Civis africanos buscam escapar da teia da guerra
por Raymond Baguna, da IPS
Nzara, Sudão do Sul, 26/3/2013 – Sungu Mizele, uma congolesa que vive em Yambio, no Estado de Equatória Ocidental, no Sudão do Sul, ganha a vida vendendo frutas e verduras que cultiva em sua horta. Ganha, em média, US$ 9 por dia, mas com sorte pode chegar aos US$ 31. Talvez não seja muito, mas é importante para alguém que viveu no acampamento de refugiados de Makpandu, onde convivia com cerca de 5.700 pessoas em situação igual à sua. Agora pelo menos é capaz de se manter e também os seis filhos de sua falecida irmã.
A história de sua família é como a de outras milhares no acampamento: foram atacadas pelo (ERS), liderado por Joseph Kony e que passou as últimas décadas lutando pela criação de um Estado radical cristão em Uganda. O grupo é acusado de recrutar crianças-soldado, cometer assassinatos em massa, amputar membros de suas vítimas e fazer escravas e escravos sexuais.
O grupo rebelde originalmente operava desde Uganda e agora atua principalmente na República Centro-Africana e na República Democrática do Congo (RDC). Membros do ERS atacaram a casa de Mizele em Dungu, no nordeste da RDC, em novembro de 2010. Ela e seus sobrinhos saíram ilesos do ataque e foram libertados pelos rebeldes no dia seguinte. Mas, sua irmã mais velha, a mãe das crianças, foi assassinada quando tentava fugir de um comandante do ERS que pretendia violentá-la.
Quando viva no acampamento de refugiados, Mizele estava decidida a dar à sua família uma vida melhor. Dedicou-se a separar porções das rações de comida e de combustível para cozinhar, doados pelas agências de ajuda humanitária, para depois vender. Também recolhia lenha dos arbustos próximos do acampamento.
Por fim, conseguiu ganhar o suficiente para alugar uma cabana com teto de palha em Yambio, a 44 quilômetros do acampamento, por US$ 6 mensais. “Deixei o acampamento e vim para cá, onde comecei um pequeno negócio para sobreviver e manter as crianças”, contou Mizele à IPS. Sua família é uma das muitas que tentam reconstruir a vida depois que diminuíram os ataques do ERS no Sudão do Sul. Antes, desde a RDC e a República Centro-Africana, o ERS teria realizado várias ofensivas em Equatória Ocidental, especialmente em época de colheita.
Em Nzara, cidade de Equatória Ocidental fronteiriça com Uganda, muitas famílias voltaram a plantar milho, pinhas, sorgo e amendoim. Agora os negócios proliferam. As lojas e os bares, que vendem produtos importados de Uganda, ficam abertos até tarde, graças a energia solar e geradores com combustível diesel.
A vida ficou mais pacífica. O Informe Rastreador de Crise, divulgado em 5 de fevereiro pelas organizações não governamentais Invisible Children e Resolve, indica que nenhum dos 257 ataques realizados pelo ERS em 2012 aconteceu no Sudão do Sul, enquanto 225 ocorreram na RDC e o restante na República Centro-Africana.
Muitos acreditam que a diminuição dos ataques se deve ao fato de a Força de Defesa do Povo de Uganda (UPDF) ter aberto uma base em Nzara em 2010. “Estamos contentes com a chegada dos ugandenses. Sem eles não poderíamos cultivar nossas terras e fazer a colheita”, disse à IPS o reverendo Samuel Enosa Peni, da Igreja Episcopal do Sudão.
Além da presença militar ugandense, a Força Regional de Tarefas, criada em setembro do ano passado pela União Africana, recebeu a missão de perseguir os líderes do ERS na região. A força é formada por soldados do Sudão do Sul, da RDC, República Centro-Africana e Uganda. Este último país contribuiu com dois mil efetivos, apoiados por cem assessores militares norte-americanos.
Peni, também bispo de Nzara, disse que a comunidade local ainda tenta superar os efeitos traumáticos do conflito, por isso a igreja oferece serviços de aconselhamento. “Nascemos e crescemos em guerra, e por isso precisamos de reabilitação”, afirmou. “As pessoas não têm esperança para o futuro, e nosso trabalho é que a igreja chegue a eles. Muitos morreram, mas os que estão vivos precisam esquecer o passado e seguir em frente”, acrescentou Peni.
Geralmente, as vítimas da guerra necessitam de terapia psicológica para poderem se reintegrar à sociedade. Muitos estão traumatizados pela rejeição que sofrem ao regressarem às suas comunidades, disse o bispo.
Raphael Reba enfrenta o fato de que sua família provavelmente não volte a aceitá-la nem ao seu filho, cujo pai é um dos rebeldes do ERS que a sequestrou há sete anos de sua casa em Gangura Payam, perto da cidade de Yambio, no Sudão do Sul. Ela foi obrigada a se integrar ao ERS e entregue a um comandante rebelde, de que só lembra seu primeiro nome, David, e que mais tarde a engravidou.
Em 2010, ela e David fugiram do ERS com seu filho. Ele voltou para Uganda depois de se entregar, e ela e a criança foram imediatamente para o Sudão do Sul. Agora, Reba vive na casa de um irmão e sobrevive como jardineira. Ainda está traumatizada pelas atrocidades que foi obrigada a cometer. Durante um ataque a Aba, na Província Oriental da RDC, lhe ordenaram matar e beber o sangue de dois bebês.
Reba contou que foi rejeitada pela própria família. Inclusive seu pai, Thomas Yepeta, se nega a recebê-la e a seu neto. “Se os insultos continuarem, irei para o acampamento da UPDF em Nzara para que me levem com o pai do meu filho”, disse à IPS. Esta mulher é aconselhada por diferentes organizações não governamentais, mas está preocupada especialmente pelo futuro de seu filho, agora com quatro anos.
Na Escola Primária St. Daniel Comboni, em Nzara, missionários cristãos atendem crianças que foram sequestradas por grupos armados. Sua administradora, Maria Teresa Carrasco, disse à IPS que cerca de 200 alunos são menores que foram raptados e depois libertados pelo exército ugandense. A maioria deles ainda está traumatizada pelo que viveu. Os missionários também administram o Centro Comunitário Arco-Íris, que ajuda cerca de três mil meninos e meninas a reconstruírem suas vidas. Envolverde/IPS
* Com colaboração de Joseph Nashion em Yambio, Sudão do Sul.
Nenhum comentário:
Postar um comentário