A crítica da branquitude precisa ir além do reconhecimento dos privilégios, com a reflexão genuína por parte da população branca sobre incluir e dividir espaços
Época
GIULLIANA BIANCONI
29/12/2019
Época
GIULLIANA BIANCONI
29/12/2019
O ator negro anunciado como “o primeiro Papai Noel negro” protagonista do especial de Natal mais badalado da TV brasileira, a escritora negra que, formada em filosofia, conectada com as demandas políticas urgentes, tornou-se referência, é autora de livros que são sucesso em vendas no país, influencia debates em esferas públicas e privadas. A jornalista que em 2019 foi notícia por ser a primeira negra a sentar na bancada para apresentar um dos telejornais mais tradicionais. Ainda estamos nas “primeiras vezes” quando falamos sobre a questão racial e a reparação histórica que precisa ser feita, uma vez que “até ontem” o mito da democracia racial ainda encontrava mais espaço no Brasil do que o debate sobre antirracismo.
Apesar disso, é preciso observar o copo meio cheio: que importante estarmos vivenciando isso na sociedade brasileira. Aliás, se houve um debate proveitoso nesse 2019 foi sobre branquitude e antirracismo. “A questão racial não é para o negro resolver”, nos ensina a autora Conceição Evaristo reiteradamente, em suas entrevistas em diversos veículos, em palestras e mesas nos eventos de literatura. Aonde vai, Evaristo ensina, e isso também deve ser cansativo para alguém que poderia estar apenas colhendo os louros da sua bem-sucedida trajetória profissional. “Não sou wikipreta”, já anunciou a filósofa e escritora pop Djamila Ribeiro, verbalizando o grande incômodo que há com a falta de conhecimento geral sobre as questões raciais que atravessam o Brasil, reflexo também da falta de reflexão genuína por parte da população branca sobre a necessidade de incluir, dividir espaços. A rapper Preta Rara, também influencer nas redes sociais, já provocou: “Estou cansada de branco que me diz na balada que reconhece seus privilégios. Quero saber o que vem depois. Você está fazendo a reparação histórica?”. Evaristo, Djamila e Preta Rara já são ícones de um novo tempo.
Apesar disso, é preciso observar o copo meio cheio: que importante estarmos vivenciando isso na sociedade brasileira. Aliás, se houve um debate proveitoso nesse 2019 foi sobre branquitude e antirracismo. “A questão racial não é para o negro resolver”, nos ensina a autora Conceição Evaristo reiteradamente, em suas entrevistas em diversos veículos, em palestras e mesas nos eventos de literatura. Aonde vai, Evaristo ensina, e isso também deve ser cansativo para alguém que poderia estar apenas colhendo os louros da sua bem-sucedida trajetória profissional. “Não sou wikipreta”, já anunciou a filósofa e escritora pop Djamila Ribeiro, verbalizando o grande incômodo que há com a falta de conhecimento geral sobre as questões raciais que atravessam o Brasil, reflexo também da falta de reflexão genuína por parte da população branca sobre a necessidade de incluir, dividir espaços. A rapper Preta Rara, também influencer nas redes sociais, já provocou: “Estou cansada de branco que me diz na balada que reconhece seus privilégios. Quero saber o que vem depois. Você está fazendo a reparação histórica?”. Evaristo, Djamila e Preta Rara já são ícones de um novo tempo.
Evaristo e Preta Rara vivenciaram o trabalho doméstico. A primeira teve a infância e a juventude como empregada doméstica e cinco décadas depois (2018) era candidata a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras - até hoje a instituição não teve uma mulher negra entre os “imortais”. Ela representa o Brasil negro que furou a bolha da branquitude, mas ainda com a maior parte da sua trajetória marcada pela invisibilidade, pela exclusão constantes.
