Infraestrutura adequada e inserção no mercado de trabalho são pontos fundamentais para a integração das pessoas com deficiência na sociedade. Mas não garantem uma inclusão total – é preciso também valorizar a autoestima deste grupo.
por Larissa Teixeira em
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A vontade de contribuir para esta causa estimulou Inayê Jorge Gomes de Brito e Julia Harumi Sato, formadas em 2010 pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, a desenvolverem uma grife de roupas dedicada às pessoas com deficiência. Ao conquistar a quarta colocação no concurso Bezgraniz Couture Award 2012, realizado no mês de maio em Moscou, na Rússia, elas demostraram como algo tão simples como roupas adaptadas – e bonitas – podem fazer uma grande diferença.
“Com as políticas de inclusão atuais e o aumento de trabalhadores com deficiência no mercado, sentimos uma necessidade de mudança da visão da sociedade em relação ao acesso, seja pela estrutura, arquitetura, oferecimento de serviços ou pela moda”, afirmam as alunas.
Moda inclusiva
Ainda muito incipiente, a moda inclusiva ganhou maior visibilidade com o Concurso Moda Inclusiva realizado há quatro anos pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, o primeiro desse tipo no Brasil.
“A moda chamada de inclusiva surge da necessidade de atender pessoas que têm algum problema de locomoção ou de visão e precisam de outras opções de vestuário para poder ter uma vida normal”, afirma Cládia Vicentini, professora do curso de moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.
Segundo ela, o princípio é basicamente o mesmo, mas reserva particularidades no processo de criação, como aponta:
“Um cadeirante, por exemplo, tem uma limitação de movimento. Ele precisa de outras possibilidades: uma modelagem ou fechamento diferente, tecidos ou acabamentos confortáveis.”
Porém, ela destaca que o modo como um deficiente visual ou uma pessoa na cadeira de rodas encara o mundo é totalmente diferente da nossa forma de enxergá-lo, o que exige do estilista uma inserção no universo da pessoa, um “se colocar no lugar dela”. “No processo criativo isso faz muita diferença. O repertório para criar é outro. Serão usadas as mesmas tendências de moda, mas talvez não os mesmos tecidos, não todos os volumes e as formas.”
Cláudia conta que chegou a dar aulas de percepção tátil em uma universidade para estimular essa inserção. “Eu colocava vendas dos olhos dos alunos e eles andavam pelos corredores da faculdade. Muitos sentiam um desconforto, um estranhamento. É essa sensação que é preciso para criar as roupas: como essa pessoa percebe o mundo?” Para ela, o próprio termo “moda inclusiva” já estaria indicando que essas pessoas não estão inseridas na sociedade. “Essa realidade tem que fazer parte do cotidiano”, aponta.
Ex-Alunas
Para Júlia, a ideia de pensar a arte na visão de uma pessoa cega vem desde o ensino médio. “Fui movida pela curiosidade e descobri uma forma nova de ver o mundo. Entendi a importância da arte no dia-dia dessas pessoas.” Já Inayê começou a desenvolver trabalhos na faculdade e viu no concurso de São Paulo a oportunidade de fazer algo que gostava contribuindo, ao mesmo tempo, para desenvolver o conceito de igualdade social na moda.
Quando as alunas perceberam que tinham projetos em comum na área, resolveram se unir e criaram a marca Lira de Moda Inclusiva. Segundo elas, a marca trabalha com a ideia da roupa adaptada como aquela que possui detalhes e soluções que contribuem de alguma forma para o desenvolvimento e independência da pessoa que a usa.
“Para desenvolver as peças, seguimos o conceito de design universal, ou seja, as roupas possuem adaptações importantes, mas que são imperceptíveis e, além de incluírem essa parcela de consumidores no mundo da moda, também não excluem, pois podem ser utilizadas por mulheres sem deficiência”, afirmam.
A marca representou o Brasil e conquistou o quatro lugar na segunda edição do Bezgraniz Couture Award 2012, concurso de moda inclusiva realizado na Rússia. A coleção que garantiu lugar na final foi inspirada em aves brasileiras.
Elas contam que o curso de Têxtil e Moda foi fundamental para o sucesso, oferecendo uma visão ampla do mercado combinada com o fato de cursarem uma universidade pública e pensarem mais em questões sociais. “Todos estes anos pesquisando e nos dedicando a projetos de moda inclusiva resultaram em uma das melhores coleções do concurso. Foi um orgulho muito grande representar nosso país entre profissionais de peso e casas de moda já consolidadas no mercado”, completam.
Atualmente, Julia faz um curso de aperfeiçoamento em moda na Central Saint Martins em Londres e Inayê, mestrado de Indústria Criativa com foco em Moda Inclusiva na Universidade Russa da Amizade dos Povos (RUDN). Para os próximos anos, elas planejam continuar com projetos na área, além de atuar em consultoria para ajudar marcas já existentes e a se adaptarem para atender o público deficiente.
Mais informações: (11) 3091-8161, email lirainclusiva@gmail.com, site www.lirainclusiva.com (em construção).
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