Um guia para você se situar entre as novidades e as joias dos catálogos das plataformas para diferentes públicos
EL PAÍS
Madri - 26 MAR 2020
1. Para ficar em dia: as séries das quais se falou nos últimos meses
Succession. A grande série de prestígio dos últimos anos. Um elenco impecável interpreta uma das famílias mais ricas do mundo, composta por herdeiros em potencial do império midiático do pai. Está todo mundo lá: o primogênito detestado, o irmão menor bufão, o primo aproveitador, a madrasta questionável. E todos os atores se destacam em seus papéis (esta série é mais bem escrita e interpretada que a maioria das recentes ganhadoras do Oscar nessas duas categorias). Não apenas oferece o prazer inquestionável de se maravilhar com e odiar um grupo de desprezíveis bilionários; também tem a inteligência de não ser monótona nem pretender dar sermão com uma mensagem. As intrigas da família vão passando a um segundo plano, enquanto vão sendo polidas as cenas da família reunida, gritando uns com os outros e descobrindo uma traição depois da outra em diferentes combinações. Dá para ver em uma maratona? É possível porque certamente não cansa, mas é mais agradável assisti-la aos poucos. Duas temporadas de 10 episódios de 40 minutos. HBO.
Euphoria. O drama de adolescentes que tornou antigos todos os outros dramas adolescentes. Mais para ver do que para entender, reúne os clichês habituais (amores malditos, drogas, sexo, garoto popular com segredos, chantagens, adultos nem um pouco confiáveis) e os torce (tem uma garota trans no casal principal, as drogas são vistas do ponto de vista de uma viciada em reabilitação) enquanto os envolve em uma estética onírica de purpurina e olhares tristes. Dá para ver em uma maratona? É recomendável espaçá-la. Uma temporada de oito episódios de 40 minutos. HBO.
Trust Me. Um dos dramas mais reveladores da era do Me Too conta a história de uma vítima de estupro e do tortuoso processo ao qual é submetida pela Justiça: repetir a história várias vezes, lidar com céticos, ver como colocam a culpa nela... Baseado em uma reportagem da ProPublica (e, portanto, em fatos dolorosamente reais), tem uma incrível Toni Colette, que ganhou o Globo de Ouro. Foi uma das séries do ano de Barack Obama, junto com Fleabag e Watchmen. Dá para ver em uma maratona? Não. Uma temporada de oito episódios de 40 minutos. Netflix.
Chernobyl. A claustrofóbica encenação do pior acidente nuclear da história, da tola luz vermelha que acende quando algo começa a dar errado no núcleo do reator de uma central ucraniana às mentiras catastróficas com as quais o Kremlin administrou o desastre e colocou em perigo inúmeras vidas. É sóbria, seca como um areal e tem momentos magistrais de tragédia. É o melhor para uma quarentena provocada por uma pandemia? Não, em absoluto. É a pior ideia que se pode ter. Mas é a pior ideia mais bem-feita em seu aparelho de televisão. Dá para ver em uma maratona? Não é impossível, mas você só dormirá em 2021. Uma temporada de seis episódios de uma hora. HBO.
Watchmen. Tem muito para assustar o espectador médio. É baseada em uma história em quadrinhos de super-heróis, houve um filme não muito bem recebido sobre o mesmo material, o elenco não é muito conhecido... E, no entanto, foi o título com as melhores críticas do ano. Talvez seja pela maneira como aproveita as possibilidades da ficção científica e da fantasia, e da ideia de uma raça de super-homens, para falar sobre intolerância, supremacismo e outros aspectos da sociedade atual. Dá para ver em uma maratona? Não é especialmente movimentada. Uma temporada de nove episódios de uma hora. HBO.
The Morning Show. A Apple TV + se juntou ao universo das plataformas com bastante alarde e essa história ambientada nos bastidores de um programa matinal de televisão é sua maior aposta. Este drama com um elenco de luxo (o retorno à televisão de Jennifer Aniston, Reese Witherspoon e Steve Carell custou à empresa alguns bons milhões de dólares) começa hesitante, mas conseguiu se posicionar como uma das surpresas da temporada com uma trama vai além da luta de egos entre as duas apresentadoras do programa para abordar o mundo depois do Me Too de uma maneira mais do que interessante. Dá para ver em uma maratona? Dez episódios de uma hora talvez seja muito, mas é bastante maratonável; de fato, possivelmente se desfrutará mais dessa forma. Apple TV +.
