Ex-primeiro-ministro da Itália tenta evitar que uma gestante participe da campanha à prefeitura
PABLO ORDAZ
Roma 16 MAR 2016
Berlusconi, em 2009, com a aspirante Meloni, agora grávida. Stefano Rellandini AP
A discussão causa rubor por si mesma: pode uma mulher ser mãe e prefeita de Roma ao mesmo tempo? O ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi tem clara a questão: “Uma mãe não pode dedicar-se a um trabalho que a ocupa 14 horas por dia. Um trabalho que seria terrível porque Roma está em uma situação desastrosa”. O multimilionário e ainda líder do partido Força Itália entrou assim em uma polêmica suscitada pelo fato de que Giorgia Meloni, líder do partido ultraconservador Irmãos da Itália e em avançado estado de gestação, anunciou sua intenção de integrar a chapa da centro-direita, liderada pelo favorito de Berlusconi, Guido Bertolaso, um médico que chegou a ser chefe da Defesa Civil.
Bertolaso, perguntado na televisão se queria Meloni como vice-prefeita, foi taxativo: “Não. Meloni tem que ser mãe, a coisa mais bonita que pode acontecer a uma mulher na vida. E não ter que ocupar-se dos buracos de Roma, da sujeira, do tráfego, dos ratos, da criminalidade e tudo o mais”. Um dia antes, em relação a outros comentários e atitudes machistas, a ministra da Saúde, Beatrice Lorenzin, havia reagido: “A Itália não é um país para mulheres”.
“O que está acontecendo nestes dias”, disse a ministra do Governo de Matteo Renzi, “é incrível e revela uma misoginia de fundo”. A ministra Lorenzin se referia à discussão sobre a idoneidade de Meloni em razão de sua gravidez, mas também aos insultos recebidos por Patrizia Bedori, candidata até dois dias antes do movimento 5 Estrelas (M5S) à prefeitura de Milão. “Chamaram-me de tudo, desde feia e gorda até dona de casa e desempregada”, denunciou Bedori, que –pressionada também pelas disputas internas da legenda de Beppe Grillo– decidiu, por fim, renunciar à candidatura.
A ministra da Saúde, Beatrice Lorenzin, reagiu às declarações machistas: “A Itália não é um país para mulheres”
Diante da situação criada, e amplificada pelas declarações de Berlusconi, também perguntaram ao primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, se uma mulher pode compatibilizar um alto cargo na política com a maternidade. Sua resposta foi: “Desde já, sim, absolutamente”. Também a ministra de Reformas Constitucionais, Elena Boschi, expressou pelo Twitter sua solidariedade a Meloni e Bedori: “Quando se pediu a um candidato homem que se retire porque não é telegênico? Ou por que vai ser pai?”.
Em uma entrevista ao EL PAÍS, Laura Boldrini, presidenta da Câmara dos Deputados da Itália, expressou grande preocupação com um machismo que ela também diz estar implícito na linguagem: “Aqui na Itália me chamam de senhor presidente, mas eu gostaria que me chamassem pelo menos de senhora presidente, mas até isso se considera um capricho de feministas. Peço respeito a meu gênero. Nossa língua, que vem do latim, declina e permite isso. Por trás do ‘senhor presidente’ se esconde o não querer aceitar que certos papéis institucionais possam ser ocupados por uma mulher. É preciso levar a linguagem muito em conta porque as palavras são como pedras e às vezes podem causar muito dano”.
Segundo o observatório político Openpolis, somente 14% das cidades italianas têm uma mulher como prefeita, e nenhuma delas supera os 300.000 habitantes. A situação pode mudar se, como preveem as pesquisas, Virginia Raggi, a candidata do M5S, se tornar a próxima prefeita de Roma.
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