24/12/2018
A delegada Eugênia Villa, de 55 anos, é um rosto conhecido no enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. De Teresina (PI), ela lidera as ações do estado para reduzir os feminicídios e outras formas de violência baseadas em gênero.
Há quatro anos na Secretaria de Segurança Pública, ela acumula importantes feitos, como a criação da primeira delegacia de investigação de feminicídios do Brasil e de um aplicativo de celular por meio do qual vítimas de violência podem acionar um botão de pânico e pedir socorro direto às forças policiais.
Leia a entrevista completa, feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no contexto do #DiaLaranja pelo fim da violência contra mulheres e meninas, promovido pela ONU Brasil.
A delegada Eugênia Villa, de 55 anos, é um rosto conhecido no enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. De Teresina (PI), ela lidera as ações do estado para reduzir os feminicídios e outras formas de violência baseadas em gênero.
Há quatro anos na Secretaria de Segurança Pública – como secretária interina de janeiro a abril de 2015 e como subsecretária desde então –, ela acumula em seu currículo importantes feitos, como a criação da primeira delegacia de investigação de feminicídios do Brasil e de um aplicativo de celular por meio do qual vítimas de violência podem acionar um botão de pânico e pedir socorro direto para as forças policiais.
Algumas dessas iniciativas ganharam destaque nacional e fizeram da delegada da Polícia Civil piauiense uma referência na gestão da segurança. Esta história começa em 2001 quando, depois de alguns anos trabalhando como arquiteta, ela decidiu se lançar em uma nova carreira.
“Queria ter uma velhice mais tranquila e a arquitetura não ia me propiciar isso. Foi então que, aos 30 anos, eu prestei vestibular para Direito”, conta.
A decisão teve influência da família, já que ela tem pai, mãe e irmãos procuradores. A Polícia Civil foi a primeira oportunidade logo depois da graduação.
Enquanto atuava na Corregedoria da Polícia Civil, Eugênia Villa deparou-se com um caso de violência doméstica emblemático. Um colega mostrou-lhe como prova de um crime um pedaço da orelha de uma mulher.
“Ela havia sido mutilada pelo marido. E o pior: a agressão teria acontecido com sua permissão porque ela se considerava merecedora da punição”, contou, ainda indignada, quase duas décadas depois.
A partir daí, Eugênia dedicou-se a diminuir as distâncias entre a realidade da violência e a dogmática jurídica, algo de que sentiu falta no curso de Direito.
De 2012 a 2014, dedicou sua pesquisa de mestrado a compreender como as linguagens e ações policiais contribuem para minimizar a complexidade dos crimes de gênero. Desde 2016, já no doutorado, tem aprofundado os estudos nessa direção.
“O confisco da voz da vítima nas práticas policiais faz com que nós não enxerguemos os assassinatos das mulheres”, explicou.
Gestão baseada em evidências
Uma das medidas adotadas para contornar esse obstáculo foi a realização, em 2015, do Mapa do Feminicídio no Piauí.
O estudo identificou um padrão desse crime no estado: as mulheres eram assassinadas em casa, com faca, pelo companheiro, durante o fim de semana, principalmente no domingo, e nunca tinham ido a uma delegacia ou qualquer outro órgão do poder público em busca de proteção. “As mulheres estavam morrendo em silêncio”, declarou.
Como reação a essas evidências, em 2016 criou-se o Plantão Metropolitano de Gênero na capital, no qual mulheres delegadas, agentes e escrivães oferecem atendimento 24 horas para mulheres cisgêneras, trans e travestis, além de crianças vítimas de violência.
“O plantão é importante para quem busca ajuda, mas ainda tínhamos o desafio de entrar nas casas das mulheres”, declarou.
Foi então que, em 2017, a Secretaria de Segurança Pública do Piauí desenvolveu e lançou o aplicativo de celular Salve Maria, cujo uso é gratuito.
Entre outras funções, o Salve Maria possui um botão do pânico. Quando acionado, o aplicativo notifica o Centro de Operações da Polícia Militar, a Delegacia da Mulher (ou a delegacia regional no caso de cidades do interior) e o Batalhão da Polícia Militar.
As autoridades recebem também um mapa com a localização exata da vítima, o que permite enviar a viatura mais próxima ao local da ocorrência. Há também as funções de denúncia e de orientações sobre violência contra as mulheres.
Investigação qualificada
Em paralelo às ações de prevenção e atendimento a vítimas, Eugênia liderou esforços para melhorar a investigação dos crimes de feminicídio.
Depois da experiência-piloto da aplicação das diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres (feminicídios), o Piauí adotou nova metodologia para lidar com esses crimes.
Entre as mudanças, a delegada destacou que o número de quesitos do laudo cadavérico realizado ainda no âmbito da polícia passou de cinco para 23, além da adoção de uma perspectiva de gênero na recognição visuográfica — informações sobre o estado dos corpos encontrados e as condições do local do crime.
Essa perspectiva tenta descrever o espaço a partir das relações de poder que, em geral, estão presentes nos assassinatos de mulheres, mas que poderiam ser negligenciadas por investigações e diligências que não tivessem as relações de gênero como eixo orientador.
“Esse esforço visa entregar ao Ministério Público um inquérito policial livre do discurso velado de assassinato por defesa da honra. Isso permite que o MP ofereça corretamente a denúncia e que o Judiciário também se pronuncie de forma correta”, afirmou.
Prêmios
Aliadas a planos de segurança, as ações renderam ao estado reconhecimento de instituições que se dedicam a encontrar soluções mais eficazes para a violência de gênero.
O Salve Maria recebeu o E-Gov em 2018, prêmio concedido pelo Ministério do Planejamento para o desenvolvimento de soluções de governo eletrônico nas administrações públicas.
Antes disso, em 2017, o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Violência de Gênero – criado em 2015 no âmbito da Polícia Civil – recebeu o selo Práticas Inovadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em novembro de 2018, Eugênia Villa foi uma das três finalistas do Prêmio Viva, concedido pelo Instituto Avon e pela Revista Marie Claire, na categoria enfrentamento à violência.
O uso de ferramentas científicas é, de acordo com a delegada, um dos trunfos das soluções que vêm sendo adotadas no Piauí.
Eugênia reconhece, porém, que todo o esforço para prevenir e melhorar a investigação da violência contra as mulheres não teria o mesmo efeito se ela não ocupasse um cargo de decisão política.
“É preciso que a ousadia seja baseada em pesquisa científica. Tive apoio incondicional de meus colegas de governo, do governador. Mas é preciso ter a caneta na mão. As mudanças que conseguimos na legislação e na institucionalização das políticas públicas não podem mais retroceder”, concluiu.
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