2. Para se emocionar
Kidding. Pouco se fala sobre o retorno do melhor Jim Carrey, em uma daquelas interpretações que podem te arrancar uma risada e ao mesmo tempo romper seu coração em mil pedaços. Carrey se coloca na pele de um apresentador de programa de televisão infantil cujo único objetivo na vida é fazer todo mundo feliz, mesmo que o faça refreando seus impulsos mais profundos. Um trauma que começa com um trágico acontecimento: a morte de seu filho em um acidente de trânsito. Esta série, com a particular assinatura de Michel Gondry, contém algumas das sequências mais imaginativas já rodadas em televisão e uma atriz coadjuvante sempre a ser destacada: Catherine O’Hara, como professora de marionetes. Kidding te ajudará a buscar a felicidade em qualquer detalhe. Dá para ver em uma maratona? Correndo o risco de explodir por suas loucuras, sim. Duas temporadas, 10 episódios cada, 30 minutos. Showtime.
Jane the Virgin. É, ao mesmo tempo, uma novela e uma das séries mais bem escritas dos últimos anos. Cada capítulo está cheio das reviravoltas inesperadas de toda novela: mortes surpreendentes, amantes que são assassinos, amnésia, irmãos gêmeos secretos que assumem a identidade de outros... E, no entanto, os personagens são tão habilmente concebidos, com os pés tão no mundo real, que reagem a essas reviravoltas como pessoas não apenas normais, mas até mais sensatas que o normal. Essa combinação torna o que poderia ser insuportável em algo encantador e viciante. Isso é necessário porque a premissa é forte: uma garota católica, latina e pobre, que pretende chegar virgem ao casamento, adormece na consulta de sua ginecologista, que a insemina por engano com a última amostra de sêmen de um herdeiro rico. Dá para ver em uma maratona? Deve-se. Cinco temporadas de 20 episódios de uma hora. Netflix (última temporada no Lifetime).
One Day at a Time. Ninguém pode estar triste se for assistir a essa fera do espetáculo que é Rita Moreno, uma atriz versátil de 88 anos que faz sucesso desde West Side Story. Se você assistir One Day at a Time, vai chorar muito, sim, mas será um daqueles prantos saudáveis, necessários para o alívio, nos que no fim tudo dá certo. Esta série imperecível aborda com um estilo clássico os grandes problemas do mundo atual a partir da rotina de uma família latina nos EUA. Se as temporadas da Netflix não forem suficientes, depois do seu cancelamento na plataforma a série continua sendo rodada (por estes dias sem público) por aclamação popular, agora em outra rede, a TV Pop. Você vai querer ficar trancado com a família Álvarez. Dá para ver em uma maratona? Se você deseja se desidratar, sim. Três temporadas, 10 episódios cada, 30 minutos. Pode ser assistida com crianças. Netflix.
Virgin River. Uma série para assistir em família. É como se um telefilme vespertino de fim de semana se tornasse uma série. Perfeita para se sentir bem e reconfortado durante um tempo com algo sem nenhuma pretensão além disso. Uma mulher chega a uma remota cidadezinha canadense fugindo de uma vida complicada. Lá, ela começará a trabalhar como enfermeira com o médico do pitoresco lugar. Claro, desde o primeiro momento encontrará o apoio do belo proprietário do restaurante do local. Um dramédia leve com certo ar (exceto as grandes distâncias) à la Northern Exposure ou Gilmore Girls por causa da cidadezinha com habitantes peculiares, onde todos acodem quando um deles precisa de ajuda. Dá para ver em uma maratona? Sim, claro. São 10 episódios de 40 minutos e adequados para todos os públicos. Netflix.
3. Para rir
O Método Kominsky. Estrelada por Michael Douglas, de 75 anos, e Alan Arkin, de 85, aborda as aventuras e desventuras deste casal díspar enquanto aprendem a envelhecer. Entre a comédia e o drama, como a própria vida, esta ficção divertida e sensível é produto de Chuck Lorre, responsável por Dois Homens e Meio e The Big Bang Theory. Se você gostou destas séries vai adorar O Método Kominsky, embora tenha um tom e um estilo diferentes. Dá para ver em uma maratona? Sem problema. Duas temporadas, oito episódios cada, 30 minutos. Netflix
Gentefied. Esta comédia consegue colocar o espectador em uma premissa nunca usada (uma família de imigrantes mexicanos em Los Angeles tenta manter sua surrada lanchonete de tacos enquanto o bairro passa por uma gentrificação e vai se enchendo de modernos de coque e pós-graduação) e faz com que isso seja totalmente familiar em apenas um capítulo e meio. É uma daquelas séries raras, notáveis, que entretêm enquanto mostram lugares do mundo que nem sempre recebem atenção. Dá para ver em uma maratona? Sim. Uma temporada de oito episódios, 30 minutos. Pode ser assistida com crianças. Netflix.
