Em uma sociedade onde imperam os juízos de valor a autenticidade é importante
MIRIAM SUBIRANA
19 MAR 2016
Nos anos que tenho de experiência acompanhando pessoas em seu desenvolvimento pessoal observo que há certas perguntas que praticamente todos nós fazemos em algum momento da vida e que ocorrem desde a Antiguidade. Tendemos a remoer questões como “Quem sou eu realmente?” ou “Como posso conseguir ser eu mesmo?” Há uma tendência a se martirizar, a funcionar sob crenças que nos bloqueiam e causam estresse ante a mudança e a incerteza. As pessoas muitas vezes se guiam pelo que acreditam que deveriam ser, e não pelo que realmente são. Vivem condicionadas demais pelos julgamentos dos outros e tentam pensar, sentir e se comportar da maneira que o outro pensa que devem fazer. É como se quiséssemos ser quem não somos.
O Ocidente criou uma sociedade competitiva em que aspiramos ao o sucesso e à excelência, e não se aceita bem o fracasso. Desde a infância aprendemos jogos de competição e somos considerados por outros como hábeis ou desajeitados, bons ou ruins. Na escola somos julgados por professores e colegas. Sentimos a pressão de termos que ser o número um na nossa turma, no esporte, em suma, no nosso âmbito. Em vez de desfrutar de cada etapa, nos concentramos em tentar vencer para alcançar o primeiro lugar em tudo, e isso vai moldando a identidade de cada um.
Para enfrentar a vida é preciso abandonar as barreiras defensivas
O papel dos pais também é básico: frases como "isso é bom", "não seja mau" ou "isso não se faz" são típicas no vocabulário dos progenitores. Mas o excesso desse tipo de indicações pode prejudicar o caráter da criança. Crescemos dando importância à opinião dos outros e a seus olhares, uma vez que determinam o nosso valor na comunidade. Uma vez na universidade e no mercado de trabalho, o número de maneiras em que podemos fracassar aumenta substancialmente. Cada encontro com alguém pode nos lembrar de algo em que sejamos inadequados. Do estilo de roupa ao corte de cabelo. Alguém irá dizer-lhe para relaxar e aproveitar, outro reclamará que você não trabalha o suficiente e está desperdiçando seu talento; alguém vai recomendar que se concentre na leitura ou que se dedique mais aos estudos. Por outro lado, a imagem que os meios de comunicação projetam também pode gerar frustrações pessoais. Sua pressão está normal? Tem viajado o bastante? Cuida da sua família? Está em dia com a política? Seu peso é adequado? Faz esporte o suficiente? Viu o último filme de maior bilheteria? Esse tipo de perguntas faz a pessoa sentir que não está à altura das circunstâncias.
O filósofo existencialista Sören Kierkegaard (1813-1855) observou que a forma mais profunda de desespero é o de quem decidiu ser alguém diferente. O psicoterapeuta norte-americano Carl R. Rogers disse a respeito: "No extremo oposto ao desespero está desejar ser quem realmente se é; nessa escolha se encontra a mais profunda responsabilidade do ser humano".
Quando o indivíduo decide mostrar sua verdadeira personalidade deve ter consciência de qual visão tem dele mesmo. Quando conseguimos ter essa imagem realista não nos afogamos com metas inatingíveis nem nos menosprezamos com propósitos que nos diminuem. Para isso devemos considerar metas apropriadas ao nosso caráter. Um exemplo: quem quer perder peso mas não se vê mais magro. Por mais esforço que faça não será duradouro e voltará a engordar, porque ainda não se vê mais magro. Se quer perder peso realmente você tem que mudar a imagem que tem de si mesmo e modificar certos hábitos mentais e comportamentais.
