Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar
Banco Santander (033)
Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4
CNPJ 54.153.846/0001-90
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
“Há uma negligência histórica com o corpo da mulher", afirma Jen Gunter
Expert em derrubar mitos sobre o corpo feminino, ginecologista ficou conhecida após denunciar pseudociência da Goop, empresa de Gwyneth Paltrow que ganhou série na Netflix
A ginecologista canadense Jennifer Gunter, mais conhecida como Jen Gunter, acredita que falar sobre a saúde da vagina é algo que não pode ficar restrito às quatro paredes do consultório médico. E, em muitas ocasiões, é necessário derrubar mitos e questionar tendências de bem-estar que volta e meia pipocam nas redes: não são raros os episódios em que figuras públicas e influenciadores digitais são responsáveis por endossar hábitos pouco saudáveis para o organismo feminino.
Seu embate mais famoso ocorreu com Gwyneth Paltrow e a empresa Goop, criada pela atriz norte-americana em 2008. Um dos itens vendidos pela marca eram os ovos de jade. Se inserido na vagina, o produto supostamente realizaria a regulação hormonal e ajustaria o ciclo menstrual, entre outros benefícios. Vendidos a US$ 66 (cerca de R$ 270 na atual cotação), os “ovos vaginais” tiveram sua eficácia contestada por Gunter e por outros pesquisadores. Após investigação realizada por uma agência reguladora dos Estados Unidos, a Goop foi acusada de promover informações infundadas sobre o benefício do produto e teve de pagar, em 2018, uma multa de US$ 145 mil (R$ 595 mil).
Autora de um blog sobre ciência ativo desde 2011 (drjengunter.com), Gunter é também colunista do jornal The New York Times. Em agosto, ganhou um programa próprio no serviço de streaming da emissora canadense CBC, o Jensplaining.
O programa, como ela explica, é basicamente uma versão do blog para a TV: busca entender como as pressões sociais ou as negligências históricas da Medicina contribuíram para moldar as dificuldades que as mulheres têm de conhecer o próprio corpo.
A canadense lançou também no mês de agosto o livro The Vagina Bible: The Vulva and the Vagina – Separating the Myth from the Medicine (A Bíblia da Vagina: A Vulva e a Vagina – Separando o Mito da Medicina, em tradução livre, ainda sem publicação no Brasil), que, do mesmo modo, aborda a saúde feminina partindo da vagina.
Apesar de atuar em tantas frentes, sua missão é uma só: divulgar informações de qualidade sobre a saúde reprodutiva e acabar com dúvidas e mitos que prejudicam não apenas a saúde das mulheres como suas relações sociais. “Há um grande investimento em manter as pessoas não educadas sobre o trato reprodutivo feminino, porque é assim que o patriarcado controla metade da população”, afirma Gunter. Sobre este e outros assuntos, confira, a seguir, a entrevista completa com a ginecologista.
Estamos em 2020 e há mulheres que ainda não sabem muito sobre a própria vagina. Por que você acha que isso acontece?
É uma combinação de muitos fatores e de pressões. Até pouco tempo, era quase impossível dizer a palavra “vagina”, “vulva” ou “clitóris” em público sem as pessoas rirem ou enrubescerem. E acredito que a Medicina foi muito patriarcal por bastante tempo, desde o seu surgimento. O questionamento de mitos e dogmas só passou a acontecer recentemente.
Quais são os maiores equívocos que cometemos quando o assunto é vagina?
Um deles é que a vagina é suja, que precisa de uma limpeza especial. Não sei como é no Brasil, mas nos Estados Unidos há prateleiras de produtos especiais para limpar a vulva e a vagina, e nenhum desses itens é necessário.
O que podemos fazer para superar esses equívocos?
Uma das melhores maneiras é transmitir a mensagem de que falar sobre a vagina deveria ser algo que acontece em conversas do dia a dia. Não há nada engraçado ou excitante, é uma informação médica. E o primeiro passo para o empoderamento é ser capaz de falar dessas informações usando fatos, pois você não pode ser uma paciente empoderada se não tiver informações factuais em mãos.
