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domingo, 12 de janeiro de 2020

Por que o Congresso e o STF podem revogar a Lei de Alienação Parental


Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero pediu para o Supremo considerar a lei inconstitucional.
By Marcella Fernandes
11/01/2020

"Muitas vezes o juiz quer uma resposta do tipo ‘quem é o alienador?’ e é uma resposta que a gente não pode dar porque não podemos avaliar algo que não é do campo da psicologia", afirma representante do Conselho Federal de Psicologia.
Em vigor desde 2010, a Lei de Alienação Parental pode ser derrubada nos próximos meses pelo Legislativo ou pelo Judiciário. No STF (Supremo Tribunal Federal) por causa de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ajuizada pela Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero em dezembro de 2019. No Congresso, por sua vez, há ao menos seis projetos de lei que buscam revogar ou alterar a legislação.

A lei define como alienação parental a “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
São citados como exemplos desqualificar um dos genitores; dificultar o exercício da autoridade parental ou o contato com a criança com um dos pais; omitir deliberadamente do genitor informações relevantes sobre o filho, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; dentre outras situações.
Uma das principais críticas no meio jurídico é que a lei é usada, de forma equivocada, em processos de violência doméstica e também representa uma  barreira à proteção da criança e do adolescente em casos de abuso sexual. Isso porque, segundo Iolete Ribeiro, representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP)  no Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, há casos em que o Judiciário considera como alienador uma pessoa que toma medidas em busca de proteger o filho vulnerável a uma situação de violência.
“Muitas vezes se usa desse artifício jurídico numa disputa que tenta desqualificar a mulher nesse cenário ou a forma como ela se manifesta. Diz que ela é louca, desequilibrada. E o sistema jurídico é machista. É administrado e gerido por homens que não têm essa sensibilidade, muitas vezes, para reconhecer como essas questões de gênero interferem nessas disputas”, afirma.

ASSOCIATED PRESS
“Muitas vezes se usa desse artifício jurídico numa disputa que tenta desqualificar a mulher nesse cenário ou a forma como ela se manifesta. Diz que ela é louca, desequilibrada", afirma Iolete Ribeiro, representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP).  

Ribeiro também participou de audiências públicas sobre o tema no Congresso. Uma das propostas mais avançadas é o PL 498/2018, proposto pela CPI (comissão parlamentar de inquérito) dos maus-tratos, para revogar a lei.  
No substitutivo apresentado em dezembro de 2019 na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, a relatora, senadora Leila Barros (PSB-DF), propõe alterações, como prever a mediação nos casos em que não houver indício de violência; e que as sanções sejam aplicadas pelo juiz de forma gradativa, “visando à conscientização do alienador”, a menos que apresente “receio justificado de risco à integridade física ou psíquica da criança ou do adolescente”.
O relatório também defende a pena de 2 a 6 anos de prisão e multa para falsa acusação de alienação parental “com intuito de facilitar a prática de delito contra a criança ou o adolescente”.
Se aprovado na CDH, a proposta deve ser analisada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) antes de seguir para o plenário do Senado.
Na Câmara, a principal proposta garante tratamento psicológico aos pais, crianças e adolescentes; estabelece que a alteração da guarda dependa de perícia técnica, salvo decisão judicial em contrário; e reduz de 90 para 10 dias o prazo para perícia psicológica e/ou biopsicossocial necessária para avaliação de medida assecuratória de inversão liminar da guarda.
De autoria da deputada Soraya Santos (PP-RJ), o PL 10712/2018 aguarda para ser votado na CCJ da Casa. Em 2019, o texto foi considerado um dos prioritários pela bancada feminina e chegou a tramitar em regime de urgência, mas não avançou.

O que é alienação parental?

Não há uma definição acadêmica na psicologia sobre o que seria a alienação parental. No Brasil, o termo pertence ao âmbito jurídico. Esse é um dos entraves, na visão da integrantes do CFP. “O psicólogo não deve ser responsável para dizer se há ou não alienação porque o conceito de alienação não é do campo psicológico”, afirma Iolete Ribeiro. 
“A avaliação que o profissional faz é do estado emocional da criança, do processo de desenvolvimento dela, se há algum comprometimento, que tipo de atenção e cuidado ela precisa. Muitas vezes o juiz quer uma resposta do tipo ‘quem é o alienador?’. E essa é uma resposta que a gente não pode dar porque não podemos avaliar algo que não é do campo da psicologia. Esse conceito é do campo jurídico, inclusive a lei tipifica”, completa a especialista.
Ribeiro é a favor da revogação da lei e entende que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já é suficiente para proteger a criança e o adolescente. Ela defende um aprimoramento das equipes psicossociais nos tribunais e uma atualização do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Em vigor desde 2006, ele é de responsabilidade do  Ministério da Cidadania e do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. “Se coloca essa questão só na Justiça e o governo fica desresponsabilizado de ações que seriam essenciais para ter uma rede de proteção à infância forte”, afirma.

