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sábado, 12 de setembro de 2015

O machismo com um 38 na mão

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2 de Agosto de 2015 by 

A noite estava chuvosa, mas nada que impedisse a instalação daquela roda de samba no centro da praça. Pelo menos duzentas pessoas aglomeravam-se em torno da barraca branca que cobria os músicos e as caixas de som, ecoando em coro e com energia cada verso puxado.

Como o batuque era ao ar livre, um bar perto da igreja tornou-se a referência para idas ao banheiro. Um masculino e outro feminino. Quando a fila dos homens se encerrou, as mulheres passaram a usar ambos. Obviamente. Afinal, quem, com a bexiga cheia, iria deixar uma privada vazia só porque o letreiro na porta delimitava uma restrição?
Após algumas trocas de impressões sobre o patriarcado nosso de cada dia, elas decidiram tornar a fila mista. Qualquer homem que chegasse esperaria como todo mundo. Assim, dois sujeitos que receberam o chamado da natureza e se aproximaram foram convencidos, no diálogo, de que não havia ali distinção e deveriam aguardar a sua vez.
Conversa vai, conversa vem, surge um moço que não aceita entrar na fila. Ele começa a gritar, empurrar, diz que vai urinar de qualquer jeito. Está no direito dele de macho dominante, certo? As mulheres se unem, bloqueiam a passagem e eis que a figura, já enraivecida, puxa um 38 e anuncia que é policial civil. Ia atirar se não pudesse mijar.
Congele a cena e responda rápido: quais elementos levaram esse homem a achar que ele podia simplesmente fazer o que fez?
Em primeiro lugar, o machismo. Quem eram aquelas mulheres para exigir que alguém que está em um lugar hierarquicamente superior na sociedade se submetesse a uma experiência temporária de igualdade? Ele achou que podia sim, literalmente, passar por cima delas. Está acostumado a isso. Não à toa foi necessário cunhar, nas últimas décadas, o termo “feminicídio” para definir as mortes de mulheres por serem mulheres.
Em segundo lugar, a posição de poder que a polícia ocupa, aliada à forte impunidade. Em Salvador (BA) – só para citar a cidade em que cena do bar se passou – dez policiais foram recentemente absolvidos da acusação de homicídio triplamente qualificado contra 12 jovens assassinados no episódio conhecido como chacina do Cabula, ainda que, na maioria dos corpos, houvesse “lesões de defesa’”, que são ferimentos nas mãos e nos braços, e tiros que denotam que o atirador estava em posição superior em relação à vítima”. Ou seja, indícios de que foram sumariamente executados. Se algo tão grave assim foi possível, quem dirá então uma mera tensão em uma fila de bar?
Descongele a cena: os dois caras que haviam chegado antes do policial e tinham topado esperar peitaram ele e o sujeito foi embora. Foram muito solidários. Eu voltei para a roda de samba para cantar Batatinha e tentar esquecer, ao menos por algumas estrofes, a violência em que estamos enfiadxs.

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