Mulheres sobreviventes de ataques com ácido na Índia decidem mostrar a cara em um café
ANA GABRIELA ROJAS
16 MAR 2016
Um grupo de mulheres sobreviventes de ataques com ácido na Índia decidiu mostrar a cara e acabar com o preconceito da sociedade. Em Agra, bem perto do Taj Mahal, o monumento mais visitado da Índia, elas trabalham no café Sheroes. Em português seria algo como elas-heroínas.
Antes elas cobriam as cicatrizes que o ácido deixou em seus rostos e corpos. Nesse lugar sentem-se livres. O Sheroes também se tornou um lugar de paz ao qual vão principalmente viajantes após sua visita a um dos lugares mais turísticos e caóticos do país.
Comida indiana e internacional, café, chás. No final do menu, uma legenda: “pague o valor que você quiser”. “Decidimos que esse seria o modelo porque nosso principal objetivo não é o negócio, mas conscientizar as pessoas sobre o grave problema dos ataques com ácido”, explica Laxmi Agarwal, diretora da Chhanv Foundation, uma ONG dedicada a ajudar as vítimas desse crime e que é a responsável pelo café em Agra. Laxmi, que foi desfigurada aos 15 anos por um admirador que não foi correspondido, é uma das mais reconhecidas ativistas na Índia. Levou seu caso ao supremo tribunal, em 2013 foi tipificado como crime e a venda de ácido foi restringida. Junto com sua equipe agora ajuda outras sobreviventes com diversas iniciativas, entre elas proporcionando alojamento às vítimas em Nova Déli, a capital da Índia, durante seu tratamento médico.
O café Sheroes é outro desses projetos para que a sociedade esteja mais consciente do problema e, ao mesmo tempo, para que as sobreviventes continuem com sua vida. O visitante perceberá que a maioria das pessoas que o atendem é de mulheres cujos rostos foram desfigurados pelo ácido. “Durante muitos anos não quis mostrar minha cara, me sentia muito mal. Mas agora entendi que não devemos ter vergonha. São nossos algozes que devem senti-la”, explica Rupa. Ela tinha 17 anos, há 5, quando acordou no meio da noite: sentiu que um líquido destroçava sua pele. Quando percebeu que havia sido ácido, foi quase tão doloroso saber que foi sua madrasta, enciumada pelo fato de Rupa ter se mudado para viver com ela e seu pai. Agora, ela atende sempre amavelmente as pessoas que vão visitar o Sheroes. Também mostra orgulhosa a roupa que ela mesma desenha e que está exposta para venda em uma das paredes do café. Em outra das paredes, um grupo de vítimas posa feliz com os coloridos trajes. Essas fotos ganharam enorme importância na Índia, onde se aplaudiu a força e a beleza dessas mulheres.
Em sua extensa livraria, o viajante pode encontrar uma boa leitura enquanto espera o trem. Uma tela exibe de tempos em tempos um documentário das mulheres que ali trabalham. Conta, entre outras, a história de Geeta e sua filha, motivo da criação do café em Agra. O esposo de Geeta um dia jogou ácido nela e em suas duas filhas. Uma delas morreu. A outra, Nitu, que agora também trabalha no café, tinha então somente três anos. O motivo do ataque foi o fato de Geeta “não ter lhe dado um filho homem”, que para alguns na Índia é indispensável para dar continuidade à família. Foi justamente por elas que o café foi aberto em Agra: são de um povoado próximo a essa cidade e a organização queria dar-lhes uma forma de ganhar a vida e também de empoderá-las para que seguissem com suas vidas. “Antes ficávamos sozinhas em casa pensando na gravidade de nossos problemas. Agora todos os dias nos vestimos e nos arrumamos para trabalhar”, explica Nitu alegremente no vídeo. As mulheres explicam que Agra, conhecida como a cidade do amor, também lhes trouxe aceitação e uma forma de ganhar a vida dignamente.
Em cada mesa, como um segundo menu, existe um texto que pede aos visitantes que abandonem seus preconceitos com as pessoas desfiguradas e que as apoiem posicionando-se contra esse tipo de crime. “A beleza externa é momentânea. Fomos capazes de superar a raiva e a tristeza. Acreditamos que o mais importante é sermos bonitas por dentro. E isso é para sempre. Ser bonito por fora não serve de nada. Até os que nos jogaram ácido eram”, diz o manifesto. E as heroínas estavam entusiasmadas porque em 8 de março, dia internacional da mulher, a organização abriu seu segundo café em Lucknow, a capital de Uttar Pradesh.
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