isso, tem como mudar esse comportamento. Passe a praticar novos hábitos; vale assumir que não é perfeito e que está aprendendo também”, explicou.
Ela ressalta que a criança absorve o que vive e, nessa condição de criação violenta (seja com castigos físicos e/ou com ofensas), ela pode reagir de diferentes maneiras.
“Se ela é uma criança que revida, ela vai ficar com raiva e bater em outras crianças. Se ela for quieta, recolhida, ela vai ficar calada, se isolar, fica triste. As consequências da violência são inúmeras, como a baixa autoestima, dificuldade para estabelecer vínculos; porque se a mãe que me ama e também me bate, quem mais vai gostar de mim?”, recordou, questionando se o amor gera dor física.
Silvia Mendonça, pedagoga, mestre em psicologia educacional e coach infantil, dá dicas sobre o assunto para esse público — Foto: Silvia Mendonça/Arquivo Pessoal
Silvia Mendonça, pedagoga, mestre em psicologia educacional e coach infantil, dá dicas sobre o assunto para esse público — Foto: Silvia Mendonça/Arquivo Pessoal
“Por que a criança bate? Não ensinaram ela a conversar, dialogar, sempre deixa pra lá. Há pais que dizem que o filho precisa resolver e se voltar chorando pra casa, apanha em casa também. A gente precisa dar conta desse papel de responsável, de educar”, acrescentou Silvia.
Psicóloga jurídica do Departamento de Medicina Legal da Polícia Técnico-Científica (Politec) do Amapá, Denise Morelli atende diversos perfis de pessoas, entre elas vítimas de violência sexual (crianças, adolescentes e adultas). Ela complementa que os pais são como espelho para os filhos, por isso precisam alinhar os ensinamentos à prática em comunidade.
“Mesmo que você diferencie o que é certo e errado, o comportamento dos pais é levado em consideração. É preciso se policiar em comentários, na própria prática; a criança vai guardando esses hábitos e com isso monta uma forma de ser, monta a personalidade, monta o caráter”, descreveu.

Momento certo?

A psicóloga jurídica acredita que, quando a criança é exposta a casos de agressões contra mulheres e até de mortes, seja por noticiários, comentários ou presencialmente, é uma oportunidade de falar e esclarecer sobre o assunto.
“A criança vítima de violência não tem consciência de que essa realidade não é a normal e que precisa ser protegida. Ela tem percepção de que a vida é assim mesmo. Já a criança que tem um lar tranquilo pode não ter a percepção de que outras crianças podem sofrer violência. Então em todas as condições, acho que uma oportunidade de se falar de violência é quando um caso é noticiado pela TV, pela internet; é preciso dizer para ela que aquilo está errado. Na hora que acontece, é o melhor momento”, justificou.
Denise ressaltou ainda que é necessário abordar o assunto com cautela e antes que a criança possa aprender com outra pessoa de maneira equivocada.
“É com carinho e não com terrorismo. Alguns pais querem manter os filhos distantes dessa realidade e fazer até um terrorismo; já recebi criança dizendo que tem medo de fazer coisa errada senão a mãe vai levar para a polícia. O contexto do que a gente fala cria uma realidade para a criança que às vezes não é verdadeira”, comentou, explicando que essa realidade pode impedir até do filho denunciar algum crime.
No entanto, a psicóloga destaca que é necessário adaptar o ensinamento à faixa etária do filho.
“A criança tem dificuldade para entender os atos de violência. Por isso, tem que usar uma linguagem adequada; por exemplo, quando é um caso de violência sexual, a frase ‘isso não é coisa de criança’ deve ser usada. O tamanho da verdade também depende do tamanho da pessoa, vai depender do que ela pode entender e suportar”, completou Denise.

Como ensinar?

A coach infantil Silvia acredita que a partir dos 7 anos as crianças já têm uma noção de que há uma diversidade entre gêneros e também do que é violência; por isso, para ela, esse é um bom momento para abordar o assunto.
“Procure conversar com a criança; não use de castigos. As crianças sabem que há diferença entre menino e menina; ela vê brincadeiras diferentes, em sua maioria; os pais podem mostrar quem é a mulher hoje, que ela não é só criada para cuidar da casa, dos filhos. É necessário falar que não há uma disputa entre homem e mulher, mas que o ser humano tem direitos, desejos, sonhos. A forma como os pais educam ficam nas entranhas do futuro adulto”, descreveu Silvia.
Complementando o diálogo, a coach infantil indica usar músicas com conteúdos que ensinem e empoderem a criança. O uso de produções artísticas também é uma opção apresentada pela psicóloga Denise.
“A arte em geral facilita o acesso às emoções, sentimentos. Dá, sim, para brincar com o teatro, com o cinema, com livro, com a música. Até com aquelas músicas que fazem apologia à violência; se a criança está ouvindo isso, aproveita para diferenciar o certo do errado, o bom do ruim. Apresentar essa diferença é possível desde pequenininho, claro, adaptando à percepção dele”, citou.
Silvia salienta que, além de aprender a reconhecer a violência, a criança precisa ser ensinada a denunciar os crimes; assim como quem observa também pode buscar ajuda externa para ajudar as vítimas.
“A lei dá um amparo para a mulher, para a família. Com a pandemia, as famílias estão muito mais fechadas. Quando o agressor bate na mãe, bate no filho também. É bem delicado, mas é necessário se incomodar e denunciar. Às vezes, a mulher tenta aguentar porque o homem é quem coloca dinheiro em casa. Denunciar é uma causa nobre, que pode salvar uma vida”, enfatizou.
“Quem tem filho precisa dizer que o outro merece o amor e o respeito. Não é porque é mulher, que é homem, que merece menos”, pontuou a coach.

A lei nº 11.340

Ela tornou crime a violência doméstica e familiar contra a mulher em 7 de agosto de 2006. O nome é uma homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.
A 11.340/06 tem mais de 40 artigos que asseguram punições contra qualquer caso de violência doméstica e na família diante de uma mulher, independente do parentesco e sexo. O agressor pode ser padrasto ou madrasta, sogro ou sogra, cunhado ou cunhada, entre outros.
Além das agressões físicas, a violência pode ser:
  • psicológica, como o isolamento da mulher, o constrangimento, a vigilância constante e o insulto;
  • sexual, como manter uma relação sexual não desejada por meio da força, forçar o casamento ou impedir que a mulher use de métodos contraceptivos;
  • patrimonial, com a destruição ou subtração dos seus bens, recursos econômicos ou documentos pessoais da vítima;
  • e/ou moral, qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

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