Para ser você mesmo é necessário se conhecer e ter a consciência de até que ponto a imagem que você tem de si mesmo coincide com o seu eu verdadeiro e autêntico. Trata-se de deixar de se ver como uma pessoa inaceitável, indigna de respeito, inútil, pouco competente, sem criatividade, obrigada a viver segundo regras estranhas a você. Devemos aceitar as imperfeições. Quando conseguir se ver como alguém com falhas que nem sempre age como gostaria, aproveitará mais e se cuidará melhor.
Os epicuristas gregos apontavam a importância de se exercitar ao evocar a memória de prazeres passados para se proteger melhor dos males atuais. Sem ir tão longe, a indignação apreciativa, um método com base na nova psicologia positiva que surgiu na década de oitenta, nos convida a buscar as experiências mais significativas de nossas vidas, descobri-las e revivê-las. Todos nós já tivemos uma história positiva e significativa. Resgatá-la do passado e apreciá-la no presente nos dará confiança. Por outro lado, para poder ser você mesmo é preciso conhecer o seu núcleo vital, ou seja, tudo aquilo que te move e te motiva a seguir em frente. Essa essência vital te enche de esperança, enquanto quem vive em suas sombras acaba se desesperando, fica angustiado, se desliga e se deprime. Pode até mesmo se tornar agressivo consigo mesmo. Nietzsche disse a respeito: "O falso amor de si mesmo transforma a solidão em prisão".
PARA SABER MAIS
Livros
‘A hermenéutica do sujeito’
Michel Foucault
(Akal; Madri, 2005)
‘O processo de converter-se em pessoa’
Carl R. Rogers
(Paidós; Barcelona, 2014)
Quando isso acontece, é fácil a pessoa se enclausurar em seu pequeno mundo, onde sua percepção se torna turva porque se desconectou do importante núcleo vital. Em seguida vêm a cabeça perguntas como essas: “O que devo fazer nessa situação, segundo os outros? ou “O que esperariam meus pais, meu parceiro, meus filhos e meus professores que eu fizesse?” Nesse estado se age segundo padrões de comportamento que, de certa forma, nos foram impostos pelas pessoas que nos rodeiam. Isso causa repressão e a capacidade criativa é prejudicada. Então é fácil entrar em rotinas para "parecer bem", e se deixa de explorar novas possibilidades.
Quando a pessoa consegue se conectar novamente a si mesma torna-se mais criativa e as perguntas mudam: “Como experimento isso? “O que isso significa para mim?” “Se eu me comportar de uma certa maneira, como posso começar a perceber o significado que terá para mim?” Ou seja, finalmente deixou de pensar sobre o que os outros estavam esperando e começa a considerar o que você realmente quer. Isso requer abandonar as barreiras defensivas que enfrentou ao longo de sua vida e experimentar o que está escondido dentro de você. Então poderá começar a se tornar uma pessoa mais aberta, desenvolverá uma maior autoconfiança, aceitará as diretrizes de avaliação interna, aprenderá a viver participando do processo dinâmico e fluente que é a vida.
Ser você mesmo e viver sem máscaras implica sinceridade e autenticidade. Para o jesuíta Francisco Jálics, ser autêntico é mais valioso do que ser sincero: a pessoa sincera diz o que pensa; a autêntica, porém, o que efetivamente sente.
Para ser você mesmo é preciso ser soberano da própria personalidade, ou seja, totalmente autônomo e plenamente próprio. Para isso, além de remover as máscaras, você deve se livrar de maus hábitos e de opiniões falsas. Deve desaprender. Os filósofos da Antiguidade aconselhavam incorporar as seguintes práticas para alcançar essa independência mental: acender a luz da razão e explorar todos os cantos da alma, filosofar, ter tempo para cuidar de si mesmo, prestar atenção a cada uma das nossas necessidades, evitar as falhas ou os riscos, estabelecer relações consigo mesmo, adquirir a coragem que lhe permitirá lutar contra as adversidades, cuidar-se de forma a se curar e transformar esses exercícios mentais em uma forma de vida. Como dizia o filósofo grego Epicuro, nunca é cedo demais nem tarde demais para cuidar da própria alma.
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