Inclusive, um parêntese para observar que ao não ser eleita para a cadeira 7 da Academia, a escritora viu mais um homem branco, o cineasta Cacá Diegues, diretor de filmes como “Xica da Silva”, ocupar o espaço. Um clássico do Brasil de herança colonial: homens brancos que colhem louros por retratarem, a partir da visão de mundo e das relações sociais construídas sobre a base do privilégio, a história dos subalternizados.
Preta Rara (Joyce Fernandes na identidade) fez sua revolução mais cedo, justamente contando, ela mesma, por meio de uma página em rede social, as suas experiências como mulher subalternizada. A página “Eu, empregada doméstica” ganhou visibilidade, e histórias de diversas mulheres foram contadas, por elas mesmas. Djamila, de família classe média, não repetiu a trajetória do trabalho doméstico. Mas narra no seu livro “Quem tem medo do feminismo negro” a percepção do racismo vivenciado por ela desde a infância.
Elas hoje são parte do movimento negro que busca, com múltiplas vozes, construir um século XXI de reconhecimento e reparação profundas à população negra, sem mais tolerância para práticas e discursos de perpetuação da opressão e da exclusão. Mulheres e homens negros já discutem a representatividade com suas próprias vozes, que ecoam em espaços “de elite” do conhecimento e da mídia no país. Fazem isso, entretanto, enquanto denunciam o racismo de cada dia enraizado num sistema de valores criado e validado pelos brancos, por séculos.
O sistema tem sido discutido e confrontado, com sofisticação e visibilidade. Essa é uma boa notícia. Uma cena potente a ser destacada em 2019 foi a do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, lotado, com público de cerca de 15 mil pessoas que foi até lá numa noite fria para ver e ouvir a filósofa, ativista do movimento negro e escritora Angela Davis - em passagem no Brasil para lançamento do seu recente livro, “Uma Autobiografia”. No palco, Davis esteve acompanhada de outras mulheres negras - a pesquisadora Raquel Barreto, que assina o prefácio do livro, a escritora e também pesquisadora Bianca Santana, a tradutora Raquel de Souza e a diretora na Fundação Rosa Luxemburgo, Christiane Gomes. Um palco de mulheres negras intelectuais falando para um público de brancos e pretos, com suas reflexões repercutindo em todas as plataformas de mídia: TV, internet, rádio etc. Um retrato de um novo tempo? Sim. Mas não ainda de “um novo Brasil”, que só será possível quando as manchetes
do pisoteamento no baile funk, dos feminicídios que vitimizam mais mulheres negras do que brancas, das balas “perdidas” que atingem jovens e crianças negras nas favelas mobilizarem e indignarem a população branca. Quando a crítica da branquitude for além do reconhecimento dos privilégios.
O sistema tem sido discutido e confrontado, com sofisticação e visibilidade. Essa é uma boa notícia. Uma cena potente a ser destacada em 2019 foi a do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, lotado, com público de cerca de 15 mil pessoas que foi até lá numa noite fria para ver e ouvir a filósofa, ativista do movimento negro e escritora Angela Davis - em passagem no Brasil para lançamento do seu recente livro, “Uma Autobiografia”. No palco, Davis esteve acompanhada de outras mulheres negras - a pesquisadora Raquel Barreto, que assina o prefácio do livro, a escritora e também pesquisadora Bianca Santana, a tradutora Raquel de Souza e a diretora na Fundação Rosa Luxemburgo, Christiane Gomes. Um palco de mulheres negras intelectuais falando para um público de brancos e pretos, com suas reflexões repercutindo em todas as plataformas de mídia: TV, internet, rádio etc. Um retrato de um novo tempo? Sim. Mas não ainda de “um novo Brasil”, que só será possível quando as manchetes
do pisoteamento no baile funk, dos feminicídios que vitimizam mais mulheres negras do que brancas, das balas “perdidas” que atingem jovens e crianças negras nas favelas mobilizarem e indignarem a população branca. Quando a crítica da branquitude for além do reconhecimento dos privilégios.
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