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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Paternidade socioafetiva x paternidade biológica

Bianca Garcia Fleming
Publicado em 01/2019
É possível o reconhecimento jurídico de paternidade socioafetiva e biológica em relação a um mesmo sujeito, de acordo como Princípio da Afetividade e Princípio do Melhor interesse da criança. Ocorre também à alteração do sobrenome do filho com o patronímico do pai, gerando diversos efeitos para o direito com o reconhecimento voluntário.

Palavras-chave: Biológica; Afetividade; Direito; Sobrenome;
ABSTRACT: It is possible the legal recognition of socio-affective and biological paternity in relation to the same subject, according to the Principle of Affectivity and Principle of the best interest of the child. It also occurs to change the surname of the child with the father's patronymic, generating several effects for the right with voluntary recognition.
Keywords: Biological; Affectivity; Right; Surname
SUMÁRIO: Introdução; 1. Família; 2. Origem e evolução da família; 2.1. Evolução da família no Código Civil de 1916 e no Código Civil de 2002; 3. Princípios do Direito das Famílias; 3.1. Dignidade da pessoa humana; 3.2. Liberdade; 3.3. Igualdade jurídica; 3.4. Solidariedade familiar; 3.5. Afetividade; 3.6. Melhor interesse da criança e do adolescente; 4. Filiação; 4.1. Reconhecimento voluntário; 4.2. Reconhecimento judicial; 4.3. Efeitos do reconhecimento; 5. Paternidade socioafetiva e posse do estado de filho; 6. Posição da jurisprudência; Conclusão; Referências bibliográficas.

O tema Paternidade Socioafetiva surge a partir do Princípio da Afetividade, que decorre do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A relação existente entre o filho e as pessoas que o conceberam é chamada de filiação. A filiação socioafetiva se refere à efetiva convivência, com características de afeto, respeito e demais direitos e deveres na ordem familiar.
A filiação é a relação de parentesco consanguíneo ou não, que liga uma pessoa àquelas que a geraram ou a receberam como se tivessem gerado. Todas as regras sobre parentesco estruturam-se a partir da noção de filiação. A constituição de 1988 estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a distinção entre filiação legítima ou ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código Civil de 1916.
A adoção corresponde ao ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim. Há que se ressaltar que, além da filiação biológica ou natural, que é aquela que resulta da concepção, há também a filiação sociológica, que surge com a adoção. Esta tem embasamento legal no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e no Código Civil Brasileiro.

FAMÍLIA

Primeiramente, cumpre-nos conceituar o que seja família; para tanto, nos valeremos da conceituação dada por De Plácido e Silva[1] em seu dicionário jurídico, que nos traz a seguinte definição:
Família: Derivado do latim família, de famel (escravo, doméstico), é geralmente tido em sentido restrito, como a sociedade matrimonial, da qual o chefe é o marido, sendo mulher e filhos associados dela.
Neste sentido, então, família compreendem simplesmente os cônjuges e sua progênie. E se constitui, desde logo, pelo casamento.
Na tecnologia do Direito Civil, entanto exprime simplesmente a sociedade conjugal, atendida no seu caráter de legitimidade, que se distingue de todas as relações jurídicas desse gênero. E, assim, compreende somente a reunião de pessoas ligadas entre si pelo vínculo de consanguinidade, de afinidade ou de parentesco, até os limites prefixados em lei. Ou seja, o conjunto de pessoas vinculadas economicamente e submetidas à autoridade de uma pessoa, que as chefia e as representa.
Pedro Nunes[2] também trouxe a conceituação de família em sua obra Dicionário de Tecnologia Jurídica. Família seria um grupo de indivíduos que por consanguinidade descendem de um tronco ancestral comum, e que utilizam o mesmo sobrenome.
Segundo ensinamento do professor Carlos Roberto Gonçalves[3], o Código Civil apresenta definição restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco. A família contemporânea é formada por afeto e por laços consanguíneos, de acordo com as mudanças através do tempo, costumes e pelo direito.
Ainda segundo o citado professor[4], a família compreende os cônjuges ou companheiros, os parentes e os afins. Para fins sucessórios o conceito de família é restringido aos parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau.
E continua a respeito classificação dos vínculos familiares dentro da sociedade conjugal:
O conjugal, existente entre os cônjuges; o de parentesco, que reúne os seus integrantes em torno de um tronco comum, descendendo uns dos outros ou não; e o de afinidade, estabelecido entre um cônjuge e os parentes do outro. O direito de família regula exatamente as relações entre os seus diversos membros e as consequências que delas resultam para as pessoas e bens. O objeto do direito de família é, pois, o complexo de disposições, pessoais e patrimoniais, que se origina do entrelaçamento das múltiplas relações estabelecidas entre os componentes da entidade familiar.

ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

Carlos Roberto Gonçalves[5] entende que o modelo de família foi muito influenciado pela religião, economia, política e sociedade. De acordo com o momento histórico se tem uma ideia de família para sociedade.  A evolução da família se inicia originariamente quando o homem de modo primitivo se encontrava subordinado à natureza.  O homem e a mulher não tinham laços afetivos, já que o objetivo era a sobrevivência apenas.
A este respeito são os ensinamentos de Maria Berenice Dias[6]:
Manter vínculos afetivos não é uma prerrogativa da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de
perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todos têm à solidão. Parece
que as pessoas só são felizes quando têm alguém para amar.
Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural, em que os indivíduos se unem por uma química biológica, a família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito. No dizer de Giselda Hironaka, não importa a posição que o indivíduo ocupa na família, ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence - o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade.
Na Idade Média, as relações familiares eram profundamente influenciadas pelo Cristianismo, sendo o reconhecimento da unidade familiar vinculado ao casamento religioso. A influência religiosa se deu também na instituição do regime de bens, que foi instituído pelo Direito Canônico, segundo o qual a esposa tinha direito a parte do patrimônio do marido. Entretanto, como ressalta Carlos Roberto Gonçalves[7], a família continuava tendo a figura do homem como chefe, só que mais restrito seus poderes.
De acordo com Maria Berenice Dias[8]:
Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Era uma entidade patrimonializada, cujos membros representavam força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.
O direito brasileiro descende do sistema jurídico romano, onde a família era patriarcal, sendo a autoridade familiar representada na figura do homem, devendo os demais membros obedecê-lo, pois o homem detinha o poder sobre os filhos e a mulher, conforme Carlos Roberto Gonçalves[9].
Após a fase industrial, a família deixou de ser um modelo de produção. Modernamente, a família apresenta como característica a valorização do sentimento, que traz noção de afeto, cuja demonstração é feita mediante a vontade de estar perto de alguém, sendo à base da família, segundo o professor Carlos Roberto Gonçalves[10], havendo, portanto, a mudança do modelo patriarcal para as relações de solidariedade.

EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA NO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E NO CÓDIGO CIVIL DE 2002.

Conforme bem destaca Maria Berenice Dias[11], a família regulada no Código Civil de 1916 era a baseada no modelo existente e socialmente aceitável na época, ou seja, família era a constituída unicamente pelo matrimônio, discriminando as pessoas unidas sem casamento, estendendo esta discriminação aos filhos havidos dessas relações, sempre com o intuito de excluir direitos para, assim, buscar a preservação do casamento. Ressalte-se, também, que sob a égide do Código Civil Brasileiro de 1916, a dissolução do matrimônio não era permitida.
Segundo Maria Berenice Dias[12], a Lei nº 4.121/1962, que instituiu o Estatuto da Mulher Casada, foi muito importante para o Direito de Família, pois devolveu a mulher casada a plena capacidade e concedeu que os bens adquiridos com o fruto de seu trabalho fossem reservados, pois a igualdade entre homens e mulheres, a equiparação do casamento a união estável, a igualdade entre os filhos havidos dentro e fora do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações que só vieram com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, portanto, 26 (vinte e seis) anos após.
Paulo Lôbo entende que o modelo igualitário da família se diferencia do antigo modelo autoritário do Código de 1916. Caio Mário[13] traz alguns aspectos da Família nos artigos 226 a 230 da Constituição de 1988 dada por Paulo Lôbo:
a.  A proteção do Estado alcança qualquer entidade familiar, sem restrições;
b. A família, entendida como entidade, assume claramente a posição de sujeito de direitos e obrigações;
c. Os interesses das pessoas humanas, integrantes da família, recebem primazia sobre os interesses patrimonializantes;
d. A natureza socioafetiva da filiação torna-se gênero, abrangente das espécies biológica e não biológica;
e. Consuma-se a igualdade entre os gêneros e entre os filhos;
f. Reafirma-se a liberdade de constituir, manter e extinguir a entidade familiar e a liberdade de planejamento familiar, sem imposição estatal;
g. A família configura-se no espaço de realização pessoal e da dignidade humana de seus membros;

PRINCÍPIOS DO DIREITO DAS FAMÍLIAS

Os princípios são “(...) proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes. (...) são os alicerces, os fundamentos da ciência.”, conforme José Cretella Júnior[14].
De Plácido e Silva[15] conceitua princípios como sendo, no sentido jurídico, as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos, sendo preceitos fundamentais para proteção aos Direitos.  No mesmo sentido é a conceituação trazida por Pedro Nunes[16] em sua obra:
Princípios Gerais de Direito: Denominação genérica dos elementos que, aceitos e adotados universalmente como verdades axiomáticas, atuam na formação da consciência jurídica do homem da lei. Constituem – se através do estudo perfeito da ciência do direito. Inclusive o natural, sua análise e interpretação, da sociologia, da filosofia e das fontes mediatas dos costumes jurídicos do direito clássico, estudo jurídico feito à luz da cultura jurídica das noções mais adiantadas, e do qual resulta uma concepção nítida da regra a ser aplicada, para suprir as omissões do direito positivo vigente.
Passaremos a abordar alguns Princípios do Direito das Famílias no Direito Brasileiro.

