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quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Brasil registra 124 assassinatos de transexuais em 2019, segundo dossiê

Em 2019, 124 pessoas transexuais foram assassinadas no Brasil, segundo o dossiê “Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019”, feito pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e lançado hoje, Dia da Visibilidade Trans. A pesquisa foi feita em parceria com o IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação).
Fabiana Batista
Colaboração para Universa
29/01/2020
O número apresenta uma queda em relação a 2018, quando foram mortos 163 transexuais, mas a redução não é vista como positiva pelas organizações responsáveis pelo relatório. Segundo Bruna Benevides, organizadora do dossiê e secretária de articulação da Antra, a redução no número de mortes pode estar relacionada a um ambiente menos propício a notificações de casos de transfobia.

Segundo a instituição, dificuldade para registrar ocorrências; negação do uso do nome social das vítimas ou, ainda, o apagamento da identidade de gênero são alguns dos motivos que podem ter impedido a notificação de casos.
A queda, entretanto, ainda mantém o Brasil como líder mundial no ranking de assassinatos de pessoas trans no mundo. De acordo com uma pesquisa da Spartacus International Gay Guide, revista de viagens direcionada para a população LGBT, o país caiu de 55ª para 68ª no ranking de países seguros para a população LGBTI no mundo em 2019.

Mortes crescem 67%, e SP se torna estado que mais mata

Em 2019, São Paulo viu aumentar em 66,7% o número de assassinatos de transexuais, com 21 casos e lidera o ranking de mortes. Em seguida está o Ceará, com onze vítimas seguido por Bahia e Pernambuco, com oito cada um. O Rio de Janeiro, líder em 2018, ocupa a 4ª posição, empatado com Rio Grande do Sul e Paraná, com sete vítimas registradas em cada estado.
No Rio Grande do Sul, das 7 vítimas 5 ocorreram em Santa Maria. Gabriela Quartiero, integrante do coletivo LGBT VOE, conversou com Universa sobre os casos.
“Estivemos em reunião com os delegados responsáveis pelas investigações, que alegaram que três equipes da delegacia de homicídios estão cuidando dos casos e não descartam a transfobia como pano de fundo. Todos os assassinos foram presos. Faremos um ato nesta quarta, e estamos em contato com órgãos públicos para criarmos política de prevenção contra a morte da população LGBTI na cidade”, diz ela.

Vítima é jovem, negra e periférica

A jovem trans, negra e periférica é o perfil médio das vítimas de assassinato entre pessoas transexuais no Brasil: 59,2% delas têm entre 15 a 29 anos. Foram notificados os assassinatos de três jovens de 15 anos -até 2018, a vítima mais jovem tinha 17 anos. Uma delas, além de espancada até a morte, foi enforcada e encontrada com marcas que denunciam violência sexual.
Em relação à cor, 82% dos casos identificados aconteceram com pessoas pretas e pardas. Dentre todas as mortes, a maioria absoluta (97,7%) é de mulheres transexuais. Segundo o documento, ao menos 67% dos casos foram contra trabalhadoras sexuais. O relatório explica que elas “são as mais expostas à violência direta e vivenciam o estigma que os processos de marginalização impõem as essas profissionais”.

Verônica é uma das vítimas em Santa Maria

Em 12 de dezembro de 2019, dias depois de ter sido coroada madrinha da Parada Alternativa LGBTI, Verônica Oliveira foi morta. O assassino confessou o crime alegando legítima defesa. Ele está preso, mas a polícia ainda não descobriu a motivação do crime. Ela era mulher transexual e empresária de um alojamento que abriga mulheres trans há dez anos.
O assassinato aconteceu na madrugada enquanto Verônica estava com outras trabalhadoras sexuais em Santa Maria (RS). Ela foi chamada pelo nome por um suposto cliente, mas, segundo relatos de testemunhas, foi esfaqueada no abdômen depois de se recusar a atendê-lo.
Assim como Verônica, 28% dos casos notificados foram cometidos com facas; à frente, estão as mortes por armas de fogo, responsáveis por 43% dos casos. OIto em cada 10 mortes foram enquadradas como assassinatos com “requinte de crueldade”, ou seja, uso excessivo de violência. Para o relatório, “a crueldade denota o ódio nos casos, e chama a atenção denunciando a transfobia presente neste tipo de crime”.
O local do assassinato também influencia nas ferramentas utilizadas. Se o acesso ao local for difícil, privado ou com pouca circulação de pessoas, a chance de crueldade é maior. Mas, em situações em que as vias sejam movimentadas, públicas ou iluminadas, os homicídios acontecem de forma mais rápida.
“A Verônica foi velada na Câmara Durante toda a madrugada, entrava e saía gente. Pessoas conhecidas e desconhecidas. Amigos e admiradores. Por ajudar a comunidade ao seu redor, foi uma homenagem merecidíssima.” contou Cilene Rossi, liderança LGBT na cidade e amiga de Verônica há 20 anos.
Para ela, a amiga era uma figura reconhecida na cidade pela comunidade LGBTI. Além disso, seu alojamento se tornou ponto de referência depois dos primeiros assassinatos de mulheres trans que ocorreram na cidade. ONGs, coletivos LGBTI e advogados se reuniram a fim de organizar manifestações para denunciar as mortes.

“Travesti é ilha, cercada de violência”

Além dos assassinatos, o dossiê apresenta mais três tipos de violência contra a comunidade trans. No ano de 2019, houve 50 casos de tentativa de homicídio – revólver foi utilizado em metade deles. Em 58% dos casos, as vítimas foram trabalhadoras sexuais.
Foram reportados 15 casos de suicídio pelas redes sociais e meios de comunicação. Casos como discriminação social, invisibilidade, falta de apoio da família e difícil acesso a terapia hormonal para transição de gênero contribuem para o quadro. Além disso, o estigma social e a discriminação sexual são fatores que dificultam o acesso dessa população aos serviços de prevenção e cuidado.
No dossiê não há ao certo dado exato sobre as vítimas de violação dos direitos humanos. O constrangimento e violência ao impedir pessoas trans de utilizar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero, o assédio moral e a exclusão familiar, são apenas alguns dos casos mencionados.
O dossiê afirma que 99% das pessoas LGBTI não se sentem seguras no Brasil. Foram entrevistadas 1347 pessoas por meio de plataformas virtuais nas redes da ANTRA e de parceiros.
O dossiê propõe alternativas e prevenções que podem evitar mais casos como os já citados. E ainda reivindica que órgãos como o IBGE incluam no Censo/2020 orientações em relação à população LGBTI.
Dentre as ações na segurança pública, as organizações responsáveis pelo dossiê pede garantia do correto atendimento da população LGBTI nas delegacias; necessária organização de Grupos de Trabalho sobre segurança nos estados e municípios; e a padronização de coleta desses dados nas delegacias, hospitais e IML, com respeito e uso adequado do nome social e marcação de identidade de gênero. E, também, a garantia de discussão dos assuntos relacionados à questão de gênero nas instituições escolares e outros órgãos de educação.

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