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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Obrigar síndico a denunciar violência doméstica pode ter 'efeito reverso', dizem especialistas

Além da obrigação de reportar ocorrências às autoridades, projeto de lei já aprovado pelo Senado prevê multa e aumento da pena caso haja omissão de socorro.

By Andréa Martinelli
15/08/2020

Está para ser votado na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2.510/2020, que propõe obrigar o síndico e moradores a denunciarem casos de violência doméstica em condomínios. De autoria do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), a proposta, que já foi aprovada pelo Senado, prevê multa e aumento da pena caso haja omissão de socorro à vítima. 

A discussão acontece no contexto do isolamento social - em que especialistas alertaram para o aumento de casos de violência contra a mulher - e divide opiniões de especialistas ouvidos pelo HuffPost. Ao mesmo tempo em que o projeto é visto com conotação positiva de responsabilização, é possível que ele tenha apenas “efeitos simbólicos” e, em outros casos, comprometa o sigilo da denúncia e aumente a vulnerabilidade da vítima.
Na avaliação da promotora de Justiça do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) Fabíola Sucasas, o projeto é aliado no enfrentamento da violência, já que há 14 anos, a Lei Maria da Penha “descortinou” que esses casos não devem ser tolerados e todos devem se envolver.
“Não podemos nos omitir diante de nenhuma forma de violência e tampouco menosprezar qualquer grito ou xingamento que acontece na casa do vizinho contra sua companheira. Aquele grito pode ser o prenúncio de uma tragédia.”
De acordo com o estudo mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado no fim de julho, à medida em que a quarentena avançava, os registros policiais de lesão corporal dolosa relacionados à violência doméstica caíram significativamente (27,2%), o que sugere que as vítimas não estão conseguindo pedir ajuda, por estarem lado a lado com o agressor. 
Medidas protetivas também diminuíram exponencialmente em todos os estados analisados. Em contrapartida, o número de mulheres assassinadas aumentou: foram 2,2% de feminicídios a mais do que no mesmo período do ano passado, passando de 185 para 189 mulheres assassinadas.
O estudo foi feito entre março e maio de 2020, com base em registros de ocorrência de 12 estados brasileiros enviados aos pesquisadores.
“Acredito que o PL estabeleça responsabilidades mais incisivas e cria fluxos mais claros no âmbito da violência doméstica e do abuso da convivência entre vizinhos”, diz a promotora, que destaca os efeitos da conscientização das pessoas sobre o tema. “É capaz de provocar a conscientização de todo o arcabouço cultural e histórico brasileiro que coloca o país em altos índices de feminicídios. Não só enquanto vizinhos não queremos ver corpos de mulheres sendo jogados das sacadas, queremos sim é viver livres de violência.”

