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sábado, 23 de março de 2013


A relação com as famílias, especialmente com os pais, é um fator de grande influência na constituição da identidade homossexual e da representação do exercício da parentalidade para casais homoafetivos masculinos. Em uma pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP, a psicóloga Brunella Carla Rodriguez investigou a representação psíquica dessas pessoas a respeito do que é ser pai, explorando seus relacionamentos com os pais e avós, e as motivações conscientes e inconscientes do desejo de ter filhos ou não tê-los. “Os discursos estavam sempre ligados à família de origem. Muito mais do que visando a parentalidade futura, eles ainda estão presos às questões ligadas às suas famílias de origem, aos seus pais”, conta a pesquisadora. “Isso acontece porque a elaboração do conflito identitário vivenciado por eles perpassa a aceitação familiar em primeiro lugar”, completa.
Em geral, os casais pensam na relação parental com um desejo reparatório
Foram realizadas entrevistas com cinco casais sem filhos, estando quatro deles juntos há menos de três anos e o outro há quinze. O assunto central das conversas, que duraram entre 2 e 3 horas e ocorreram nas casas dos casais, eram as relações familiares, sob o vértice da revelação da homossexualidade e dos conflitos familiares decorrentes.
A psicóloga também pedia para que eles desenhassem a família que gostariam de ter. “Assim poderia ser investigada melhor a representação daquela família idealizada e observar se eles se colocariam nesse desenho, se representariam como uma família homoparental”, explica Brunella.
Vínculos familiares
A psicóloga conta que todo o discurso dos casais a respeito da família estava permeado pelo tema da homossexualidade, mesmo nos momentos em que a entrevista não era dirigida a esta questão. “Começavam contando principalmente como foi se assumir dentro dessa família como homossexual. Os efeitos que isso teve e como afetou as relações dentro do grupo familiar”, diz. Entre as principais situações relatadas estão a dificuldade da família em aceitar sua sexualidade e o consequente sofrimento causado, por exemplo, pela recusa do convívio, muito comum no início da descoberta. Os desenhos também mostravam a forte ligação com as figuras das famílias de origem, incluídas na representação junto ao casal.


“A família é o primeiro espaço em que a pessoa constitui e pode praticar sua subjetividade, concebendo-se uma individualidade ou identidade”, diz Brunella. Para a estudiosa, essa forte ligação entre a representação da família e a homossexualidade se dá em função de esta relação ser algo que não foi psiquicamente bem elaborado. “Com a recusa da família a essa parte da identidade deles [a sexualidade], torna-se mais difícil e trabalhosa a elaboração da questão identitária individual”, explica. Ela continua: “A família, que é o primeiro grupo de que participam e que deveria ser um grupo de confiança, aceitação e acolhimento, acaba balançada. Com frequência eles não podem contar com essa rede de apoio”.
Despreparo para a parentalidade
Em geral, as representações parentais dos casais estavam tecidas por aspectos negativos, ou seja, aquilo que se configurou como falta, por exemplo, a pouca participação de um dos pais. Por isso, conta a psicóloga, “quando pensam na relação parental, é trazido um desejo de parentalidade reparatória, de poder ser um pai diferente dos pais que tiveram”.


Dessa maneira, frente às questões mal resolvidas com a própria família de origem, como a falta de aceitação, foi notado o despreparo desses homens para a vivência da parentalidade. Brunella relata que o desejo de adotar crianças é trazido à tona, porém não como um plano concreto ou discutido pelo casal. “A adoção permanece no plano da fantasia, porque eles ainda não estão preparados para exercer o papel de pais, pois ainda estão muito ocupados cuidando do que falta para si próprios: serem reaceitos nas suas famílias e poder elaborar psiquicamente suas identidades de forma íntegra”, explica. Com sua resolução identitária mal elaborada, eles ainda não conseguem deixar seu lugar como filhos para se tornarem pais.
Referenciais e arranjos familiares
Todavia, a pesquisadora chama a atenção para o fato de que a parentalidade talvez não tenha sido tão discutida por alguns casais em função especialmente da coabitação precoce. Justamente pela busca do apoio e fortalecimento não encontrado junto às famílias, casais homossexuais, ela explica, tem a tendência de se unirem e comprometerem em relacionamentos mais rapidamente que os casais heterossexuais.


Com o crescente aparecimento de novos arranjos familiares, diz a pesquisadora, se faz cada vez mais necessário que se repense as formas de relacionamento e a vivência dos papeis dentro das famílias. “É preciso olhar essa nova realidade de perto para permitir o exercício da parentalidade, que é tão importante na constituição das pessoas, de uma forma harmoniosa e saudável. E para que também possam ser oferecidas referências de uma nova forma de constituição familiar”, conclui.
Imagem: Wikimedia Commons
Mais informações:  email brunellacarla@gmail.com, com Brunella Rodriguez
http://www.usp.br/agen/?p=131723 

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