3.1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Trata-se de um princípio de base constitucional, elencado no Título I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[17], que trata dos Princípios Fundamentais, em seu artigo 1º, III e, como norma constitucional que é, devemos observar a sua supremacia absoluta, bem como a sua prevalência como fundamento basilar da República, como leciona Ingo Sarlet[18], que obrigam especialmente o Poder Judiciário, no exercício de sua função interpretativa a aplicar a interpretação que lhe garanta a maior e mais ampla proteção e, não somente, a norma mais favorável.
Maria Berenice Dias[19] define este princípio como sendo um macroprincípio, de onde se irradiam princípios como o da liberdade, da autonomia privada, da cidadania, da igualdade e solidariedade, constituindo a base da comunidade familiar, responsável por garantir o desenvolvimento e realização de todos os seus membros, significando “igual dignidade para todas as entidades familiares”. E continua a referida professora:
No mesmo sentido, é o entendimento dos Tribunais, como se depreende do trecho do julgamento do Pleno do STF, no HC 91.361/SP, de Relatoria do Ministro Celso de Mello, retirado do Informativo nº 534 daquela casa, trazido pelo Ministro Alexandre de Moraes[20] em seu livro.
A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade.
Ressalte-se que foi com base neste princípio que o Supremo Tribunal Federal consagrou a ampla possibilidade de reconhecimento de paternidade e da filiação baseada na origem biológica, mesmo existindo previamente a paternidade socioafetiva, declarada ou não, em registro público, como bem destaca o Ministro Alexandre de Moraes[21].

3.2. LIBERDADE

O princípio da liberdade encontra amparo constitucional, estando previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988[22]. Ressalta Maria Berenice Dias[23]que todos têm a liberdade de escolher seu parceiro, independente do seu sexo, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família.
Essa liberdade que nos é garantida constitucionalmente é uma liberdade em seu sentido mais amplo, como bem nos fala Canotilho[24]:
As liberdades (liberdade de expressão, liberdade de informação, liberdade de consciência, religião e culto, liberdade de criação cultural, liberdade de associação) costumam ser caracterizadas como posições fundamentais subjetivas de natureza defensiva. Neste sentido, as liberdades identificam-se com direitos a ações negativas; seriam Abwehrrechte (direitos de defesa). Resulta logo do enunciado constitucional que, distinguindo-se entre «direitos, liberdades e garantias», tem de haver algum traço específico, típico das posições subjetivas identificadas como liberdades. Esse traço específico é o da alternativa de comportamentos, ou seja, a possibilidade de escolha de um comportamento. Assim, como vimos, o direito à vida é um direito (de natureza defensiva perante o Estado) mas não é uma liberdade (o titular não pode também uma dimensão fundamental (ex. ter ou não ter religião, fazer ou não fazer parte de uma associação, escolher uma ou outra profissão).
Ainda segundo Maria Berenice Dias[25], de acordo com este princípio é assegurado o direito de se constituir uma relação conjugal, uma união estável heterossexual ou homossexual, liberdade de dissolver o casamento e extinguir a união estável, e também de realizar novas estruturas familiares, além de liberdade de alteração do regime de bens na vigência do casamento.

3.3. IGUALDADE JURÍDICA

Igualdade jurídica, também chamada de isonomia é um princípio constitucional, previsto no inciso I do artigo 5º da Constituição Federal de 1988[26], definido por Pinto Ferreira[27] como uma norma constitucional básica, que constitui igualdade jurídica de todos diante da lei.
Cretella traz uma definição mais clara de igualdade dada por João Mangabeira[28]. A igualdade consiste em considerar de modo desigual as condições desiguais com a finalidade de alcançar a harmonia social através do desequilíbrio das classes sociais.
É importante ressaltar que, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[29], “o legislador constituinte, quando elencou os elementos vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade, apenas pretendeu encarecê-los como insuscetíveis de gerarem por si só, uma discriminação”.
Maria Berenice Dias[30] entende que a ideia deste princípio é garantir a igualdade no direito, estando ligada a questão de justiça, até porque o sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. Segundo José Afonso da Silva[31]:
O art. 227,§6º, contém importante norma relativa ao direito de filiação, reconhecendo igualdade de direitos e qualificações aos filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, proibida quaisquer designações discriminatórias a ela relativas. Ficam, assim, banidas da legislação civil expressões como filhos legítimos, filhos naturais, filhos adulterinos, filhos incestuosos. Por outro lado, expressamente é admitida a adoção de crianças brasileiras por estrangeiro, desde que seja assistida pelo Poder Público, na forma da lei e nos casos e condições por esta estabelecida (art. 227,§5º).

