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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


Conquistas que derrotam

André Fernandes
A “conquista da natureza” pelo homem é uma expressão muito utilizada no cotidiano científico. Num certo filme de ficção científica, um protagonista disse que “o homem derrotou a natureza”. Em seu contexto, essa afirmação portava uma certa beleza trágica, porque o personagem que as pronunciou morria de tuberculose. “Não importa”, prosseguiu dizendo, “que eu seja uma das baixas. É claro que, nessa batalha, haja quem tombe dos dois lados, mas isso não muda o fato de que o homem está vencendo”.

Desde a virada do milênio, vivemos um período de grandes oportunidades para o homem e para o mundo. E de grandes perigos também, como em qualquer época histórica. Entretanto, considerando o grau de saber científico e de domínio da matéria acumulados no século passado, algo impensável no século retrasado, o homem apossou-se de um poder de dispor do mundo a ponto de destruí-lo.

E isso, de certa forma, causa algum pavor, tornando aqueles perigos ainda maiores. Menos visível, mas não menos inquietante, são as chances de automanipulação conquistadas pelo homem: as ciências biológicas e as ciências exatas sondaram as profundidades da constituição genética do ser, decifraram seus componentes e estão a poucos passos, digamos assim, de construir o próprio homem.

O homem, consumada essa fase, passaria a vir ao mundo como produto de nosso agir e, logo, poderia ser selecionado segundo as exigências de nossa natureza biológica ou de nossos interesses e caprichos. O homem deixaria de refletir uma imagem transcendente para ser o puro reflexo do próprio homem. Mas, de qual homem?

A julgar pelo progresso científico que aumenta em razão diretamente inversa ao desenvolvimento de nossa energia moral, deve ser o homem da ciência. O homem do laboratório. O homem do gabinete. O homem cuja mentalidade técnica confina a moral ao âmbito estritamente subjetivo e secundário, já que o importante é apenas o progresso da ciência.

Essa situação agrava ainda mais aqueles perigos, porque rejeita uma moral pública capaz de responder às ameaças que pesam sobre cada um de nós e nossos descendentes. Prefere prosseguir justamente no caminho do desequilíbrio entre as possibilidades técnico-científicas e aquela energia moral.

Um certo nível de segurança que buscamos para o exercício da ciência, necessário como pressuposto da liberdade e da dignidade humana, não pode vir, em última análise, de sistemas técnicos de controle e de protocolos normativos exclusivamente. Deve surgir da força moral do homem, porque, onde quer que ela falte ou seja insuficiente, o poder de criação do homem será transformado, cada vez mais, em poder de destruição.

Nessa trajetória de “conquista da natureza”, arriscaria a dizer que, no último estágio, o homem fincaria sua vitoriosa bandeira no território do completo domínio de si mesmo, alcançado mediante a eugenia e a manipulação pré-natal, somadas a uma educação e uma propaganda conjugadas numa perfeita psicologia aplicada. A natureza humana será a última parte da natureza a se render ao homem. Seremos livres para fazer o que bem entendermos de nossa espécie. A batalha, então, restará vencida, mas quem exatamente a terá vencido?

Comecei o texto com uma expressão triunfante, sem pretender menosprezar os benefícios desse processo de dominação sobre a natureza e todo o sacrifício pessoal que os tornaram possíveis. Mas esse poder científico crescente somente tem sentido quando a energia moral do homem também cresce e na mesma medida.

E termino com uma afirmação preocupante: “um pensamento ardeu na minha mente: por mais que o conhecesse, se me tivesse em seu poder, não hesitaria em me usar em seus experimentos, em prol da conquista da natureza. Afinal, existem baixas para os dois lados.” Foi a resposta que, no filme, o interlocutor deu ao protagonista tuberculoso, depois de seu último suspiro. Com respeito à divergência, é o que penso.

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