Filmados em diferentes lugares do mundo, músicos de alto calibre formam uníssono sob direção de Alondra de la Parra. Projeto feito em parceria com a DW busca arrecadar doações para ajudar crianças e mulheres no México.
- 26.08.2020
- Rick Fulker
Durante a pandemia do coronavírus, aumentaram enormemente as apresentações musicais na internet. Cada vez mais, transmissões ao vivo ou sob demanda mostravam "concertos fantasmas", sem nenhum público, ou performances com "distanciamento social", em que músicos e plateia eram posicionados em pontos bastante afastados de uma sala.
Embora essas produções tenham enriquecido a vida de muitos amantes da música e levado seus conhecimentos digitais a um nível mais elevado, muitas vezes elas dão os ares de uma solução de emergência, como se fossem um substituto temporário para performances reais que ocorrerão quando as coisas voltarem ao normal.
Mas não para a maestrina Alondra de la Parra, que teve uma ideia diferente: uma produção musical que só poderia acontecer na situação concreta da pandemia. "Eu simplesmente não aguentava mais assistir a streaming de vídeos", diz ela ao explicar sua motivação. "Tem que parecer profissional."
O resultado irradia espontaneidade, humor e uma arte apaixonada. A produção da Orquestra Impossível (The Impossible Orchestra), da qual a DW é parceira, é um vídeo de dez minutos de uma interpretação virtual de uma peça do repertório clássico mexicano Danzón No. 2, do compositor Arturo Márquez. De la Parra já executou a obra inúmeras vezes, a qual chama de "minha amiga constante desde o início da minha carreira".
Para o projeto, ela reuniu vários músicos famosos. Entre eles, estão o tenor mexicano Rolando Villazón como percussionista, o contrabaixista Edicson Ruiz, os violinistas Maxim Vengerov, Guy Braunstein, os violoncelistas Alisa Weilerstein, Nicolas Altstaedt e Jan Vogler, o oboísta Albrecht Mayer, o percussionista Christoph Sietzen e a trompetista Sarah Willis – uma formação que, de outra forma, jamais teria se concretizado.
No mundo de antes de 2020, as agendas destes músicos estariam cheias com anos de antecedência. Mas ao contatá-los no ano da pandemia, Alondra de la Parra vivenciou algo extraordinário. "De repente, todos tinham tempo. Todos atenderam, todos disseram 'sim'. Eles não tinham apenas tempo disponível; eles se entregaram completamente à ideia. Porque todos estão vendo como o mundo sofre com esta pandemia, e de diferentes maneiras."
O resultado desta ideia é um vídeo de dez minutos, além de um making of com a mesma duração. Em vez de apenas ilustrar um áudio já existente, som e imagens foram criados simultaneamente: "Nunca tínhamos feito isso antes", explica o diretor da DW, Christian Berger.
Mas como isso foi feito? Gravações individuais de um a três músicos, cada uma delas feita várias vezes e em locais tão diversos como Paris e Nova York, Los Angeles, Berlim e Valência. Seguiram-se quatro meses de pós-produção, durante os quais o material foi mixado sob a supervisão da própria Alondra de la Parra. "No filme, ela não é uma maestrina no sentido convencional", disse Christian Berger. "Ela também é diretora musical e produtora, arrecadando dinheiro de patrocinadores, sem o qual nada disso teria sido possível".
"Acho que passei umas cem horas com os engenheiros de som. Dormi no sofá deles", relembra de la Parra. "Também fiz muitas outras coisas. Mas basicamente, fiz o mesmo trabalho de sempre. Só não agitei meus braços numa sala vazia. Isso teria sido ridículo, de qualquer forma."
Sentada ao piano – um lugar incomum para uma maestrina –, a própria de la Parra é um dos motivos visuais do videoclipe. Outro é a bailarina mexicana Elisa Carrillo Cabrera, da Escola Estatal de Balé de Berlim (SBB), que dança uma coreografia do britânico Christopher Wheeldon. "Se a música fosse um ser humano, seria Elisa", diz de la Parra.
Segredo está na mistura
O trabalho de um maestro consiste em reunir músicos e, a partir de muitos indivíduos, forjar uma unidade. Para isso, pode se valer das seguintes ferramentas: bastão, gestos e expressões faciais. Mas como que esse conjunto amplamente disperso no mundo, tanto espacial quanto temporalmente afastado, foi colocado musicalmente sob o mesmo teto?
Primeiramente foi gravada uma faixa, na qual a bateria, o contrabaixo e o piano definiram o ritmo para as gravações individuais posteriores. Já logo neste momento inicial, de la Parra, para quem o elemento humano era essencial, fez sentir sua presença, supervisionando as gravações. "A música é flexível. É humana. E não é perfeita. Ela se movimenta e repousa. Ela empurra para frente, respira. Tem a ver com a conexão humana."
A maestrina também esteve presente pessoalmente nas gravações individuais de cerca de 30 músicos. Estas ocorreram em pequenas salas, com paredes cobertas com tecidos por causa da acústica, sob forte iluminação, muitas vezes em altas temperaturas e uma umidade sufocante. Isso não era apenas desconfortável para os músicos, mas também provocava problemas de entonação nos instrumentos. Cada músico, portanto, foi filmado várias vezes.
"Uma quantidade inacreditável de material foi produzida, em som e imagem, e teve que ser editada antes de tudo", conta Berger. A mixagem ideal também foi tarefa de dois engenheiros de som, um em Nova York e o outro em Berlim.
As gravações foram feitas nos respectivos locais contra um fundo preto. Isso possibilitou criar efeitos especiais e incorporar gravações em tela dividida ou efeitos cômicos, como mostrar determinados músicos tocando os instrumentos "errados".
Produção por uma boa causa
O clipe bem-humorado tem um objetivo maior: arrecadar doações para duas organizações sem fins lucrativos. Além de Save the Children, os recursos serão repassados para a Fondo Semillas, fundação cujo objetivo é apoiar as mulheres na terra natal de Alondra de la Parra.
"Durante esta pandemia, mulheres e crianças no México são particularmente afetadas. Elas são vítimas de violência, violência doméstica e pobreza", explica de la Parra. "Onze mulheres são mortas a cada dia no México, e o número aumentou durante a pandemia. Tais situações são absolutamente insuportáveis para muitas delas. Isso não pode continuar."
Para oferecer esperança, a maestrina coloca sua arte a serviço da causa. "Precisamos nos envolver nos problemas do mundo e ajudar a resolvê-los. Não devemos simplesmente ocupar um belo recanto da humanidade, mas também servi-la ativamente".
O projeto provou que as adversidades não devem prejudicar a criatividade. "Quando as pessoas lutam, quando são sacudidas em sua zona de conforto, surge a criatividade", diz de la Parra. "Cada etapa deste projeto foi um desafio. Nada foi linear ou de forma direta. Mas, apesar de todas as dificuldades, nenhuma veio das pessoas envolvidas. Nenhuma."
E será que Alondra de le Parra faria isso de novo? "Não acho que tenha sido uma tarefa tão gigantesca. Acho que teve um valor único. Ela simplesmente representa o momento atual."
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