3.4. SOLIDARIEDADE FAMILIAR

O princípio da solidariedade fraterna encontra-se disposto no art. 3º, inciso I, da CRFB, com fundamento os artigos 226, 227 e 230, todos da Constituição Federal de 1988[32].
A solidariedade, segundo Maria Berenice Dias[33] é o princípio que tem origem nos vínculos afetivos, tendo conteúdo ético, compreendendo a fraternidade e reciprocidade. Caio Mário[34] entende que este princípio também envolve respeito e considerações mútuas entre os membros familiares.
José Afonso da Silva[35] entende que de acordo com a Constituição Federal, a família é composta de pais e filhos tendo ambos direitos e deveres recíprocos. Os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, havidos ou não da relação do casamento, e os filhos maiores tem o dever de auxiliar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
A seu respeito, escreveu Flávio Tartuce[36]:
A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art. 3.º, I, da CF/1988, no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões 57/1350 óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, eis que a solidariedade deve existir nesses
relacionamentos pessoais. A importância da solidariedade social é tamanha que o princípio constituiu a temática principal do VI Congresso Brasileiro do IBDFAM, realizado em Belo Horizonte em novembro de 2007. Deve-se entender por solidariedade o ato humanitário de responder pelo outro, de preocupar-se e de cuidar de outra pessoa.
A solidariedade familiar justifica, entre outros, o pagamento dos alimentos no caso da sua necessidade, nos termos do art. 1.694 do atual Código Civil.

3.5. AFETIVIDADE

Maria Berenice Dias[37] entende que o princípio da afetividade fundamenta o direito de família nas relações socioafetivas e na comunhão da vida, visto as considerações de caráter patrimonial ou biológico, complementando, ainda, que as relações afetivas e de solidariedade derivam do convívio familiar e não de laços consanguíneos, de modo que a posse de estado de filho é um reconhecimento jurídico do afeto, objetivando a felicidade como um direito a ser alcançado.
A afetividade, segundo Maria Berenice Dias[38]:
O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais. O sentimento de solidariedade recíproca não pode ser perturbado pela preponderância de interesses patrimoniais.
Nesse sentido Pablo Stolze[39] entende que “O fato é que o amor — a afetividade — tem muitas faces e aspectos e, nessa multifária complexidade, temos apenas a certeza de que se trata de uma força elementar, propulsora de todas as nossas relações de vida”.

3.6. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O princípio do Melhor interesse da criança encontra amparo constitucional, estando previsto no caput do artigo 227[40] da Constituição Federal de 1988:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
 FILIAÇÃO
A filiação consiste na relação de parentesco consanguíneo em primeiro grau e em linha reta, estabelecendo o vínculo entre pais e filhos. O art. 1.596 do Código Civil enfatiza: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves[41]:
O legislador de 2002, no que concerne à filiação, reporta-se sempre ao casamento, omitindo as situações oriundas das relações de fato reconhecidas como união estável, hoje entidade familiar protegida pelo Estado, recomendando que se revejam, “de imediato, os princípios que regem as presunções considerando também estas relações de fato geradoras de direitos e deveres”.
O art. 27 do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/1990) diz que “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.”.
Quanto à prova de filiação, Carlos Roberto Gonçalves[42] entende que a filiação é provada através de certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil de acordo com art. 54 da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73).
Segundo entendimento da professora Maria Berenice Dias[43]:
A adoção atribui ao adotado a condição de filho para todos os efeitos, sendo vedada qualquer designação discriminatória (CF 227 § 6.0). Assim, não deve constar nenhuma observação no registro de nascimento do adotado sobre a origem da filiação (ECA 47 § 4.0). O registro anterior é cancelado. No novo registro deve constar, além do nome do adotante, também o de seus ascendentes (ECA 4 7 § l.º).
Caio Mário entende que a adoção é fundada na paternidade socioafetiva em oposição à paternidade biológica. A paternidade tem a função de construir o amor entre pais e filhos, tendo como base o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, cultural e social da pessoa em formação.
O parentesco consanguíneo é o padrão segundo Caio Mário[44]. Por outro lado, a afinidade aproxima um cônjuge aos parentes do outro, mas os afins não são parentes. A afinidade acaba com a morte, anulação ou divórcio.
Ainda de acordo com o entendimento de Caio Mário[45]:
O parentesco biológico diz respeito à consanguinidade, decorrente da vinculação genética entre os parentes. Pode decorrer de uma fertilização assistida, homóloga ou heteróloga. Já o parentesco registral identifica no próprio acento do nascimento, em cartório do registro civil de pessoas naturais, a relação existente entre determinadas pessoas, apresentando uma presunção (relativa) para a produção de certos efeitos. E, finalmente, o parentesco socioafetivo que deflui de um vínculo estabelecido, não pelo sangue, mas pela relação cotidiana de carinho, respeito e solidariedade entre determinadas pessoas que se tratam, reciprocamente, como parentes. Conclui o autor: “evidentemente, o ideal é que os vínculos parentais biológicos, registral e socioafetivo coincidam. Todavia, havendo discrepância entre eles, não há um critério apriorístico prevalente, dependendo, sempre, das circunstâncias do caso concreto para que se determine qual deles merece prestígio”.