Você é bastante crítica a tendências como a do ovo de jade. Que outra tendência ligada ao “bem-estar” a irrita?
Eu me oponho a todas as tendências de bem-estar, ponto final. Não há nenhuma que apoie, porque a saúde não é uma tendência. Saúde é algo duradouro, uma mudança que você deve fazer e que deve durar para sempre. Sou pró-ciência: o curioso é que todas as coisas que são boas para o bem-estar não podem ser monetizadas.
O Brasil é um país conhecido pelo hábito da depilação. Por que você acha que somos tão obcecados pela aparência da vulva, até mais do que pela saúde vaginal?
É porque o valor de uma mulher sempre foi resumido à anatomia. Vemos isso em relação ao tamanho e tipo do corpo, além de outros aspectos da fisionomia feminina. A sociedade julga as mulheres pela cintura, pela quantidade de rugas, pelo cabelo. Julgar a aparência da vulva ou da vagina é só uma continuação desse julgamento todo.
Mas, afinal, remover os pelos pubianos é uma prática saudável ou há riscos?
Sabemos muito pouco sobre remoção de pelos pubianos, mas sabemos que uma das razões pelas quais temos pelos nessa região é a necessidade de manter a umidade, pois a pele nessa área requer condições mais úmidas. Provavelmente, tem também papel na dispersão de odores e como barreira física de proteção. Tudo isso é muito importante, portanto a remoção dos pelos pode ter consequências. Pode aumentar o risco de infecções sexualmente transmissíveis ou causar microtraumas, além de mudar todo o ecossistema da vulva e da vagina de modos que ainda não sabemos ao certo. Mas somos adultos, tomamos decisões adultas; eu jamais diria a alguém para remover ou não seus pelos pubianos. O corpo é seu, a escolha é sua.
O que uma mulher deve fazer para cuidar da vagina?
Não é preciso limpar nem lavar, ela se limpa sozinha. E usar camisinha, que é uma forma muito, muito boa de proteger a vagina. Não fumar, pois isso prejudica as bactérias boas. E também tomar a vacina contra o HPV.
Você deve enfrentar retaliações por falar abertamente de assuntos que ainda são tabu. Como lida com isso?
Às vezes, quando escrevo sobre a vagina, homens gostam de me dizer que estou errada. E eles não são ginecologistas! Também existem pessoas — e trago esse exemplo só para mostrar como as coisas podem ficar loucas — que são contra a circuncisão. Elas ficam muito revoltadas porque não falo sobre esse tema. Mas eu não falo sobre pênis, falo sobre vagina, não faz sentido. Esse grupo incomodou tanto no Facebook que agora a maioria das palavras bloqueadas é relacionada a pênis, o que é bem estranho.
A vagina e a vulva são órgãos diferentes. O clitóris é muito maior do que você pensa. Um exame pélvico não deve ser doloroso. Não use nenhum produto de limpeza para a vagina. Cigarros são ruins para sua vagina. Se alguém diz algo ruim sobre o seu corpo, o problema provavelmente está nele, não em você. Tome a vacina contra o HPV. Dor durante o sexo é uma condição médica real, não deixe ninguém dizer que é coisa da sua cabeça. Nenhum produto externo pode controlar o pH da sua vagina. E, por último, você não pode mudar o cheiro ou o gosto da sua vagina com a alimentação.
Qual foi a descoberta mais surpreendente da sua pesquisa?
Perceber quão pouco o corpo feminino foi estudado ao longo da história. Você sabia que antigamente os médicos podiam dissecar cadáveres masculinos, mas não de mulheres? Há uma negligência histórica com o corpo da mulher, a Medicina para os homens tem 3 mil anos de vantagem na largada. Só no último século começamos a estudar as mulheres.
E isso faz muita diferença.
O que você gostaria que todas as mulheres soubessem no presente e no futuro?
Para agora, gostaria que soubessem que as vaginas se limpam, não são sujas ou tóxicas. Para o futuro, gostaria que pensássemos mais sobre maneiras de explorá-la para obter prazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário