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sexta-feira, 25 de março de 2016

Filho refém

Se o pai pede o teste de DNA, a mulher deve se tocar de que a relação não tem futuro. Mas nem sempre é assim

WALCYR CARRASCO
22/03/2016
Há muito tempo eu tive um amigo, jornalista, cuja mulher, chilena, voltou para seu país. Tinham dois filhos, e ela os levou por comum acordo. Do qual ele se arrependeu amargamente. A chilena nunca vinha ao Brasil. O pai não tinha salário alto, como sabem todos os jornalistas. Além do trabalho diário, corria atrás de freelancers. Só para comprar passagens. Desejava, a todo custo, manter uma relação com as crianças. Só vivia para ver os filhos e pagar a pensão, em dólares. A ex usava todos os estratagemas para conseguir algo a mais: material escolar, roupas de inverno. Pensei ser um caso isolado. Coisa nenhuma.
Outro amigo, bem jovem, teve uma aventura de uma noite. A mulher, alguns anos mais velha, garantiu usar anticoncepcionais. Depois, que tomara a pílula do dia seguinte. Logo apareceu grávida. Muito católico, ele nem pensou em aborto. Nasceu um menino. O teste de DNA confirmou a paternidade. Se o pai exige teste de DNA, a mulher deve se tocar de que a relação não tem futuro. Ela não se curvou à evidência. A princípio, tudo parecia caminhar no melhor dos mundos. A família dele é de classe média alta. Ela tem um trabalho. Estabeleceram uma pensão, que ele paga religiosamente. Durante alguns meses, ela passava todos os finais de semana na casa dele, com seus pais. Sem sexo, só o filho os unia. A avó apaixonou-se pelo neto. Ele estava sem namorada. Brincava com o filho e, mais que qualquer um, passou a amar o garoto.
Mas aí houve um feriado prolongado. A mãe do bebê passou lá cinco dias. Fez exigências como se tivessem um relacionamento. Ele saiu todas as noites. Ela reforçou as cobranças. O rapaz foi sincero.
– Eu nunca vou morar com você. Nós tivemos um relacionamento eventual, de uma noite.
No fim de semana seguinte ela não apareceu. A avó tinha preparado docinhos, e chorou, em prantos. O avô brigou com o filho, cobrou responsabilidade. O rapaz queria ver o bebê de qualquer maneira. Telefonou mil vezes. No celular, só caixa postal. Passou no apartamento dela, não estava. Fez plantão. Ela só chegou no final da tarde quando, enfim, deixou o pai ver o filho.
Eu aconselhei, é claro.
– Processa pelo direito de visita.
Mas ele não quer só uma ordem judicial. Deseja ver o filho sempre, acompanhar seu crescimento. Amá-lo. Só não quer casar com a mãe com quem, repito, teve apenas um relacionamento de fim de festa, consensual. Agora que ela sofreu a rejeição, porém, mudou de comportamento. Marca para ele visitar o filho, não está. Sumiu da avó. A família entrou em crise. Eu avisei:
– Ela está usando o filho para se vingar da rejeição.
A história está nesse pé. Eu tenho vários amigos que não foram criados pelo pai. Pelo contrário, o pai é um estranho que viram poucas vezes. Sentem falta. Eu não julgo esses pais a priori. Muitas mulheres, justamente, jogam com o amor do pai pelo filho. Só que o homem com frequência forma outra família. Tem outros filhos e aquele primeiro, com um pacote de problemas incluso, vai ficando de lado. Não sou a favor nem um pouco. Filho precisa de pai. Só tento extrair um quadro da realidade.
Algo aprendi na vida. Nunca se consegue reparação emocional por intermédio de dinheiro ou de criança. A mulher pode ganhar uma fortuna num processo de divórcio. Mas é só dinheiro, não amor. O sentimento de dor de uma separação ou rejeição continua o mesmo. Da mesma forma, usar os filhos para chantagear o ex nunca dá certo. O mais provável é que, exausto por uma situação impossível de resolver, ele se afaste. Já vi acontecer muitas vezes. Raros são os pais que insistem, trabalham de madrugada para viajar mensalmente para outro país, como o amigo que citei no início.
Reparação emocional se consegue com uma renovação do relacionamento. É preciso saber que o amor acabou de um lado, mesmo não tendo terminado de outro. O ex pode ter encontrado alguém. Ou não querer ninguém. Ele só sabe que não quer de volta aquela situação que vivia. Mesmo furiosa, com motivos justos para se sentir traída, mal amada, a mulher erra quando joga com os sentimentos de pai e filho. Pior que para o ex, será para a criança. Como vai reagir emocionalmente, no centro de uma guerra entre pai e mãe? Muitos de nós pensamos que criança pequena não se lembra de gritos. Conscientemente, talvez não. Mas as brigas, os gritos dos pais ficam marcados, e não se sabe como ela lidará com isso.
O pai tem de cumprir suas obrigações, óbvio. Mas, para muitas mulheres, filho é refém.

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