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terça-feira, 1 de janeiro de 2019

As mulheres fotógrafas



'Deusa'. Ibiúna, 2018Ver galeria de fotos
'Deusa'. Ibiúna, 2018 MEL COELHO
Em uma sociedade cujo princípio de igualdade fosse uma realidade e não uma utopia, este artigo teria probabilidades parelhas de ser escrito por uma fotógrafa ou um fotógrafo, uma crítica ou um crítico fotográfico. Infelizmente as oportunidades de trabalho e acesso a postos de trabalho são determinadas por um sombrio mecanismo de opressão e discriminação produtor de violentos processos que fortalecem a desigualdade entre gêneros. Não devemos nos omitir frente a esta dívida histórica. Tomar consciência é agir com responsabilidade. No mundo todo, um fatia significativa da sociedade é marginalizada e sofre com estigmatização e marginalização. Mulheres, LGBTQI, negros, e todos aqueles descolados do padrão masculino branco predominante e arcaico, como a ideia de raça ariana defendida por Hitler. Devemos combater essa corrente e reequilibrar o jogo de mãos dadas a militância colaborativa na qual as pessoas são respeitadas por sua singularidade, de maneira não binária.

A Women Photograph (WP), iniciativa online que reúne mais de 850 fotógrafas documentais ao redor do mundo, constatou que na edição das melhores imagens de 2018 das agências de notícias internacionais a representatividade das mulheres foi inferior a 10%. Entre essas: na Associated Press cerca de 12%; na Reuters esse número foi de 15%; enquanto na Agence France Presse apenas 3% das imagens publicadas foram clicadas por fotógrafas. No período de julho a setembro de 2018 as publicações globais, como The New York Times, publicaram na primeira página singelos 17% de fotos feitas por mulheres. No francês Le Monde, das 78 imagens publicadas apenas 6 foram feitas por fotógrafas! Para Daniella Zalcman, fotógrafa e fundadora do WP, a receita é simples e básica: “Para reverter essa realidade as organizações midiáticas simplesmente precisam contratar mais mulheres e fotógrafos das classes marginalizadas como gays, negros e homossexuais”.
As estatísticas apresentadas pela WP apontam que atualmente apenas 15% dos fotojornalistas em atividade no mundo são mulheres. É premente uma inversão de valores que destitua os homens brancos da tomada de decisões. A solução é conhecida no mundo do trabalho e nas análises feministas, e crava Zalcman: ”Não é tão difícil. Temos que ajudar mulheres a ter fundos específicos e criar redes para nos conectarmos para além das fotógrafas do ocidente. Criar oportunidades como: portfolio reviews, workshops, treinamentos, financiamentos, mentor programs.” A Women Photograph visa alterar aos poucos o panorama global. “Temos que pensar nisso como um problema holístico, que afeta todo um sistema. Esse é o problema do fotojornalismo, ou seja continuar, assim, homogêneo e masculino”, reflete a fotógrafa.


Erieny, 8 anos, na comunidade quilombola da Tapagem, no município de Oriximiná, Pará, em 7 de setembro de 2018. A comunidade, que existe desde os anos 90, está em processo de regularização do título no Incra desde 2004, algo que pode estar sob ameaça diante do novo governo de Jair Bolsonaro, que já declarou ser contra demarcações de terras indígenas e quilombolas. @patriciapmonteirover fotogalería
Erieny, 8 anos, na comunidade quilombola da Tapagem, no município de Oriximiná, Pará, em 7 de setembro de 2018. A comunidade, que existe desde os anos 90, está em processo de regularização do título no Incra desde 2004, algo que pode estar sob ameaça diante do novo governo de Jair Bolsonaro, que já declarou ser contra demarcações de terras indígenas e quilombolas. @patriciapmonteiro 

O cenário de disparidade entre gêneros na imprensa é um fenômeno global que parece se acentuar nos países semi-periféricos. No Brasil por exemplo, dos três maiores jornais impressos apenas 5 fotógrafas fazem parte do corpo fixo de profissionais. “Embora eu acredite que o desequilíbrio entre os sexos está sendo corrigido ligeiramente e mais rapidamente nos países ocidentais, penso que ainda há um longo caminho a percorrer. Em muitos aspectos, as grandes publicações são responsáveis pela desigualdade porque têm o maior poder de contratação e os maiores orçamentos globais e, portanto, definem quem fará os trabalhos”, analisa Zalcman.
Se na Europa e nos Estados Unidos, em algumas publicações, parece haver uma política clara de equilibrar a quantidade de assignments entre gêneros, aqui no Brasil esta realidade ainda parece estar distante dos grandes veículos impressos nos quais as tomadas de decisão são feitas prioritariamente por homens. Na contramão desta lógica, no EL PAÍS Brasil, assim como outras publicações nacionais, as mulheres estão à frente da redação e, portanto, têm o poder de contratar mais mulheres para fotografar as reportagens. “Continuamos a ver essa prática profundamente colonial de não somente empregar apenas homens predominantemente, mas sobretudo empregar predominantemente homens brancos para contar histórias. Isso significa que continuamos a ter uma perspectiva unilateral das notícias, sejam elas políticas, guerras, moda ou esportes” sintetiza Daniella Zalcman.


A imagem foi tirada em novembro2018 na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no estado de Roraima. A área é fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela. @teresa_maia
A imagem foi tirada em novembro/2018 na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no estado de Roraima. A área é fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela. @teresa_maia 

“Um problema crucial que continuamos a ver em países como o Brasil, e na maioria dos países do mundo, é que o acesso à imprensa internacional e aos principais festivais de fotografia que realmente são capazes de lançar a carreira de um jovem fotógrafo já se apresentam como uma grande barreira financeira e geográfica”, diz Daniella. A divisão internacional do trabalho é também sexual. Os países centrais oferecem melhores condições para jovens profissionais se formarem. “Há uma barreira adicional para entrar no fotojornalismo e ter seu trabalho visto por editores de fotos e curadores para jovens fotógrafas negras que estão tentando invadir os espaços historicamente ocupados por homens brancos”, pontua Zalcman.
Se no Brasil a situação é caótica, nos países africanos essa realidade é imensamente mais opressora. Para mudar essa lógica predominante é necessário mudarmos as atitudes da realidade microscópica em nossos cotidianos, mas também criando políticas macroscópicas mais inclusivas e heterogêneas nas tomadas de decisão. Falar sobre isso gera consciência e logo uma consequente capacidade de transformação e pressão na hegemonia vigente. “Eu discuto consistentemente com a curadoria intencional e contratação intencional com as pessoas e editores até que realmente começamos a empurrar para trás esses números”, finaliza Daniella. Sim, há um longo caminho a ser percorrido. Cumpramos, cada um, nosso dever com essa dívida histórica.
Mais em: www.womenphotograph.com / @womenphotograph / @dzalcman

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