Proteção de crianças e adolescentes

Defensores da Lei de Alienação Parental, por sua vez, entendem que o instrumento é fundamental para garantir direitos no âmbito da família. “É uma lei que busca resguardar o interesse da criança e do adolescente a uma ampla convivência familiar. A intenção é resguardar que pais, mães e avós tenham acesso às crianças”, afirma Renata Nepomuceno e Cysne, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, que também acompanha a discussão no Congresso.
O lado bom da lei é fazer com que os pais entendam que eles não têm o filho como uma arma contra o outro.
Renata Nepomuceno e Cysne, do Instituto Brasileiro de Direito de Família
A advogada admite que há mau uso da legislação, mas entende que ela não deveria ser revogada, apenas aprimorada. Cysne sugere, por exemplo, a exigência de perícia psicossocial antes de alterar questões de guarda.
Em decisões de menor gravidade, a advogada entende que não é necessário esse aval. “O juiz tem responsabilidade e a função dele é julgar. Dentro do processo, há provas documentais, testemunhais e periciais. A partir das provas nos autos, o juiz define qual a melhor conduta. Se vai dar uma advertência, encaminhar para equipe psicossocial, alterar a guarda. Ele tem um conhecimento técnico”, afirma.
Assim como a integrante do CPF, a advogada defende uma ampliação de profissionais das áreas de psicologia e assistência social nas varas de infância, com ao menos um por comarca, além de uma melhora na interlocução do Judiciário. “Tem de haver uma melhor comunicação entre a esfera criminal e a cível. Se eu tenho uma ação de violência doméstica, o juizado tem de ser comunicar com a vara de família. Essa comunicação hoje é falha. Existe através dos advogados.  Não é algo sistematizado.”
Para a advogada, não há uma leitura clara do que acontece no Brasil nessa área porque muitos processos estão em segredo de Justiça. “A gente faz leituras recortadas. O ideal seria que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) buscasse informações nos tribunais de como essa lei tem sido aplicada. Quantos processos, quais medidas adotadas pelos juízes”, defende.

ADRIANO MACHADO / REUTERS
Ministra Rosa Weber é relatora no STF de ação que pede revogação da Lei de Alienação Parental. 

Violência contra mulheres e abuso sexual

Presidente da Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero, Renata Amaral também reconhece as lacunas de dados. “As pesquisas são ainda bem incipientes no campo da alienação parental. O que sabemos [da relação com violência doméstica] é de experiências do dia a dia e dos relatos de mulheres que nos chegam, mas desconhecemos um método de coleta que tenha resultados capazes de divulgarmos”, afirma.
Em audiência pública no Senado sobre o tema, a advogada Marina Ganzarolli, uma das cofundadoras da Rede Feminista de Juristas, afirmou que “em uma mostra contendo 130 casos de litígio de guarda, 66% originaram-se após denúncia da mãe contra o pai por abuso sexual”. De acordo com a especialista, os dados são de uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo), com base em decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e informações da organização Mães em Luta.
Apesar dos debates no Legislativo, a Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero resolveu acionar o Judiciário devido a fatores como cenário político. “O Supremo admite essa tutela de urgência e guarda uma análise mais profunda sobre questões jurídicas mais complexas e que leigos talvez não tenham essa mesma capacidade, o que nos sinalizou como o melhor caminho. A análise da inconstitucionalidade da norma como posta, com relevo ao reforço a discriminação já sofrida pelas mulheres, facilitando a prática de violência e da repressão contra essas mulheres, crianças e adolescentes, feita pelo Judiciário pode trazer uma análise mais técnica”, afirma Renata Amaral.
A ação foi distribuída à ministra Rosa Weber e não há previsão para o julgamento. A relatora solicitou informações à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal e ao Presidente da República.
Na petição, a associação cita que legislação semelhante foi revogada pela Supremo Corte do México. No julgamento, também foi usado o argumento de ausência de consenso na comunidade psiquiátrica internacional sobre o conceito de alienação parental.

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