05/10/2018
Em artigo publicado na imprensa norte-americana, a chefe da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, defende que a publicidade combata estereótipos sobre o que é ser mulher e o que é ser homem.
Dirigente afirma que consumidores estão atentos à diversidade presente — ou ausente — nos comerciais. Para a subsecretária da ONU, publicitários têm a chance de fazer o bem e combater desigualdades de gênero.
Por Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres e subsecretária-geral das Nações Unidas*
A publicidade tem um propósito principal: vender um produto, influenciar escolhas, atrair ou construir a lealdade a uma marca. Precisamos nos acostumar mais com a ideia de que ela também pode — e deve — fazer o bem. E não existe um motivo razoável por que ela não deveria. Afinal, sabemos que os consumidores querem isso e que comerciais que usam personagens progressistas, multidimensionais, vendem mais produtos.
Com a The Female Quotient e Ipsos, fizemos uma pesquisa com 14,7 mil homens e mulheres de 16 a 64 anos de idade, em 28 países em todo o mundo — e 84% concordaram com a afirmação “Eu gosto muito quando comerciais incluem uma mensagem positiva sobre fazer o mundo melhor”. No entanto, apenas 38% dessas mesmas pessoas afirmaram que tinham visto um comercial ao longo do último ano que as fizeram se sentir inspiradas. Existe aí uma oportunidade perdida e vitalmente importante, especialmente quando se trata de fazer uma mudança positiva no modo como papéis de gênero tradicionais são retratados.
Na ONU Mulheres, questionamos por que as mensagens que vemos todos os dias, ecoadas em telas, páginas e cartazes, não mostram as mulheres como iguais aos homens, as meninas como tão capazes quanto os meninos e as pessoas em toda a sua magnífica diversidade. Sabemos que onde existe desigualdade, existe discriminação; onde existem desequilíbrios de poder, existe violência; onde existe exclusão, existe pobreza de todo tipo. E nos perguntamos se existia um legado inconsciente de agressões que se acumulam a partir de uma caracterização ignorada.
No ano passado, no Festival dos Leões de Cannes, na França, eu reuni alguns dos maiores líderes da indústria para formar a Unstereotype Alliance (Aliança para Des-estereotipar, em tradução livre para o português) e confrontar esse desafio. Os membros se comprometeram a criar conteúdo publicitário sem estereótipos, mostrando as pessoas como agentes empoderados; a deixar de objetificar as pessoas; a retratar personalidades progressistas e multidimensionais; e a fomentar uma cultura sem estereótipos por meio de práticas empresariais e no local de trabalho que promovam a igualdade de gênero.
Desde então, nosso movimento cresceu rapidamente, com 14 novos membros entrando para o time nos últimos meses. Enquanto um grupo, desenvolvemos ferramentas compartilhadas para medir tanto o conteúdo quanto as práticas das empresas, e estamos reunindo um conjunto crescente de pesquisas sobre como desconstruir estereótipos. Continuamos a crescer enquanto um fórum onde os membros colocam de lado a competição em prol da colaboração, a fim de alcançar as metas mais elevadas definidas pelas Nações Unidas — em particular, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
Nunca houve um momento melhor para mudar os estereótipos negativos que tiram desproporcionalmente oportunidades das mulheres e constroem versões confinadoras da masculinidade. Essa parceria global com publicitários nos dá o alcance para mudar a conversa, reescrever mensagens e pedir o fim da discriminação.
A Unstereotype Alliance estreou um curta em Cannes nesse ano chamado The Problem is Not Seeing the Problem (O problema é não ver o problema, em tradução livre para o português), criado por MullenLowe da IPG. Nosso ponto de partida é tornar o problema visível, aprender como os estereótipos se estabelecem e como eles variam de cultura para cultura. É complexo: nossa pesquisa Beyond Gender (Para além do gênero, em tradução livre para o português) ilustra como a discriminação baseada em gênero é composta por outras formas de discriminação, como raça, idade ou estado civil.
Por exemplo, na África do Sul, 72% das mulheres negras casadas disseram acreditar que a sociedade espera que elas sejam femininas e obedientes, em comparação à média de 58% de todas as mulheres. Como uma aliança, nós nos comprometemos a enfrentar essas formas múltiplas de discriminação e a promover uma masculinidade positiva.
Também temos as descobertas iniciais do nosso Estudo de Atitudes de Igualdade de Gênero. Essa pesquisa, a primeira do tipo, sobre normas sociais baseadas em gênero, começou em dez países, incluindo Colômbia, Índia, Japão, Filipinas, Quênia, Nigéria, Emirados Árabes Unidos, Turquia, Suécia e os Estados Unidos, com planos de levá-la a outros 40. Técnicas de pesquisa do consumidor também estão nos ajudando a entender como homens e mulheres veem questões como o acesso à educação, emprego, cuidados de saúde, participação política e liderança, assim como as dinâmicas da violência baseada em gênero.
Até o momento, os resultados mostram altas percepções de desigualdade entre mulheres e homens em todas as dimensões e países, desenvolvidos e em desenvolvimento, e uma grande lacuna na liderança e participação das mulheres. Isso está nos ajudando a expor crenças generalizadas e simplificadas demais e ver o problema com mais nuances.
Conforme continuamos a aprofundar nossa pesquisa, os parceiros da Unstereotype Alliance já estão aplicando-a para mostrar pessoas em toda a sua complexidade e para criar uma publicidade que não seja apenas livre de estereótipos, mas também seja progressista em seus retratos.
Na pesquisa conduzida pela Ipsos, 76% dos participantes concordaram que “a publicidade tem muito poder para moldar o modo como as pessoas percebem uns aos outros”. Eles estão certos. E nossos membros estão certos. Eles estão na vanguarda. Isso é uma boa linha de partida. É o que as pessoas querem. E é essencial, se quisermos criar um mundo com igualdade de gênero para essa e as gerações vindouras. Una-se a nós e construa um legado de fazer o bem consciente.
*Publicado originalmente no site Adweek, em 1º de outubro de 2018.
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