4.1. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO

O reconhecimento voluntário está previsto no art. 1.609 do Código Civil de 2002. São formas de reconhecimento voluntário: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrita particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém”.
Paulo Stolze[46] entende que “O reconhecimento voluntário é ato formal, de livre vontade, irretratável, incondicional e personalíssimo, praticado ordinariamente pelo pai”. Neste sentido entende Pablo Stolze[47]:
Se o menor for absolutamente incapaz, entendemos ser necessária a instauração de um procedimento de jurisdição voluntária, na forma da Lei de Registros Públicos 433, com a participação do Ministério Público, para que o registro seja lavrado, por segurança jurídica.
Se o menor for relativamente incapaz, dispensa-se assistência no ato de reconhecimento, eis que não está a celebrar ato negocial, mas, tão somente, reconhecendo um fato (poder-se-ia até mesmo falar na prática de um ato jurídico em sentido estrito de conteúdo não negocial).
O nascituro também poderá ser reconhecido: o sujeito, feliz da vida com a gravidez da namorada, vai ao Tabelionato, e, mesmo antes do nascimento da criança, faz o seu reconhecimento, por escritura pública, por exemplo. Tal ato é perfeitamente possível, a teor da primeira parte do parágrafo único do art. 1.609.
Admite-se, ainda, o reconhecimento de filhos já falecidos (segunda parte do parágrafo único do art. 1.609), desde que hajam deixado descendentes, para evitar reconhecimento por mero interesse econômico.

4.2. RECONHECIMENTO JUDICIAL

De acordo com artigo 1.616 do Código Civil: “A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.”
Tendo em vista o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves[48]:
O filho não reconhecido voluntariamente pode obter o reconhecimento judicial, forçado ou coativo, por meio da ação de investigação de paternidade, que é ação de estado, de natureza declaratória e imprescritível.      

