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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

ENTENDA AS MUDANÇAS FEITAS NA LEI MARIA DA PENHA NO ÚLTIMO ANO E SEU IMPACTO NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

Especialistas ouvidas por CELINA avaliam que a maioria das alterações tem pouco efeito prático, porque não são precedidas de debates com a sociedade civil
17/01/2020
RIO –  O número de projetos alterando a Lei Maria da Penha aprovados em 2019 foi o maior desde que legislação de enfrentamento à violência contra a mulher entrou em vigor, em 2006. Foram seis alterações aprovadas no ano passado, contra dois PLs em 2018 e um em 2017, de acordo com monitoramento feito pelo Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

O último ano também foi marcado por uma enxurrada de novas propostas de deputados federais para mudar as leis de combate a violência contra a mulher. Foram cerca de 138 PLs propostos só no ano passado. Ao todo, 256 projetos que visam alterar a Lei Maria da Penha ou leis relacionadas tramitam na Câmara dos Deputados hoje, segundo o sistema de busca da Casa.
CELINA conversou com a defensora Flávia Nascimento, que coordena o Nudem, e com a promotora de Justiça Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público de São Paulo, para entender o que essas mudanças podem significar na defesa da vida das mulheres que sofrem violência doméstica.
Elas avaliam que, entre as alterações já aprovadas, algumas podem ter impactos positivos. Porém, ressaltam que a Lei Maria da Penha foi concebida após muitos debate público e que o ideal seria implementá-la integralmente, não alterá-la ainda mais.
— O maior problema tem sido as inúmeras propostas de alteração sem muito efeito prático, porque não precedidas de debates com especialistas e a sociedade civil —  afirma Silvia Chakian, que há dez anos atua exclusivamente com casos de violência contra a mulher no MPSP — Não precisamos de mais alterações, que podem até mesmo causar o enfraquecimento da legislação e criar ambiente para modificações que fogem do espírito que a motivou. Precisamos, sim, de seriedade na implementação das políticas já previstas — diz a promotora.
— O projeto da Lei Maria da Penha foi elaborado ouvindo muito a sociedade civil, entendendo as especificidades e necessidades de todas as mulheres. A lei respeitou a vontade das mulheres e foi construída de uma forma coletiva, priorizando a proteção e prevenção. A lei tem um viés punitivo, mas não é o principal. O que é preciso é priorizar o viés protetivo da lei — afirma a defensora Flávia Nascimento.
Veja o foi aprovado e entrou em vigor em 2019 e que impacto isso pode ter no combate à violência contra a mulher:

Medida protetiva na delegacia

Em maio, entrou em vigor uma mudança que autoriza a aplicação de medida protetiva de urgência pela autoridade policial. Ou seja, o delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca judicial, e o policial, quando o delegado não estiver disponível no momento, pode determinar o afastamento imediato do agressor do lar.
A norma está tendo sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), porque essa é uma atividade exclusiva do judiciário, lembra Nascimento. Ela também questiona se em cidades em que não há uma delegacia da mulher, os profissionais da segurança pública estarão capacitados para atender ocorrências de violência doméstica.
A promotora Silvia Chakian avalia que a limitação da hipótese de afastamento pela autoridade policial somente em locais em que não há comarcas, com exigência de análise posterior da medida por um juiz, minimizou os possíveis questionamentos que a lei pode sofrer.
A norma também determina que seja feito o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Vítima com deficiência

A mudança acrescentou um dispositivo na Lei Maria da Penha em junho, tornando obrigatória a informação sobre condição de pessoa com deficiência da mulher vítima de violência doméstica e se a agressão sofrida resultou deficiência ou em agravamento de deficiência preexistente.
— Essa é uma alteração positiva e importante, pois ajuda a evidenciar a vulnerabilidade maior dessas vítimas, de modo que as medidas para sua proteção sejam aplicadas de forma mais rápida e eficaz — afirma a defensora Flávia Nascimento.

