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domingo, 3 de março de 2013


A eterna hora de sair de casa com filhos pequenos

Martha M. Batalha
Dizem os budistas que nós devemos aprender a viver no momento presente. Para eles, passado e futuro não existem. A única coisa que existe é o momento que estamos vivendo agora. Nos últimos anos, eu aprendi que são duas as formas de se alcançar a plena consciência do momento presente. A primeira é através da constante prática de meditação. A segunda é tentar sair de casa com duas crianças pequenas.

É eterno este momento. Tentar sair de casa com duas crianças pequenas é fechar-se para sempre naqueles minutos em frente à porta, onde eu e meu marido corremos ao mesmo tempo em cinco direções diferentes tentando preencher bolsas, carrinhos e colos. Nesses minutos infinitos, alguma coisa está sempre faltando e, quando a coisa que está faltando aparece, ela vem junto com a lembrança de que outra coisa está faltando e, quando a segunda coisa que estava faltando aparece, ela vem junto com a lembrança de que uma terceira coisa está faltando, e assim os minutos eternos do hall se tornam a única realidade palpável das famílias com crianças pequenas.

Se, digamos, eu tenho que ir ao pediatra, até consigo reunir os itens necessários para a partida, como biscoito, água, mamadeira, panos, paninhos, panões, urso, girafa, fralda, fralda extra para o cocô que alguém sempre faz quando a gente só leva uma fralda, etc, etc, etc. Uma coisa, porém, continua faltando e esta eu acho que não vou conseguir encontrar nunca: o que falta é a noção de continuidade de tempo por parte da minha filha de 3 anos. A Isabella é uma pessoa que não entende que o tempo passa. Se dependesse da Isabella, ela ficaria naquele hall até completar 18 anos, usando o período para satisfazer as exigências que impõe a cada saída, como, por exemplo, encher a sua mochila com três sapatos, chocalho cubano e o medidor de temperos da cozinha.

Tento convencer minha filha de que sapatos não ficam doentes e que, por isso, não precisam ir ao pediatra. É quando meu filho de 1 ano se aproveita dos segundos sem supervisão para fugir até o banheiro. Lá, ele exerce sua atividade preferida, que é a de passar tempo de qualidade abraçado ao desentupidor de privada. Eu tenho certeza de que, se meu filho fosse capaz de enumerar as coisas que mais gosta na vida, estas seriam 1- o desentupidor de privada 2- a escovinha do banheiro e 3- mamãe abraçada ao desentupidor de privada.

Vou até o banheiro apartar meu filho do desentupidor de privada. Enquanto isso, Isabella retira os itens da bolsa em busca dos biscoitos Maria. Volto para a sala e, enquanto rearrumo a bolsa, meu filho foge para o banheiro. Volto para o banheiro e, enquanto resgato meu filho, Isabella desarruma a bolsa. Volto para a sala e, enquanto rearrumo a bolsa, meu filho foge para o banheiro.

É quando eu tenho a sabedoria de parar, olhar de fora a situação, ver aquelas duas criaturas movendo-se aleatoriamente e entender que eu me casei com o homem alcalino, porque dei à luz dois coelhinhos Duracell. Depois, eu digo chega, assim não dá, assim não dá!!! Amarro os dois no carrinho duplo, eles berram e eu encontro a paz necessária para arrumar os itens da expedição ao pediatra.

O que está em jogo na grande batalha do tempo eterno do hall é: quem vai mudar quem? Ou meus filhos vão me tornar uma pessoa menos obcecada com horários ou eu vou chacoalhar suas almas para fazê-los tão neuróticos quanto eu.

A resposta mais bonita para a questão é dizer que sim, todos nós temos que nos tornar criaturas livres. Todos nós deveríamos ser criaturas saltitantes e sem compromissos. Criaturas que deveriam passar seus dias louvando o irmão sol, a irmã lua e abraçando árvores. A falta de horário nos faria felizes. Mas vá explicar isso ao pediatra que está te esperando para a consulta das 9h45 e que tem outro paciente às 10h15 e que precisa ver outras oito crianças ranhentas até a hora do almoço.

A resposta mais prática para a questão é pensar que todo mundo acaba tendo algum tipo de obsessão com horas marcadas. E incutir esta neurose nas minhas crianças é quase um serviço de utilidade pública.

Eu tenho saudades dos dias em que só precisava das chaves para sair de casa. Eu era quase uma hippie naqueles tempos. Hoje eu saio carregada de bolsas e nenéns. E confesso que é sempre um mistério pra mim como eu consigo sair de casa. Como é que, em algum momento, o feitiço do momento eterno do hall se quebra e eu me vejo caminhando no corredor rumo à nossa portaria. Um milagre, este. Um milagre.

* Martha M. Batalha é jornalista e escritora e mora em Nova York. 

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