Angela Maria era adorada por suas colegas de profissão, como Carmen Miranda. Na opinião de Elis Regina, tratava-se “da maior cantora que o Brasil já teve” Foto: José Santos / Agência O Globo |
A morte de Angela Maria, aos 89 anos, no sábado 29, marcou não somente o fim de uma das trajetórias musicais mais longevas do país — quase 70 anos de carreira —, como também um momento da cultura brasileira que teve como centro as rádios e boates cariocas e os discos de 78 rpm e LPs.
Nascida Abelim Maria da Cunha, em Conceição de Macabu, no Rio de Janeiro, em uma família de dez filhos comandada por uma dona de casa e um pastor protestante, adotou o nome Angela Maria para não ser descoberta pela família quando se apresentava nos programas de calouros das rádios da época.
Nascida Abelim Maria da Cunha, em Conceição de Macabu, no Rio de Janeiro, em uma família de dez filhos comandada por uma dona de casa e um pastor protestante, adotou o nome Angela Maria para não ser descoberta pela família quando se apresentava nos programas de calouros das rádios da época.
Vivendo em dificuldades financeiras, foi, como os irmãos, separada pelos pais. Morou com duas irmãs e uma tia idosa. Trabalhou em uma fábrica de tecidos, como recepcionista em um consultório dentário e inspetora de qualidade em uma fábrica de lâmpadas — onde derrubou a produtividade de toda a equipe, por cantar o tempo inteiro.
Demitida, foi viver com uma irmã em Bonsucesso, no Rio, e dedicou-se a cantar nos programas de calouros. Fã de Dalva de Oliveira, copiava a ela e a seu repertório. Na Rádio Nacional — a maior do país — foi aconselhada a procurar emprego como crooner no Dancing Avenida, na Avenida Rio Branco. Ali, substituindo Elizeth Cardoso, recebeu o conselho que mudaria sua vida: “Minha filha, quer ser a maior cantora do Brasil? Se quiser, liberte-se da Dalva de Oliveira”, disse-lhe o cantor e compositor Erasmo Silva — citado no livro A noite do meu bem (Companhia das Letras), de Ruy Castro. Teve duas semanas para encontrar um repertório para chamar de seu.
Suas primeiras gravações foram lançadas em 1951 — ano em que Dalva de Oliveira, já em carreira solo, foi eleita Rainha do Rádio. Em 1953 Angela Maria gravaria canções de grande sucesso, como “Nem eu” (Dorival Caymmi) e “Vida de bailarina” (Américo Seixas e Chocolate). Nessa década viriam, ainda, “Mamãe” (David Nasser e Herivelto Martins) e “Babalu” (Margarita Lecuona). Em 1954, já conhecida nacionalmente como a “Sapoti”, apelido dado pelo presidente Getulio Vargas em referência ao tom de sua pele, recebeu a coroa de Rainha do Rádio, com quase 1,5 milhão de votos — Vargas, nas eleições de 1950, tivera pouco mais de 3,8 milhões.
Emocionando mães, filhas, avós, primas e tias com um cancioneiro romântico, Angela Maria tornou-se a maior estrela do Brasil. Era querida e requisitada por presidentes — como Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros — e artistas, como Carmen Miranda. Estampou capas de publicações mais de 250 vezes e — caso único naquele tempo — chegou a apresentar-se em rádios concorrentes, como a Mayrink Veiga.
As mudanças ocorridas no cenário musical a partir do final dos anos 50 impactaram a vida dos cantores românticos. Angela Maria, porém, manteve-se em cena — sem abrir mão de seu estilo. Em plena Jovem Guarda, lançou “Cinderela”, canção que contava a história de uma moça que esperava o príncipe encantado. Em 1970 lançou no LP Angela de todos os temas “Gente humilde” (Garoto, Vinicius de Moraes e Chico Buarque) e sua versão de “Último desejo” (Noel Rosa). Nas décadas seguintes, juntaria a seu repertório composições de Djavan, Cazuza, Lulu Santos e Gonzaguinha.
Foi a potência da voz de Angela Maria que levou Elis Regina, ainda menina, a descobrir que “o ser humano tem o instrumento mais perfeito, que é a voz”, e que, com ela, poderia “fazer todas as maravilhas”. As duas se reuniram no palco em 1972, quando cantaram “Vida de bailarina”. “Comecei minha carreira imitando descaradamente Angela Maria. Até hoje, em certos momentos de minhas apresentações, eu saco em minha voz a voz da Angela Maria”, disse em 1980. Antes de morrer, em 1982, predisse: “Angela Maria é para mim a maior cantora que o Brasil já teve e vai continuar tendo por muito tempo”. A cantora cumpriu o vaticínio, deixando legado de mais de 850 gravações.
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