A história da mulher que perdoou o assassino de sua filha e neto e vem inspirando outras pessoas a superarem a dor e o ódio após uma tragédia
Marie claire 28.12.2018 - POR G.LAB PARA BANCO DO BRASIL
É melhor estar firme diante de Agnes Furey. A pequena octogenária de aparência frágil tem um abraço forte e histórias de tirar o fôlego. Irlandesa radicada nos Estados Unidos, moradora da cidade de Tallahassee, no estado da Flórida, Agnes inspira gente por onde passa. A enfermeira aposentada assumiu a missão de ensinar que o diálogo entre vítima e agressor pode ajudar a reparar os danos causados por uma tragédia. No mês de novembro, participou do projeto Inspira BB, promovido pelo Banco do Brasil no Rio e em São Paulo. No Rio, o encontro foi realizado em parceria com o jornal O GLOBO.
Agnes conheceu a dor da perda de um filho pela primeira vez ainda jovem, em 1960, quando a pequena Margaret morreu aos três meses, provavelmente vítima da doença hoje conhecida como Síndrome de Morte Súbita. O filho Frank, portador do vírus HIV, não resistiu a um tumor no cérebro, em 1996. Em 1998, Patricia, a filha mais velha, e o neto Chris, de 6 anos, foram assassinados por um homem chamado Leonard Scovens, viciado em crack. Patricia o conhecera em um programa de reabilitação e tentava ajudá-lo. Em março de 1999 Leonard foi condenado à prisão perpétua.
Agnes Furey passou por um período de depressão e grande dificuldade para suportar a dor.
– Nos dias após o assassinato, eu disse a um amigo: um dia ainda falarei com aquele homem e ele vai me ouvir – conta Agnes.
Scovens recebeu a primeira carta de Agnes em 2005 e ambos seguiram trocando correspondências. Ele contou sua trajetória de abuso na infância e como se viciou em drogas. O conteúdo das cartas transformou-se no livro Wildflowers in the Median, lançado em 2012 nos Estados Unidos e agora traduzido em português pela Agência O Globo.
Os dois construíram uma relação baseada no conceito da Justiça Restaurativa, segundo a qual o diálogo e o perdão podem ajudar a aplacar a dor decorrente de uma tragédia. Fundaram juntos o Achieve Higher Ground, organização que defende investimentos em recuperação, prevenção e reabilitação de traumas. Agnes enfatiza que nenhuma dor pode ser comparada a outra:
– Cada sofrimento é único e exclusivo, impossível fazer qualquer comparação entre as pessoas.
Arrependido, Scovens nunca teve coragem de pedir perdão a Agnes. Mas ela o perdoou.
E espera que um dia possa encontrá-lo pessoalmente, pois atualmente a penitenciária onde está preso não permite o encontro entre vítimas e agressores.
Entrevista: Agnes Furey
Que tipo de sentimentos ou emoções a fizeram começar a se comunicar com Leonard?
Queria conversar com Leonard, pois sabia que minha filha tinha motivos suficientes para tentar ajudá-lo. Ela queria que ele voltasse a um programa de tratamento. Eu o encontrei brevemente antes do crime e não tive uma boa impressão. Após tudo o que aconteceu queria saber quem era aquele jovem e como ele poderia ter feito uma coisa dessas. Eu também queria que ele soubesse que seu ato prejudicou muitas pessoas.
Você se tornou uma defensora da justiça restaurativa. Você já conhecia esse movimento? Quais são os seus benefícios?
Eu tinha ouvido falar tanto da Justiça Restaurativa quanto do diálogo vítima/ofensor, nem sempre a mesma coisa. Costumo falar das ondas de dano e das ondas de cura. Quando o dano for feito e a pessoa responsável estiver disposta a conversar com a pessoa prejudicada, muitas vezes são tomadas providências para reparar o dano. Quando a pessoa prejudicada toma a iniciativa, o causador do dano concorda e ambos recebem a assistência de um
facilitador, pode ocorrer uma conversa.
Por que acha que as pessoas ficam tão impressionadas com a sua atitude?
Porque é contrário ao que é frequentemente expresso na mídia. Na maioria das vezes a primeira reação é a raiva. Mesmo quando as pessoas boas querem ajudar, elas reagem com ódio. Muitas vezes a pessoa afetada, vítima ou sobrevivente, começa a perceber que não há nada que possa desfazer o terrível acontecimento e pensa: “OK, e agora?”. Então começa a fazer um movimento de explorar possibilidades como, por exemplo, realizar ações que possam impedir que outros eventos terríveis como este ocorram novamente.
Você é religiosa? A religião a ajudou a lidar com suas perdas?
Eu me considero uma espiritualista, pois não sigo mais uma religião específica. Deixei de ser católica e hoje posso dizer que acredito em todas as religiões. Acho que todas elas tem um objetivo comum. A fé me ajudou a lidar com as perdas, mas o perdão é um sentimento
interior e particular, e não deve ser imposto pelas religiões.
Você conhece mais pessoas que agiram como você? Acha que podem conseguir a cura?
Conheço várias pessoas e famílias que se engajaram em diálogo com o infrator. Descobri que o impulso de conversar e ouvir o ofensor não é incomum. Uma conversa voluntária pode ajudar a reparar o dano. Isso não é a cura. Algumas coisas não podem ser desfeitas e não podem ser curadas.
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