O que diz o projeto e quais são as críticas de especialistas

Número de mulheres assassinadas aumentou na pandemia. O índice de feminicídios cresceu...
OLHA KHORIMARKO VIA GETTY IMAGES
Número de mulheres assassinadas aumentou na pandemia. O índice de feminicídios cresceu 2,2% entre março e maio deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado.
O texto já aprovado pelo Senado modifica o Estatuto dos Condomínios (Lei 4.591, de 1964) e o Código Civil (Lei 10.406, de 2002) para punir quem omitir socorro a vítimas de violência doméstica e familiar em condomínios, tanto residenciais quanto comerciais, de prédios ou casas.
Condôminos terão que avisar ao síndico, e este por sua vez terá prazo de até 48 horas a partir do conhecimento dos fatos para apresentar denúncia às autoridades, preferencialmente através da “Central de Atendimento à Mulher — Ligue 180” ou de outros canais eletrônicos ou telefônicos adotados pelos órgãos de segurança pública.
“Pretendemos, com tais medidas, fortalecer a delicada posição das mulheres brasileiras, que nem sempre têm condições de solicitar ajuda ou socorro nas mais diversas situações de violência de que são vítimas, entrando, lamentavelmente, como dados frios e sem rosto em relatórios”, diz trecho de justificativa do projeto de lei. 
O texto ainda inclui entre as competências do síndico — além de comunicar às autoridades sobre os crimes - mandar afixar nas áreas comuns, preferencialmente nos elevadores, “placas alusivas à vedação a qualquer ação ou omissão que configura violência doméstica e familiar, recomendando a notificação, sob anonimato, às autoridades públicas”.
Autor do projeto, o senador Luiz do Carmo diz que o combate à violência contra a mulher transformou-se em luta pessoal desde que sua filha Michele Muniz do Carmo foi assassinada em 2012, vítima de latrocínio.
“Isso me fez entender o tamanho da dor vivida por milhares de mulheres no País. Me sinto no dever de que as mulheres se sintam protegidas. Precisamos reverter a violência contra as mulheres”, afirmou na sessão em que o projeto foi aprovado no Senado.
Qual o próximo passo para se pensar na redução desses números? Será que são só intervenções legais [como o PL] que vão provocar o efeito social desejado?
Maíra Zapater, professora da Unifesp
Alguns pontos do projeto, no entanto, ainda geram dúvidas. Entre eles, de que forma seria garantido o anonimato dos denunciantes, de que forma comprovar caso haja omissão, como será a relação futura do agressor com os outros moradores, além da possível situação de vulnerabilidade da vítima. 
Da forma como o texto está, segundo Maíra Zapater, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista em direito penal, não há um diagnóstico preciso que aponte se a falta de comunicação dos casos aos órgãos oficiais é que leva ao aumento ou diminuição da violência. 
“A gente poderia ter a discussão de passar esse dever para o síndico ou não se a gente tivesse um diagnóstico mais exato para, justamente, não ficar só no efeito simbólico [com o PL]”, diz Zapater. 
Este “efeito simbólico” seria não o de punir, mas sim de atrelar aos vizinhos e síndicos a responsabilidade de “meter a colher” em situações de violência doméstica. Investimentos do Estado em ações afirmativas já previstas na Lei Maria da Penha, segundo a especialista, seriam mais eficazes.
“O dado que se tem é: a violência doméstica continua alta mesmo depois de 14 anos da Lei Maria da Penha. Então, qual o próximo passo para se pensar na redução desses números? Será que são só intervenções legais [como o PL] que vão provocar o efeito social desejado?”, questiona.
A professora lembra que, em paralelo aos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há também os dados do Ligue 180, canal oficial do governo federal dedicado ao atendimento de vítimas de violência doméstica no País. Segundo a ferramenta, denúncias de violência contra a mulher aumentaram 14% nos 4 primeiros meses de 2020, em relação a 2019.
“A violência também é psicológica e isso nem sempre é audível. Acredito que a situação que o legislador está pensando é de uma briga ruidosa, que você já tem o dispositivo do código penal da omissão de socorro”, pontua a especialista. “Mas, e para as violências que não estão sendo vistas, qual será o critério de que tipo de vigilância esse síndico terá que exercer? Porque a violência doméstica é um fenômeno complexo.”
artigo 135 do Código Penal, que versa sobre omissão de socorro, comumente é aplicado a casos de atropelamento em que o socorro não foi prestado ou por alguém que tem o dever por lei de acolher e não o fez.
O PL, me parece, deixa mais explícito quais são as hipóteses que geram o dever de agir e a relevância da omissão para fins de responsabilização civil, administrativa e penal”, analisa Fabíola Sucasas. “Não se ignora a solidariedade humana que mora na essência do conceito e que, antes de se constituir qualquer violação legal que decorram tais responsabilidades, é, no mínimo, uma tarefa moral [denunciar estes casos].” 
O código penal estabelece detenção de um a seis meses para quem “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.”
“Nós já temos um tipo penal para isso”, critica Maíra Zapater. “Não é com aumento de pena específico para omissão de socorro em casos de violência doméstica que serão produzidos efeitos [para a diminuição dos casos].”

