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sexta-feira, 4 de março de 2016

Direito ao aborto


A ativista Debora Diniz
Ativista Debora Diniz prepara ação para que o STF autorize o aborto em gestações de bebês com microcefalia (Foto: BBC)
O instituto Datafolha realizou uma pesquisa de opinião, entre os dias 24 e 25 de fevereiro último, a respeito da legalização do aborto para grávidas contaminadas pelo vírus Zika. A enquete foi feita em 171 municípios do País e foram entrevistadas 2.768 pessoas.

Neste levantamento constatou-se que 58% dos entrevistados avaliam que as grávidas infectadas pelo vírus Zika não podem ter a opção de interromper a gravidez, contra 32% que defendem esse direito, sendo que 10% não opinaram. Mesmo se a microcefalia for detectada durante a gravidez, a rejeição ao aborto atingiu o percentual de 51%. Nesta pesquisa a aprovação do aborto foi majoritária apenas entre pessoas com escolaridade superior e com renda acima de cinco salários mínimos. O levantamento também apurou que os brasileiros responsabilizam os governos federal, estadual e municipal (em índices semelhantes) pelos casos de Zika, mas culpam ainda mais a própria população.

Se comparada a outra pesquisa em que se buscava a opinião da população a respeito do aborto de um modo geral, realizada pelo mesmo instituto em novembro passado, a rejeição à interrupção da gravidez diminuiu muito, mas ainda é majoritária.

O aborto no Brasil é considerado crime contra a vida. E o que diz a lei? Aborto provocado pela vítima ou com seu consentimento: pena – detenção de um a três anos. Aborto provocado por terceiros sem o consentimento da gestante: pena – reclusão de três anos a dez anos. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Exceções: Gravidez resultante de estupro, quando o feto for anencéfalo ou quando há risco de vida à mãe.

Mesmo diante da proibição legal, médicos relatam que muitas pessoas recorrem ao aborto clandestino antes da confirmação da malformação do feto. Os procedimentos custam de R$5.000,00 a R$ 15.000 dependendo do estágio da gravidez. O aborto, mesmo antes do surto do vírus que provoca malformações, é praticado no Brasil e os hospitais públicos recebem muitas pacientes com complicações decorrentes de tentativas de abortamento. O medicamento utilizado para a interrupção da gravidez é o misoprostol, conhecido como Citotec, para uso exclusivo em hospitais e venda proibida nas farmácias desde 1998. Porém, esse remédio é contrabandeado e largamente utilizado.

A regra ou a proibição de interrupção da gravidez obriga todas as pessoas a se guiarem por noções de vida e humanidade professadas por pessoas que detêm o poder de impô-las pela lei. Existem muitas concepções sobre o início da vida e sobre o conceito de humanidade, mas no Brasil, o Estado encampou até agora apenas uma – o aborto é proibido porque é considerado crime contra a vida.

Enquanto esta proibição existir o aborto será praticado de forma ilegal e com consequências tenebrosas pois quem não tem recursos para se proteger em clínicas com bons médicos, acaba morrendo em clínicas sem a menor condição de higiene ou em enfermarias dos hospitais públicos. Uma simples conversa com médicos que trabalham nos hospitais do SUS comprova esta situação.

A relação entre o vírus Zika e a microcefalia e outras anomalias congênitas, inclusive no sistema nervoso central, vem sendo confirmada a cada dia por pesquisadores no Brasil e no mundo. A Organização Mundial de Saúde, diante do surto que afeta muitos países decretou emergência mundial. O noticiário está cheio de casos de mães, especialmente no Nordeste, mas também no Sudeste, que abandonam seus filhos nascidos com deficiência em hospitais públicos.

Será mesmo que o caminho que estamos trilhando é o melhor para a segurança e o direito à vida? Não será uma enorme hipocrisia negar o direito ao aborto a milhares de mulheres jovens?

O tema da legalização do aborto no caso da contaminação pelo vírus Zika irá ao Supremo Tribunal Federal pelas mãos de um grupo de acadêmicas e ativistas que está preparando uma petição nesse sentido. O grupo é liderado pela mesma antropóloga que capitaneou a luta pela legalização do aborto de anencéfalos, Debora Diniz.

Espero que o STF não se guie pelas pesquisas de opinião como tem ocorrido em muitos casos. Dou o exemplo da lei de cotas raciais. Em todas as pesquisas os brasileiros eram majoritariamente contrários à tal política, mas o STF considerou-a constitucional aprovando pela primeira vez no País uma lei racial.

Em tempo.  No início de fevereiro último o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos  da ONU defendeu o direito ao aborto em países atingidos pelo Zika vírus.


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