4. Para se fartar
Elite. Pode não ser uma obra-prima, mas o enredo te manterá grudado na poltrona sem que você perceba as horas passarem nestes dias de isolamento. Se você gosta de Riverdale ou das histórias de escolas e assassinatos, essa é sua série. Dá para ver em uma maratona? Não se pode fazer de outra forma. Três temporadas de oito episódios cada. Netflix.
You. Um livreiro repara em uma cliente. Tanto que pode iniciar uma conversa com ela, que acaba gostando dele, e reparar mais em como lhe responde. Daí consegue suas redes sociais e continua o estudo. Pouco depois, consegue elaborar um disfarce de rapaz ideal, sob medida para aquela cliente. Por que precisa disso? Porque o que ela não sabe, mas nós sabemos, é que a verdadeira identidade do tímido livreiro é a de um assassino. Com esse ponto de partida e um ritmo endiabrado, esta série, muito mais inteligente do que aparenta, oferece uma reflexão sobre o narcisismo, os protótipos de herói masculino, as virtudes que atribuímos aos estranhos quando se parecem com outros e, claro, as redes sociais. Além disso, consegue melhorar na temporada seguinte, na qual transfere suas ideias sobre o poder das aparências para Los Angeles, onde diretamente se torna uma sátira afiada. Dá para ver em uma maratona? Meu Deus, sim. Duas temporadas de 10 episódios de 40 minutos. Netflix.
Line of Duty. Esse policial britânico é uma das séries mais viciantes feitas pela BBC nos últimos tempos. A história se centra no departamento anticorrupção da polícia. Os policiais que investigam outros policiais. Cada temporada gira em torno da investigação de um possível policial corrupto. Os agentes Ted Hastings, Kate Fleming e Steve Arnott são encarregados das investigações em cada temporada. Além das grandes interpretações, os roteiros são poderosos e encadeiam reviravoltas atrás de reviravoltas. A melhor opção para os amantes das boas séries de investigações policiais. Difícil se sentir decepcionado. Dá para ver em uma maratona? Deve-se. O difícil é parar até terminar uma temporada. Já são cinco transmitidas de seis episódios de uma hora (exceto a primeira, que tem cinco episódios). Netflix.
The Witcher. Uma das histórias mais esquizofrênicas vistas nos últimos tempos na televisão. Mas uma vez abandonada a tentativa de entender a ordem em que acontecem os eventos (com várias tramas que saltam no tempo sem prévio aviso), é muito difícil parar uma maratona desta adaptação da saga de romances que, por sua vez, foram adaptados para um videogame de ssso. Henry Cavill interpreta Geralt de Rivia, um caçador de monstros em um mundo cheio de feras. Seu destino será entrelaçado com o de uma poderosa feiticeira e uma jovem princesa. Dá para ver em uma maratona? Claro. De fato, chega um momento em que, apesar de não entender nada (nem sequer por que Henry Cavill não mudou seu gesto em toda a série), você não pode parar de assisti-la. Por enquanto, uma temporada de oito episódios de uma hora. Netflix.
5. Joias escondidas nos catálogos
John Adams. A biografia do segundo presidente dos Estados Unidos (e pai do sexto) não é apenas uma lição de história sobre a forja da mais antiga democracia do mundo, ou um retrato de como a hoje primeira potência do mundo viveu ligada aos mesmos demônios desde o princípio. Também é um entretenimento de primeira, com atores encantados por se colocar na pele de George Washington durante a guerra de independência e a posterior presidência, ou de Benjamin Franklin quando foi embaixador em Paris. Emoldurada pela rivalidade suja e inesgotável entre Adams e seu sucessor, Thomas Jefferson, narra desde o início da revolução das 13 colônias até a morte dos dois inimigos, no mesmo dia (4 de julho), quando o país já está no caminho da dominação mundial. Dá para ver em uma maratona? Com cuidado. Uma temporada de oito episódios de uma hora. HBO.
