Especialista em mobilização feminista nas redes sociais explica a estratégia para mudar comportamentos machistas
O #metoo começou nos Estados Unidos a partir de depoimentos de mulheres de repercussão nacional e internacional, principalmente artistas e famosas, com o tema dos abusos no cinema. O caso mais famoso é o da cena de sexo anal em Último tango em Paris, filme da década de 70, que mais tarde se admitiu como estupro. Então, várias atrizes vieram a público dizer como atitudes desse tipo eram comuns. O #metoo fez parte de um processo de começar a reconhecer a violência de gênero no cotidiano e em lugares que jamais imaginávamos que existisse. Estamos acostumados a pensar a violência de gênero como violência de casal, caso de polícia, Lei Maria da Penha. O #metoo trouxe a ampliação da noção de violência de gênero, fruto da reflexão e da atuação de vários grupos feministas. Temas como mulheres que ganham menos que homens exercendo a mesma função, o assédio no local de trabalho, na rua, a chantagem, a violência obstétrica, o estupro.
No Brasil, o #metoo chegou na sintonia dessa violência sobre a qual todas têm alguma história para contar. Criou uma identificação de mulheres compartilhando experiências parecidas. Mas é importante dizer que no Brasil já estavam acontecendo outras hashtags. A ideia de que foi algo que veio de fora não nos ajuda. Desde 2016, surgiram aqui hashtags como #meuamigosecreto e #primeiroassedio. Entre os grupos feministas, há discordâncias. E, nesse ambiente, o #metoo ajudou a criar concordâncias. Houve uma apropriação estratégica do #metoo no Brasil. O objetivo de todas essas hashtags não é punir ninguém. É tornar público um tema, suscitar um debate geral, fazer as pessoas se reconhecer naqueles relatos, sensibilizar e provocar uma mudança de atitude para as mulheres não se prestarem mais a determinadas coisas. É mais pedagógico que punitivo.
No Brasil, o #metoo chegou na sintonia dessa violência sobre a qual todas têm alguma história para contar. Criou uma identificação de mulheres compartilhando experiências parecidas. Mas é importante dizer que no Brasil já estavam acontecendo outras hashtags. A ideia de que foi algo que veio de fora não nos ajuda. Desde 2016, surgiram aqui hashtags como #meuamigosecreto e #primeiroassedio. Entre os grupos feministas, há discordâncias. E, nesse ambiente, o #metoo ajudou a criar concordâncias. Houve uma apropriação estratégica do #metoo no Brasil. O objetivo de todas essas hashtags não é punir ninguém. É tornar público um tema, suscitar um debate geral, fazer as pessoas se reconhecer naqueles relatos, sensibilizar e provocar uma mudança de atitude para as mulheres não se prestarem mais a determinadas coisas. É mais pedagógico que punitivo.
Vivenciar esses movimentos e as redes feministas me chamou a atenção para o protagonismo feminista na internet. Para a expansão desse ideário. Escrevi uma vez um artigo, mais lido até que minha tese, sobre os chamados feminismos web. Mostrei como várias páginas e blogs de mulheres se relacionavam. O mais curioso é que eram sempre narrativas em primeira pessoa de mulheres jovens. Muitas se descobrindo feministas. Deveríamos pensar um sujeito no sentido mais sociológico do termo, produzido a partir das práticas da internet. Existe uma desigualdade no mundo high-tech, onde ouvimos falar muito mais de homens da tecnologia, como Steve Jobs, do que de mulheres. Por outro lado, temos muitos usos sociotechs da tecnologia. E eles estão sendo muito bem aproveitados por esses movimentos de mulheres.
Não é de hoje que não podemos pensar mais em uma divisão entre on e off-line. Se algo está acontecendo na internet em termos de movimentação política, é porque está conectado a um espaço analógico, off-line, dos movimentos. Vemos isso o tempo todo, e com as mulheres não tem sido diferente. Em 2015, tivemos a primavera feminista contra o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha — o #foracunha, por causa da tentativa de restringir o direito ao aborto previsto em lei. Aquela quantidade de mulheres e o chamado para a rua estão completamente ligados a uma forma de se organizar na internet. Existe esse trânsito entre on e off-line. E são pessoas comuns, ao mesmo tempo produzindo e consumindo conteúdo — a ideia de “prosumer”. Todas essas manifestações políticas foram feitas a partir desse sujeito que se produz na internet.
É interessante também que essa explosão na rede e nas ruas tenha partido de retrocessos legislativos em relação aos direitos das mulheres. O perigo real de retirada de direitos mínimos, sexuais e reprodutivos das mulheres duplicou a ativação de sensibilidade que as hashtags já estavam trazendo na internet. Foi a faísca para essas hashtags. Uma propulsão que foi imediatamente vista nas ruas. Tanto na época do #foracunha como mais recentemente, com o #elenão. São movimentos que têm a ver com como um homem se pronuncia em relação às mulheres. E não há retorno. Essa mudança já está configurada.
De certa forma, pensando no contexto brasileiro, o #elenão foi até mais forte do que o #metoo, em termos de resposta a Jair Bolsonaro. Nasceu como movimento brasileiro, com um caráter e um objetivo. Não houve um tipo de #elenão para Trump, marcado por gênero, por um protesto contra a misoginia nos Estados Unidos. E a hashtag também circulou o mundo.
As possibilidades de recriar essas estratégias são infinitas. Se acontecer novamente um cenário de ameaça aos direitos das mulheres, certamente surgirá outra hashtag. O que agora talvez venhamos a ver são grupos de mulheres que jamais imaginamos que viriam a público colocando suas pautas e se aproximando com noções feministas contra a misoginia. Não só de Bolsonaro. É bom ficar de olho nas mulheres ligadas a religiões, em especial a evangélica. Haverá grupos de discordância, e a internet é sempre um bom lugar para falar e se fazer ouvir.
Carolina Branco Ferreira é antropóloga e estuda o feminismo nas redes sociais
Nenhum comentário:
Postar um comentário