[Situação 1]
A mulher diz: “Deveríamos tentar resolver o bug da forma [insira aqui uma ideia]…”
Ninguém dá bola.
Dois minutos depois:
O homem diz: “E se fizéssmemos [insira aqui a ideia da mulher]?”
Todos respondem: “Ótima ideia! Vamos fazer isso!”
[Situação 2]
Colega de trabalho diz: “Você é uma boa programadora, apesar de ser mulher.”
[Situação 3]
Recrutador diz: “Obrigado por vir, estamos procurando uma mulher desenvolvedora pois os meninos acham que precisamos “dar uma descontraída”.
[Situação 4]
Professor diz: “É bom ter uma mulher na turma de computação. Elas embelezam e perfumam o ambiente. Além do mais, são mais delicadas e atenciosas”.
Ser mulher é um desafio imenso. Ser mulher na área de tecnologia traz algumas dificuldades peculiares. Começa com a falta total de incentivo para que as meninas se envolvam com ciência e tecnologia, passa pela hostilidade que as estudantes dos cursos na área da computação encontram nas salas de aula e continua com um ambiente profissional misógino. Alguns números ajudam a entender o quadro atual:
- Somente 15,53% dos dos alunos de cursos relacionados à computação são mulheres.
- 79% das alunas dos cursos relacionados à Tecnologia da Informação desistem no primeiro ano.
- 41% das mulheres que trabalham com tecnologia acabam deixando a área, em comparação com apenas 17% dos homens,
A pesquisa Elephant in the Valley, que retratou o que enfrentam as mulheres no Vale do Silício, também traz números interessantes sobre a realidade das mulheres no maior oásis da tecnologia mundial: 66% das mais de 200 mulheres com mais de 10 anos de experiência no setor disseram já ter se sentido excluídas de oportunidades por causa de gênero, 88% já enfrentaram situações em que perguntas foram feitas aos seus colegas homens – e não a elas, 60% já foram assediadas e 60% das que foram assediadas e denunciaram, ficaram insatisfeitas com as medidas tomadas.
A PrograMaria, um meta-site sobre mulheres e tecnologia, nasceu da inquietação com dois fatos: a crescente importância da tecnologia em nossas vidas e a falta de de representatividade da mulher na área – no Brasil, as mulheres vêm perdendo representatividade ao longo dos anos.
Muita gente argumenta que os números acima mostram a falta de interesse ou de capacidade das mulheres. Mas é preciso desconstruir a lógica falaciosa do “o cérebro da mulher não é feito para exatas”. Na escola, 74% das meninas demonstram interesse nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, mas na hora de decidir por uma graduação, apenas 0,4% dessas meninas escolhem Ciência da Computação. A pergunta não deve ser “por que devemos incluir as mulheres na tecnologia?” e sim “por que as excluímos?”.
É uma questão simples de igualdade de direitos e oportunidades – quando damos um conjunto de panelas para meninas e bloquinhos de montar para meninos, estamos dando estímulos diferentes, que determinam quais habilidades essas crianças irão desenvolver e, obviamente, isso pode interferir nos caminhos acadêmicos de cada um deles. Recomendo a leitura desta ótima entrevista com o psicólogo americano Andrew Meltzoff, que falou sobre o poder dos estereótipos culturais no aprendizado das crianças. (‘Estereótipo de que ‘matemática é para garotos’ afasta meninas da tecnologia, diz pesquisador”)
A partir de todo esse cenário, decidimos três pilares de atuação para a PrograMaria: inspirar meninas e mulheres a explorar os campos da tecnologia e da programação, fomentar e qualificar o debate sobre a falta de mulheres na área e promover oportunidades de aprendizagem.
Nossa missão é empoderar meninas e mulheres por meio da tecnologia e da programação – e acreditamos nisso por vários motivos:
- Faltam profissionais na área. A TI é um mercado em forte desenvolvimento e a demanda por desenvolvedores só irá crescer. Além disso, as empresas já se ligaram que precisam de diversidade no seu quadro de funcionários, afinal, um time diverso produz mais inovação e traz melhores resultados.
- As mulheres não precisam necessariamente querer trabalhar como desenvolvedoras para se beneficiarem da programação. Toda empresa hoje precisa de tecnologia. Ter noções básicas do tema facilita o trabalho em equipes multidisciplinares, aumentando a produtividade e melhorando resultados.
- Programar é uma ferramenta poderosa de transformação do mundo. Com ela, as mulheres podem dar vida a suas ideias, construir seus projetos e se expressar!
De tanto ouvir que “mulher não dá para exatas”, “mulher não é boa em matemática”, “homens são mais lógicos”, internalizamos essas verdades e passamos a acreditar nelas.
Nos eventos que organizamos e participamos, muitas mulheres contam que simplesmente nunca tentaram aprender porque achavam que programação era muito difícil para elas, que elas não conseguiriam entender e ponto final. Muitas têm ideias incríveis que gostariam de realizar, mas ficam a espera de um amigo desenvolvedor que tope ajudar.
A tecnologia determina a maneira como nos relacionamos, nos comunicamos, consumimos e aprendemos. A sociedade precisa que as mulheres também pensem sobre esses problemas e proponham soluções para eles. Quantas ideias deixam de se tornar projetos, produtos e serviços inovadores por que as mulheres estão à margem da produção de tecnologia?
Em fevereiro a PrograMaria completa um ano. Nesse caminho, encontramos muitas mulheres dispostas e entusiasmadas com a ideia de colaborar. 2016 vai ser um ano muito bom para o tema. Diversos grupos estão surgindo, unindo forças, e se fortalecendo para lutar e promover mudanças!
Campanha #SerMulherEmTech
Logo que lançamos nosso site e nossa página no Facebook, começamos a receber diversas mensagens de mulheres que estudavam ou trabalharam no setor, desabafando sobre as dificuldades que enfrentavam diariamente. Situações absurdas como as que você leu no início deste texto. (Tem mais na nossa reportagem especial Mulheres enfrentam preconceito e isolamento em cursos de computacão)
A campanha #SerMulherEmTech foi a maneira que encontramos para dar voz a essas histórias e promover a troca de experiências e de apoio entre essas mulheres. Acreditamos que a informação é o primeiro passo para transformar o que está aí. Queremos abrir espaço para o debate e mostrar que as violências, tão naturalizadas, não devem ser toleradas e precisam ser enfrentadas.
Iana Chan é jornalista e co-fundadora da PrograMaria.
Arte: Alessandra Genualdo
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