Deputada garante que, pela legislação brasileira, já é possível punir esse tipo de violência, mas é preciso que Judiciário mude a forma de interpretar as leis
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Na Câmara dos Deputados, tramitam aproximadamente 70 propostas sobre estupro
Coordenadora dos Núcleos de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a promotora de Justiça Mariana Távora alerta que o estupro dentro das relações conjugais permanece invisível no Distrito Federal.
Em conjunto com o também promotor Bruno Machado, ela analisou casos de acolhimento de mulheres em situação de violência doméstica no setor de atendimento psicossocial do órgão entre 2014 e 2017. E concluiu que “parece ainda rondar o cotidiano das brasilienses ouvidas pelo setor psicossocial do Ministério Público a obsoleta noção de débito conjugal” – o dever de praticar sexo no casamento.
Em conjunto com o também promotor Bruno Machado, ela analisou casos de acolhimento de mulheres em situação de violência doméstica no setor de atendimento psicossocial do órgão entre 2014 e 2017. E concluiu que “parece ainda rondar o cotidiano das brasilienses ouvidas pelo setor psicossocial do Ministério Público a obsoleta noção de débito conjugal” – o dever de praticar sexo no casamento.
Em 2005 foi banida do Código Penal brasileiro a possibilidade de um estuprador não ser punido por se casar com a vítima. Mas, conforme a promotora, ainda hoje há uma dificuldade da sociedade brasileira e da Justiça de reconhecer o sexo não consentido dentro das relações conjugais como estupro.
Segundo o Código Penal, estupro seria o a ato de constranger alguém a conjunção carnal ou outro ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça. Na visão da promotora, a definição de violência deveria ser interpretada de modo a incluir a violência psicológica vivida, por exemplo, numa relação abusiva, que leva muitas vezes a mulher a não conseguir dizer “não” e não conseguir reagir.
Mas caracterizar o estupro a partir de todo o histórico de abuso da relação ainda é um entendimento raro no Judiciário, conforme explica a promotora Mariana Távora, que nunca viu isso ser abordado em casos concretos.
Observatórios da Justiça
Como essa não é uma interpretação que tem vigorado no sistema de Justiça, Mariana Távora acredita que alguma mudança na legislação pode ser necessária, mas observa que o tema deve ser discutido e amadurecido.
Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Erika Kokay chama atenção para necessidade de evitar a revitimização da mulher violentada
A deputada Erika Kokay (PT-DF) acredita que o Brasil já tem uma das melhores legislações do mundo de combate à violência doméstica e sexual, mas defende que sejam instituídos observatórios de acompanhamento dos agentes da Justiça.
“Muitas vezes o Estado revitimiza a mulher, com comentário sobre a roupa que ela usa, questionando se era isso mesmo. É preciso romper essa cadeia de vitimização. Nesse sentido é importante ter instrumentos, observatórios, para que possamos averiguar esse nível de revitimização do Judiciário de não reconhecer determinadas formas de violência que já são caracterizadas enquanto violência na legislação”, avalia.
Propostas na Câmara
Na Câmara dos Deputados, tramitam aproximadamente 70 propostas sobre estupro, como a Proposta de Emenda à Constituição 353/17, que torna o crime de estupro imprescritível; e o Projeto de Lei 483/19, que obriga o poder público a conservar o perfil genético de condenados pelos crimes de estupro.
Algumas propostas ainda tipificam novos tipos de estupro, como o “estupro de oportunidade” – que seria constranger alguém, através de ato de oportunidade, que dificulte a livre manifestação de vontade da vítima, e com ela praticar qualquer ato libidinoso (PL 8458/17) –, e o “estupro impróprio” – assim definido como constranger alguém, sem violência ou grave ameaça, a presenciar ato obsceno que interfira na livre manifestação de vontade da vítima (PL 8520/17).
Não há, no entanto, nenhuma proposta sobre estupro marital em tramitação na Casa no momento.
Segundo a promotora Mariana Távora, muitas vezes as próprias vítimas não compreendem a agressão sexual vivida em relações íntimo-afetivas como estupro. Por isso, ela defende a adoção de políticas educacionais para trabalhar a questão do consentimento no sexo desde a adolescência, para que meninos e meninas compreendam os limites do outro.
Reportagem – Lara Haje
Edição – Natalia Doederlein
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