Qual o papel do síndico em casos de violência doméstica

José Roberto Graiche Júnior, presidente da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), afirma que a lei pode gerar transferência de responsabilidades que não são do síndico. 
“É o papel de todo cidadão coibir a violência. Mas atribuir o poder de fiscalização e obrigação sob pena de sofrer uma sanção, multa ou punição mais severa pode gerar uma transferência de responsabilidade, que não é positiva.”
O presidente da entidade afirma que não há nenhum tipo de orientação ou regulamentação que diga como o síndico deve agir em casos de violência doméstica e familiar. Ele defende que, antes de aplicar punições, é preciso ter clareza sobre quais são as obrigações dos síndicos e das administradoras.
“Da forma como ele [o projeto de lei] está, fica muito genérica a forma como o síndico tem que agir. Ainda há a questão da integridade da vítima e do sigilo da denúncia, é preciso levar estas questões em consideração.”
Segundo Graiche Júnior, diversas empresas, de forma proativa, vêm realizando ações para conscientizar não só moradores, mas também colaboradores sobre o tema e estimular a denúncia. Ele cita a iniciativa “Justiceiras”, elaborada neste período de pandemia pela procuradora do MP-SP Gabriela Manssur, que conecta vítimas de violência a uma rede de atendimento psicológico e jurídico. 
Em parceria com a iniciativa, condomínios tiveram acesso a um botão específico para entrar em contato com o projeto. Graiche Junior afirma que, até o momento, cerca de 1500 solicitações já foram encaminhadas ao Justiceiras.
Em outros estados, condomínios e conjuntos habitacionais já são obrigados a denunciar estes casos. Desde o dia 26 de março, na Paraíba, quem descumprir a norma, segundo o G1, pagará multa que pode chegar a R$ 103 mil.
Já no Distrito Federal, lei semelhante passou a vigorar em 14 de abril. Neste caso, há multa prevista entre R$ 500 e R$ 10 mil, a depender das circunstâncias da infração, e o valor será revertido a fundos e programas de proteção aos direitos da mulher, da criança, do adolescente ou do idoso.
Em junho, deputados estaduais do Espírito Santo aprovaram outro projeto dessa ordem. Caso seja sancionado pelo governador, síndicos e administradoras serão obrigados a denunciar casos de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente ou idoso.

Como denunciar violência doméstica durante a pandemia

O Ligue 180 também está disponível 24 horas todos os dias, inclusive finais de semanas...
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O Ligue 180 também está disponível 24 horas todos os dias, inclusive finais de semanas e feriados, e pode ser acionado de qualquer lugar do Brasil.

De acordo com a Lei Maria da Penha, que completou 14 anos no último dia 7 de julho, a violência doméstica e familiar é definida como “qualquer ação ou omissão que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou material”, contemplando as que se identificam com o gênero feminino — transexuais, travestis e transgêneras.
Especialistas aconselham que, mesmo diante de um ambiente como esse, é importante tentar falar com vizinhos, pessoas próximas e deixá-los informados da situação para que a polícia seja acionada, por meio do 190, caso necessário.O Ligue 180 também está disponível 24 horas todos os dias, inclusive finais de semanas e feriados, e pode ser acionado de qualquer lugar do Brasil.
Na ausência de uma rede de apoio, os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, em especial as Delegacias de Defesa da Mulher e a Casa da Mulher Brasileira, continuam em funcionamento 24 horas - e contemplam atendimentos necessários: psicológico, jurídico e de assistência social.
Em São Paulo, as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) também estão preparadas para o atendimento de casos de violência doméstica. Os endereços das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) podem ser encontrados no site buscasaude.prefeitura.sp.gov.br; além disso, um canal de atendimento foi estabelecido pelo e-mail saudespviolencia@prefeitura.sp.gov.br.
Com prorrogação do isolamento social, em especial, no estado de São Paulo, boletins de ocorrência podem ser registrados online. A fim de orientar as vítimas, tanto a Defensoria Pública do Estado de São Paulo quanto a Polícia Civil elaboraram manuais de como realizar a denúncia corretamente.
As vítimas podem solicitar remotamente a implementação de medidas protetivas de urgência na da Defensoria Pública e Ministério Público. O atendimento à distância na Defensoria é feito pelo Núcleo de Defesa das Mulheres Vítimas de Violência de Gênero e pode ser realizado pelo WhatsApp, no número (11) 94220-9995; e gratuitamente pelo 0800-773-4340.
Quando as medidas protetivas são solicitadas no momento da ocorrência, o pedido é encaminhado diretamente à Justiça. É recomendado que a vítima tenha em mãos mensagens de textos, áudios, fotografias, comprovantes de entradas em hospitais, declarações de testemunhas, ou qualquer outro material de comprovação.

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