Enquanto as taxas de homicídios entre as brancas diminuem, as de mulheres e meninas negras tiveram uma alta de 19,5% em dez anos; Djamila Ribeiro explica por que
O “Mapa da Violência 2015 – Homicídios de mulheres no Brasil” mostra um assustador incremento nas taxas de homicídios de mulheres negras. Nas periferias, a desconfiança da rede de proteção e da polícia é grande e muitas vezes dificulta o atendimento das mulheres em situação de violência, como mostra a reportagem “A fogueira está armada pra nós”. Para refletir sobre isso, a Pública entrevistou a feminista Djamila Ribeiro, mestre em Filosofia Política.
O Mapa da Violência de 2015 mostra que entre 2003 e 2013 as taxas de homicídio de brancas caíram de 3,6 para 3,2 por 100 mil – queda de 11,9% –, enquanto as taxas entre as mulheres e meninas negras cresceram de 4,5 para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%. Com isso, a porcentagem de vítimas negras, que era de 22,9% em 2003, cresce para 66,7% em 2013. O que esses dados estão nos dizendo?
Os dados evidenciam que as políticas públicas de combate à violência contra a mulher não estão atingindo as mulheres negras, ou seja, não se está pensando na realidade dessas mulheres, que são maioria no Brasil, na hora de criar [essas políticas]. Isso aponta para o que as feministas negras vem dizendo há décadas: não se pode universalizar a categoria mulher, mulheres são diversas, e as mulheres negras, por conta do machismo e racismo, acabam ficando num lugar de maior vulnerabilidade social. Um outro problema é que o próprio movimento feminista parece ainda não ter entendido que as questões das mulheres negras não podem mais ser tratadas como apêndices, precisam ser centrais. É preciso romper com essa tentação de universalidade que exclui.
A rede de proteção está falhando mais com as mulheres negras?
É necessário racializar as políticas de gênero. A mulher negra vem sendo violentada desde o período colonial, estupros foram cometidos sob a égide da miscigenação. Criaram-se os estereótipos da mulher negra como a “boa de cama”, “quente”. Essas violências, que também são confinadores sociais, desumanizam essa mulher.
Você acha que as mulheres moradoras de periferias confiam na polícia e no Estado para fazer essa proteção? Pergunto isso porque essa é uma fala recorrente das meninas e mulheres com quem conversamos nos bairros pobres de São Paulo: de que o Estado e a polícia estão na periferia não para proteger, mas para incriminar. Como você enxerga esse cenário?
Sim, muitas mulheres negras periféricas não confiam na polícia e no sistema judiciário, até porque esse braço do Estado vem exterminando seus filhos, companheiros. Dos jovens de 15 a 29 anos que são assassinados no Brasil, 77% são negros. Mulheres periféricas convivem diariamente com essa realidade violenta. E o sistema judiciário, do modo como está posto, não é uma questão de justiça, e sim de poder. Muitas sequer tem condições de acessá-lo. Isso não quer dizer que as leis criadas, como a Maria da Penha e a do feminicídio, não são importantes. Isso quer dizer que esse sistema tem limites, acaba atingindo as mulheres que possuem privilégios sociais, haja vista que diminuiu em 10% o número de assassinatos de mulheres brancas.
E sobre a prevenção da violência contra a mulher? Acredita que a gente tem hoje políticas públicas de prevenção ou elas são mais voltadas à punição?
É preciso pensar em políticas de prevenção, a gente continuar lutando por uma educação não sexista nas escolas, o que pode, a longo prazo, promover uma transformação de mentalidade. Em alguns estados, há programas voltados para homens agressores, o que considero positivo.
Por que as mulheres continuam morrendo no Brasil?
As mulheres continuam morrendo no Brasil porque as violências muitas vezes são naturalizadas; muitas realidades, como a das mulheres negras, por exemplo, sequer foram nomeadas ou foram tardiamente. E não se resolve um problema que sequer é nomeado. E eram nomeados pelas mulheres negras, mas essas mulheres demoraram a ser vistas como sujeitos políticos. O machismo e o racismo estruturam todas as relações sociais, e é preciso existir um debate maduro em relação a isso. Tanto machismo como racismo são institucionais, e por isso ainda encontramos muita dificuldade para combatê-los.
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