Angels in America. Um dos pináculos da dramaturgia norte-americana foi a estreia em 1990 da peça Angels in America, uma função que durava sete horas. Na qual personagens neuróticos e em crise exploram a Nova York dos anos oitenta, a da Aids e do império do neoconservadorismo de Reagan, e acabam buscando o que une as muitas comunidades (homossexuais, mórmons, judeus, republicanos) que compõem o país. O texto de Tony Kushner foi considerado uma obra-prima na época da estreia; bem como sua adaptação à série, dirigida pelo olho clínico de Mike Nichols (A Primeira Noite de um Homem), onde essas ideias tão pesadas, e os extraordinários solilóquios que as expressam, caíram nas mãos de Meryl Streep, Al Pacino e Emma Thompson. É uma série densa, descomunal, com muito monólogo e muita vida interior. E, no entanto, em sua época (2003), o The New York Times a chamou de um dos pontos altos da televisão norte-americana. Quase 20 anos depois, ainda é. Dá para ver em uma maratona? No teatro, isso se fazia. O primeiro ato são os três primeiros episódios. O segundo, os três seguintes. Mas, como tudo o que é bom, é melhor saborear. Seis episódios de uma hora. HBO.
Da Terra à Lua. Vivemos dias históricos, mas aqueles em que a chegada do homem à Lua era um sonho prestes a se tornar realidade não foram menos importantes. Tom Hanks (sem coronavírus à vista) produziu e participou desta minissérie, uma das primeiras ficções da HBO, que viaja muito além do transportador da Apollo 11 e daquele Apollo 13 estrelado por Hanks para se meter em 12 episódios menos desconhecidos dos bastidores de cada uma das missões lunares. Uma lição de história muito divertida com Cary Elwes, Sally Field, Rita Wilson, Chris Isaak e Bryan Cranston que conta em detalhes aquela proeza, do aspecto pessoal ao global. Porque sempre devemos ter esperança no ser humano. Dá para ver em uma maratona? É muita informação para uma sentada. Uma temporada de 12 episódios de uma hora. Pode ser visto com crianças. HBO.
Inside nº9. Uma das joias ocultas da televisão pública britânica é esta antologia do humor pesado, na qual cada capítulo conta uma história independente com gêneros e tons muito diferentes entre si e cujo único elo (além de que na grande maioria apareçam os dois criadores da série, Steve Pemberton e Reece Shearsmith) é que suas histórias acontecem em algum espaço marcado pelo número 9. Toda vez que um episódio começa você sabe que tudo pode acontecer, de rir a chorar ou ter medo, e geralmente existe uma surpreendente reviravolta no final. Dá para ver em uma maratona? Sim, e dá para parar quando quiser. Acaba de terminar a quinta temporada, com seis episódios de 25 minutos (e não perca o episódio especial de Halloween, fora das temporadas normais). Netflix.
Freaks and Geeks. Se Elite é demais para você, mas você gostaria de voltar para a escola, esta é a sua série. Nostalgia dos anos oitenta misturada com drama adolescente. Um olhar sarcástico e realista sobre o que era a escola para todos aqueles que se sentiam deslocados. Para todos. James Franco, Seth Rogen, Jason Segel e Linda Cardellini começaram a surgir como estrelas aqui, graças ao amigo Judd Apatow, que nunca mais os soltaria. Tudo ao ritmo de Joan Jett. O lado ruim foi o cancelamento depois de uma temporada. Embora talvez seja por isso que continua sendo um diamante bruto, adequado para todos os amantes da nostalgia bem-feita. Dá para ver em uma maratona? Não há razão para não fazê-lo. Uma temporada de 18 episódios, 44 minutos. Amazon Prime Video.
Wallace e Gromit. Na quarentena é preciso entreter as crianças com algo e se os pais puderem aproveitar, melhor. Décadas depois da estreia, os quatro episódios de Wallace e Gromit continuam sendo uma das obras infantis mais engraçadas e surrealistas já criadas. Massinha com a qual o diretor Nick Park continuou a brincar na produtora Aardmand Animations nas louváveis A Fuga das Galinhas e Shaun, o Carneiro. Em caso de desabastecimento: sempre teremos a Lua para nos enchermos de queijo. Dá para ver em uma maratona? E também em loop. Uma temporada de quatro episódios, de 30 minutos. Pode ser visto com crianças.
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