4.3. EFEITOS DO RECONHECIMENTO

O art. 1.612 do Código Civil determina que “o filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor”.
Art. 1.613 do Código Civil diz que “São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho”. Segundo Caio Mário O ato do reconhecimento há de ser puro e simples e não compadece com a temporariedade. Tratando-se de escritura pública, esta pressupõe a capacidade civil do outorgante ou a assistência pelos pais ou tutor.
Os filhos maiores devem consentir reconhecimento e os menores impugná-lo nos quatro anos que se seguirem a maioridade ou à emancipação, com fulcro no art. 1614 do Código Civil.
Caio Mário[49] identifica os atributos do reconhecimento: “irrevogabilidade, anulabilidade, validade erga omnes, indivisibilidade, incondicionalidade, retroatividade”. Também de acordo com este citado:
Genericamente, porém, pode-se afirmar que o ato de identificação da paternidade tem efeito retro-operante (ex tunc), vale dizer, gera suas consequências, não da data do ato, mas retroage até o dia do nascimento do filho, ou mesmo, de sua concepção, se isto condisser com seus interesses.
E continua Caio Mário[50]:
Cabe lembrar, inclusive, que o Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 6.898/1981, introduziu no art. 242 crime próprio envolvendo o falso reconhecimento: “Dar parto alheio como próprio; registrar como seu filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil”. Os sujeitos ativos podem ser o homem ou a mulher que pratica uma das condutas, ou seja, registro, ocultação ou substituição do recém-nascido.
Segundo Maria Helena[51], a filiação é reconhecida com a demanda declaratória de paternidade e é averbada no livro de registro de nascimento (Lei 6.015/73, art.102§2.º).  O nome do genitor e dos avós são incluídos na certidão de nascimento, ocorre também à alteração do sobrenome do filho com o patronímico do pai.  A concordância do genitor é dispensável para a adoção do sobrenome, mas é indispensável à citação do padrasto.
Ainda de acordo com Maria Berenice[52] não é necessário o pedido de inclusão do sobrenome do padrasto por ação judicial quando há a concordância do pai registral, podendo ser formulado o pedido perante a Vara do Registro Público. De acordo com art. 56 da Lei de Registros Públicos, o indivíduo pode alterar o sobrenome após a maioridade civil. A pessoa com menoridade civil precisa justificar o motivo da alteração. Em julgado da 2ª Seção do STJ datado de 18.12.2008 que manteve decisão do TJSP, de acordo com Caio Mário[53]:
(...) foi autorizada a inclusão do nome familiar do padrasto ao nome dos enteados, criados por ele desde pequenos. O desejo de uma pessoa assumir o nome familiar do padrasto que tenha sido por ela responsável desde criança foi considerado motivo suficiente para a modificação do seu sobrenome. Questiona a Ilustre Relatora Ministra Nancy Andrighi no REsp.nº 1.069.864-DF, julgado em 18.12.2008, que “no caso da paternidade/maternidade socioafetiva, por que não admitir a mesma conclusão, de sorte a garantir a dignidade da criança, pouco importando a inexistência de liame biológico entre ela e um ou ambos os pais? Concluiu a Relatora: “não há como negar a uma criança o direito de ter alterado o seu registro de nascimento para que dele conste o mais fiel retrato de sua identidade, sem descurar que uma das expressões concretas do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é justamente ter direito ao nome, nele compreendido o prenome e o patronímico.

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E POSSE DO ESTADO DE FILHO

O Direito Civil reconhece a paternidade biológica sem prevalecer à genética sobre a afetividade de acordo com Pablo Stolze[54]. A posse do estado de filiação segundo Paulo Lôbo[55] se refere à “situação fática na qual uma pessoa desfruta do status de filho em relação à outra pessoa, independentemente dessa situação corresponder à realidade legal. É uma combinação suficiente de fatos indicando um vínculo de parentesco entre uma pessoa e sua família que ela diz pertencer”.
Destaca o Enunciado nº 256 da III Jornada de Direito Civil do STJ que a posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil.
A este respeito o Enunciado 519 da V Jornada de Direito Civil entende que: "O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai (s) e filho (s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais". Cezar Peluzo[56] destaca que: 
A posse do estado de filho, como também é denominado o relacionamento socioafetivo, é reconhecida pela própria sociedade que identifica o vínculo parental pela observação daquele núcleo familiar que possui uma relação verdadeira entre pais e filhos ligados pelo amor, carinho, consideração, respeito e cumplicidade, importando direitos e deveres. A opção do legislador pela filiação socioafetiva se manifesta nos arts. 1.593, 1.596, 1.597, 1.605 e 1.614 deste Código.
Outro enunciado importante é o Enunciado 103 da I Jornada de Direito Civil que reconhece existir no art. 1593 do Código Civil outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva fundada na posse do estado de filho.”.
A afetividade de acordo com Caio Mário[57]:
A afetividade invade a ciência jurídica transcendendo aos aspectos exclusivamente psicológicos e sociológicos. Como o “respeito e consideração mútuos” (art. 1.566, V) e “lealdade e respeito” (art. 1.724), o afeto e tolerância hão de ser incorporados como valores jurídicos no âmbito das relações familiares.
A paternidade socioafetiva, sob a noção da posse de estado de filho, que ganha abrigo nas mais recentes reformas do direito internacional, não se funda no nascimento, mas, num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, coloca em xeque tanto a verdade jurídica como a certeza científica, no estabelecimento da filiação.
Sobre a paternidade socioafetiva, segundo o Enunciado 339 da IV Jornada de Direito Civil, a paternidade socioafetiva, calçada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho e, segundo o Enunciado 341 IV da Jornada de Direito Civil a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar.                 

POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 898.060[58] firmou o seu entendimento, com repercussão geral, acerca da matéria:
Paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico, decide STF em sessão nesta quarta-feira (21), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. Por maioria de votos, os ministros negaram provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 898060, com repercussão geral reconhecida, em que um pai biológico recorria contra acórdão que estabeleceu sua paternidade, com efeitos patrimoniais, independentemente do vínculo com o pai socioafetivo.
     O Ministro relator Luiz Fux entendeu que o princípio da paternidade responsável impõe vínculos de filiação pela relação afetiva e pela ascendência biológica. Não há impedimento do reconhecimento simultâneo de ambas as formas de paternidade – socioafetiva e biológica-, desde que seja para o melhor interesse do filho o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. E continua:
No caso concreto, o relator negou provimento ao recurso e propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, salvo nos casos de aferição judicial do abandono afetivo voluntário e inescusável dos filhos em relação aos pais”.
Da tribuna, a representante do pai biológico sustentou que a preponderância da paternidade socioafetiva sobre a biológica não representa fuga de responsabilidade, mas sim impede que a conveniência de um indivíduo, seja o filho ou o pai, opte pelo reconhecimento ou não da paternidade apenas em razão de possíveis efeitos materiais que seriam gerados. Defendeu que fosse mantido apenas vínculo biológico sem reconhecimento da paternidade, portanto, sem efeitos patrimoniais, pois a própria filha afirmou que não pretendia desfazer os vínculos com o pai socioafetivo.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) atuando na ação como amicus curiae defendeu que as paternidades socioafetiva e biológica, sejam reconhecidas como jurídicas em condições de igualdade material. 
O Procurador - Geral da República Rodrigo Janot, se manifestou de modo que não é possível fixar uma preferência entre a paternidade biológica e socioafetiva, tendo em vista o princípio do melhor interesse da criança. Considera que é possível um filho obter, a qualquer tempo, o reconhecimento da paternidade biológica, com todos os seus efeitos legais. Segundo ele, é possível o reconhecimento jurídico da existência de mais de um vínculo parental em relação a um mesmo sujeito, pois a Constituição não admite restrições aos modelos familiares.
Segundo entendimento da Ministra Rosa Weber há possibilidade de existência de paternidade socioafetiva e paternidade biológica, com a produção de efeitos jurídicos por ambas, não sendo necessária a exclusividade de uma delas. O Ministro Marco Aurélio acerca da matéria:
(...) seguiu a maioria dos votos, destacou que o direito de conhecer o pai biológico é um direito natural. Para ele, a filha tem direito à alteração no registro de nascimento, com as consequências necessárias. Entre outros aspectos, o Ministro Celso de Mello considerou o direito fundamental da busca da felicidade e a paternidade responsável, a fim de acolher as razões apresentadas no voto do relator. Ele observou que o objetivo da República é o de promover o bem de todos sem qualquer preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
De acordo com o voto do relator, Pablo Stolze[59] entende que caberá ao filho tendo em vista o seu próprio interesse, decidir se mantém, em seu registro, apenas o pai socioafetivo ou ambos, o socioafetivo e o biológico. E continua:
O que há de novo, em nosso sentir, é a decisão do Supremo admitir esta parentalidade plúrima de acordo com o exclusivo interesse do filho, mesmo não havendo sido construída história de vida alguma com o pai biológico.
A tese extraída do julgamento, com repercussão geral, ficou assim fixada: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
No julgamento do RE 1.500.999 firmou o entendimento acerca da matéria:
Neste contexto, destaca-se a decisão da Terceira Turma do STJ, publicada em 15.10.2013, tendo como Relatora a Ministra Nancy Andrighi (Resp nº 1.401.719/MG) ao reconhecer que a existência de vínculo socioafetivo com pai registral não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial. A filha, registrada no nome do marido da mãe, buscou o reconhecimento da paternidade biológica, a alteração de seu nome e sua inclusão, como herdeira universal, no inventário do pai biológico. O colegiado, de forma unânime, seguiu o entendimento da relatora do caso, para quem o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. “Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão”, assinalou a Ilustre Ministra. Embora a família do pai biológico tenha sustentado a prevalência do vínculo socioafetivo em relação ao biológico, para declaração da paternidade com todas as suas consequências registrais e patrimoniais, em seu voto, com a Ministra Andrighi destacou que a prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade.
Neste caso os interesses patrimoniais prevaleceram em nome do melhor interesse da filha, sobrepondo-se à paternidade socioafetiva. É discutido se a desconstituição da paternidade registral e a simultânea investigação da paternidade biológica do ascendente genético falecido visando, especialmente, os efeitos sucessórios não estariam violando o parágrafo único do art. 1.609 do CC que admite a investigação post mortem se o investigante deixar descendentes.
Para essa nova definição de paternidade, pai ou mãe não é apenas a pessoa que gera e que tenha vínculo genético com a criança. Ser pai ou mãe, antes de tudo, é ser a pessoa que cria, instrui, ampara, dá amor, carinho, proteção, educação, dignidade, enfim a pessoa que realmente exerce as funções próprias de pai ou de mãe em atendimento ao melhor interesse da criança.
O conceito atual de família é centrado no afeto. De acordo com Enunciado 519 da Jornada de direito Civil: “O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai (s) e filho (s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais".
São efeitos do reconhecimento voluntário de paternidade: irrevogabilidade, anulabilidade, validade erga omnes, indivisibilidade, incondicionalidade, retroatividade. Ocorre alteração do sobrenome do filho porque acrescenta o patronímico do pai, o nome do genitor e dos avós são incluídos na certidão de nascimento, reconhecendo paternidade e averbando no livro de registro de nascimento. 
A partir do histórico julgamento acerca da paternidade socioafetiva, fixou que: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 DOUTRINA

