Licença-paternidade: discussão sobre ampliação pode demorar
Ivonete Lucirio
Do UOL, em São Paulo
- Além de curtir o bebê, um período maior permitiria ao pai ajudar a mãe na fase de adaptação da nova rotina
O filho nasce. São dois ou três dias de hospital, mais dois dias para resolver burocracias e lá se vai o pai de volta ao batente sem ter tido tempo de curtir o bebê e ajudar a mãe nessa fase importante de adaptação da família. A licença-paternidade, que no Brasil tem duração de cinco dias, é garantida pela Constituição de 1988. Têm direito a ela somente os funcionários contratados no regime de CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e os servidores públicos, para os quais a pausa remunerada é assegurada pela convenção da categoria.
COMO É LÁ FORA
O Brasil está na metade do caminho entre o mínimo e o ideal.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o benefício não existe. Na Argentina e no Paraguai, a pausa é de apenas dois dias.
Mas há países que foram muito além. Na Islândia, a licença é de três meses, na Alemanha, de dois.
Cuba tem um sistema interessante, que dá os seis primeiros meses para a mãe e depois mais seis para o pai, todo o período remunerado pelo governo.
O Japão garante até um ano, podendo ser divido entre os pais, com 60% da remuneração garantida.
Existem alguns pontos sobre os quais a legislação que regula o assunto não é muito clara. O principal é se a licença deve ser contada em dias corridos ou úteis. A maioria das empresas faz a contagem da primeira forma.
Para obter o direito, cabe ao trabalhador notificar a área de recursos humanos da empresa em que atua assim que a criança nascer e entregar a documentação do filho. No geral, basta apresentar a certidão de nascimento. A lei não fixa um prazo máximo para a apresentação do documento que, comumente, é feita no dia em que o funcionário retorna ao trabalho.
"Mas é melhor verificar na convenção coletiva da categoria ou no regulamento interno da empresa para saber se há normas específicas sobre o assunto", afirma a advogada Vivian Christina Silveira Ferreira Fernandez Dias, mestre em direito trabalhista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo.
Quando Fernando, hoje com dois anos, nasceu, o designer Cristiano Galan mal pôde aproveitar os primeiros dias de seu filho. "Ele nasceu no sábado e eu voltei a trabalhar na quarta-feira, um absurdo!", diz. "Trabalhava com a cabeça em casa. A minha mulher fez cesárea, sentia muitas dores. Tanto ela quanto o bebê precisavam da minha ajuda. Você passa esses cinco dias resolvendo coisas, vacina, pediatra, recebe visita em casa. Nem dá tempo de curtir a mulher e o filho. Tinha de ser, pelo menos, dez dias", fala o designer.
Existem propostas de ampliação da licença-paternidade mais longas do que a reivindicação de Galan. Cerca de uma dezena de projetos que versam sobre o tema estão em análise na Câmara Federal dos Deputados. Alguns deles sugerem a ampliação do benefício para 30 dias, mas um dos que está em fase mais adiantada de tramitação é o Projeto de Lei 3935/08, da senadora Patrícia Saboia, que fixa em 15 dias consecutivos a licença-paternidade.
"Esse projeto precisa ainda ser apreciado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara", diz Fernanda Garcez, advogada especialista em direito trabalhista do escritório Abe, Costa, Guimarães e Rocha Neto Advogados, em São Paulo. A proposta da senadora determina ainda que, se a licença for solicitada durante as férias, só passe a ser contabilizada a partir do primeiro dia útil do término do período de descanso e que o pai tenha estabilidade de 30 dias após o fim do benefício.
Atualmente, se o filho nascer durante as férias do funcionário, na maioria das empresas, o homem não ganha dia extra algum de licença. A forma como se conta a licença-paternidade nas férias é outro ponto que abre margem para discussões, uma vez que a legislação também não é clara sobre essa circunstância.
Adoção
Se o Projeto de Lei 3935/08 for aprovado, os pais que adotarem uma criança também irão se beneficiar. O texto concede a licença mediante a simples comunicação do fato ao RH da empresa, acompanhada da certidão de nascimento ou do documento de adoção. Uma lei de 2002 estendeu à mãe adotiva o direito à licença-maternidade, mas não tratou da licença-paternidade em situações de adoção. "Mas homens e mulheres são iguais perante a lei, na forma da nossa Constituição Federal. Assim, no meu entendimento e também no entendimento jurisprudencial majoritário atual, a licença-paternidade de cinco dias fica estendida ao pai adotivo", declara Fernanda Garcez.
Assim como o direito do pai adotivo ainda não está explicitado, o mesmo acontece com casais homossexuais. "A questão da adoção por família homoafetiva ainda não foi regulamentada pelo direito brasileiro, havendo inúmeras dúvidas sobre sua possibilidade", afirma Fernanda. "Mas, partindo-se da premissa de que a adoção por família homoafetiva fosse aceita, ainda haveria uma lacuna legislativa em relação à licença-paternidade. A tendência seria a concessão de ao menos cinco dias", diz a advogada.
Um professor de enfermagem de Campinas, interior de São Paulo, conseguiu em 2012 o direito de cuidar de seu filho recém-nascido por 120 dias. A mãe do bebê – com quem ele teve um breve relacionamento– não quis assumi-lo. O pai decidiu que cuidaria da criança e entrou na Justiça com um pedido para se afastar do trabalho. A solicitação foi aceita pela Justiça Federal. "Foi uma decisão fantástica, que levou em conta as tendências mais modernas da sociedade. Não há mais um papel previamente definido das obrigações de homem e de mulher, cabendo a análise de cada caso isoladamente, com suas particularidades", diz Vivian.
O direito de o homem ficar com seu filho é legítimo e não há dúvidas de que a extensão do período de cinco dias traria benefícios a todos. Algumas empresas no Brasil já fizeram isso por iniciativa própria. A Radix, por exemplo, concede licença de 15 dias aos pais. O Google dá quatro semanas e a Kraft Foods oferece seis dias corridos, além dos cinco garantidos por lei.
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