Agressor deve ressarcir o SUS

Lei sancionada em setembro passou a responsabilizar financeiramente o autor de violência doméstica, o obrigando a ressarcir os custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) à vítima.
— Essa é uma medida inadequada, que quase não terá efeito prático, podendo até mesmo prejudicar a própria vítima, porque quando o agressor permanece no mesmo núcleo familiar, esse ressarcimento sairá do sustento dela e da família — diz Chakian, do MPSP.
A defensora Flávia Nascimento explica que já existem mecanismos legais para providenciar a indenização para a mulher e que a mudança não altera a proteção da vítima, que é o intuito principal da Lei Maria da Penha.
— Manter o SUS é responsabilidade do Estado, isso não pode ser transferido para o particular. Em um acidente de trânsito, isso não acontece, por exemplo — afirma.

Apreensão da arma de fogo do agressor

De outubro de 2019, essa alteração na Lei Maria da Penha prevê a apreensão de armas de foto registradas em nome ou sob posse do agressor. Chakian e Nascimento consideram a medida positiva e relevante.
A norma permite que assim que o registro da ocorrência seja feito, a autoridade policial pode verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo. Caso possua, uma notificação deve ser feita à instituição responsável pela concessão do registro. A alteração também permite que o juiz, após receber o pedido da vítima, possa determinar a apreensão imediata da arma.
— A medida pode ter um efeito prático na proteção da mulher — afirma a defensora pública.

Prioridade na matrícula

Também sancionada em outubro, a medida determina que a mulher em situação de violência doméstica tem prioridade para matricular seus dependentes na escola mais próxima da sua casa.
Para Flávia Nascimento, mesmo antes da mudança a Lei Maria da Penha já tinha mecanismos que possibilitavam essa prioridade.
— A lei não traz um rol taxativo de medidas protetivas, ela não limita a nossa atuação. Podemos buscar formas de proteger a vítima em qualquer outro dispositivo do ordenamento jurídico. Na prática, isso já era feito — afirma.

Agilidade no divórcio

A mudança em vigor desde outubro agiliza o divórcio, separação, anulação de casamento ou dissolução de união estável das vítimas de violência doméstica, ao prever que ação pode ser aberta nos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher.
— Muitas vezes a vítima tinha que se deslocar para outra comarca. Com essa alteração, nos casos de violência doméstica, pode eleger o foro do seu domicílio, mesmo que não seja vara da família — avalia a defensora.
O texto estabelece, no entanto, que esses juizados não cuidarão da partilha de bens, que deverá ser resolvida nas varas de família. Também passa a constar da lei o dispositivo que garante preferência à ação de divórcio ou de dissolução de união estável se ocorrer uma situação de violência doméstica e familiar após o início do processo.

Notificação obrigatória à polícia

Desde dezembro, os profissionais de saúde, tanto da rede pública quanto da privada, são obrigados a notificar à polícia, no prazo de 24 horas, indícios ou casos confirmados de violência doméstica. A mudança não foi na Lei Maria da Penha, mas na lei 10.778/2003.
Anteriormente, a lei determinava a notificação compulsória apenas para as autoridades sanitárias. Agora há a obrigatoriedade de informar a autoridade policial. A alteração polêmica chegou a ser vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas o veto foi derrubado pelo congresso. Chakian e Nascimento são contrárias a mudança.
— O veto era adequado e seu fundamento respeitava a autonomia das mulheres. Essa mudança preocupa porque as mulheres podem deixar de buscar o sistema de saúde quando forem vítimas de violência física — afirma a defensora.
— Ainda não se sabe como será sua implementação. Há o risco de gerar efeitos diversos do pretendido, como o desestímulo da mulher buscar ajuda no Sistema de Saúde, ou ainda o aumento do risco para sua integridade física, caso não seja oferecido a ela medidas adequadas de proteção — reforça a promotora do MPSP.
Por Leda Antunes

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