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PERIÓDICOS

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NOTAS

[1] SILVA, Oscar Joseph de Plácido e. Vocabulário jurídico.V. II. 11ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.p.268-269.
[2] NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. Revista, Ampliada e Atualizada. vol II. 11. ed. Biblioteca Jurídica Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1982, p. 460.
[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. 9 ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 35,25.
[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. ibidem, p. 23
[5]GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 34
[6]DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias I. 10ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.p 29.
[7]GONÇALVES, Carlos Roberto. op.cit., p. 34.
[8]DIAS, Maria Berenice.op.cit. P, p.30.
[9]GONÇALVES, Carlos Roberto. op.cit., p. 34.
[10]GONÇALVES, Carlos Roberto. Ibidem, 34.
[11]DIAS, Maria Berenice.op.cit. P, p.32.
[12]DIAS, Maria Berenice.ibidem., p.32.
[13]PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. V. 22ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.25-26.
[14]CRETELLA JÚNIOR, José.  Direito administrativo brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.p. 44.
[15]SILVA, Oscar Joseph de Plácido e. op.cit. p.447.
[16]NUNES, Pedro. op.cit, p. 721.
[17] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil com a emenda Constitucional nº 91/2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em: 29/09/2017.
[18]SARLET, Ingo Wolfgang. Apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.  33ª ed. rev. e atual até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 . São Paulo: Atlas, 2017, p.
[19]DIAS, Maria Berenice. op. cit., p.45
[20]MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.  33ª ed. rev. e atual até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 . São Paulo: Atlas, 2017, p. 38
[21] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op. cit. p. 38
[22]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil com a emenda Constitucional nº 91/2016 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em: 29/ 09/ 2017.
[23]DIAS, Maria Berenice.op.cit., p.46
[24] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Revista Livraria Almedina: Coimbra, 1993, p. 539.
[25] DIAS, Maria Berenice. op. cit., p.46
[26]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil com a emenda Constitucional nº 91/2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em: 29/ 09/ 2017.
[27]FERREIRA, Luiz Pinto. In Comentários à Constituição Brasileira, V. I art. 1 a 21. São Paulo: Saraiva, 1989, p.62
[28]MANGABEIRA, João, apud CRETELLA Jr., José.  Comentários à Constituição Brasileira de 1988, V. 1, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 179.
[29] MELLO Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da Igualdade, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 18.
[30]DIAS, Maria Berenice.op.cit., p.46
[31] SILVA, José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.853.
[32]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil com a emenda Constitucional nº 65/2010. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em: 30/09/2017.
[33]DIAS, Maria Berenice.op.cit., p.48.
[34] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 333.
[35] SILVA, José Afonso da. Op. Cit., pp. 852-853.
[36] TARTUCE, Flávio. Direito de Família. v.V. 9ª.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p.57-58
[37]DIAS, Maria Berenice.op.cit., p.52
[38]DIAS, Maria Berenice.op.cit., p.52
[39] STOLZE, Pablo. Nome da obra. ed., Editora: Cidade, ano. p. 1082.
[40] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil com a emenda Constitucional nº 91/2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acessado em: 29/09/2017.
[41] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 282
[42] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit. p. 295.
[43] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 125.
[44] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. 275.
[45] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ibid.p. 275.
[46] STOLZE, Pablo. Op. Cit., p. 1293.
[47] STOLZE, Pablo, Ibid. p. 1293.
[48] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op.cit., p. 307.
[49] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., pp. 298, 300.
[50] PEREIRA, Caio Mário da Silva. ibid., pp. 303-304.
[51] DINIZ, Maria Helena. Nome do livro. ed. Editora: cidade, ano. p. 126
[52] DIAS, Maria Berenice Dias. Op. Cit. pp. 126, 127.
[53] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. p. 319.
[54] STOLZE, Pablo. Op. Cit. p. 1.299.
[55] LÔBO, Paulo. Direito de Família. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.237.
[56] PELUZO, Cesar. Nome da obra. ed. Editora: cidade, ano, p. 1752.
[57] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. pp. 52-53.
[58]SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo= 325781, acesso em 01/10/2017.
[59] STOLZE, Pablo. Op. Cit. pp. 1.303-1.304

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