Delegacias da Mulher de São Paulo, mesmo com revezamento de funcionários, continuam funcionando 24 horas e casos podem ser registrados online.
By Andréa Martinelli
21/03/2020
Considerada a medida mais eficaz contra a disseminação do novo coronavírus no Brasil e no mundo, o isolamento social pode provocar um aumento no número de casos de violência doméstica. Especialista ouvidas pelo HuffPost Brasil apontam que, para algumas mulheres que já vivenciam um ambiente violento, não sair de casa pode ser sinônimo de mais vulnerabilidade.
“O impacto da epidemia é muito sério para as mulheres. E existe, sim, a possibilidade de que casos de violência doméstica aumentem. A mulher, certamente, fica sem o trabalho; mas para o homem isso é algo que mexe com a masculinidade. Eles, em casa, podem exercer o comportamento violento com mais frequência. Esse é um problema muito sério”, afirma Bila Sorj, professora titular do departamento de sociologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coautora de Trabalho, Logo Existo (FGV, Editora).
“O impacto da epidemia é muito sério para as mulheres. E existe, sim, a possibilidade de que casos de violência doméstica aumentem. A mulher, certamente, fica sem o trabalho; mas para o homem isso é algo que mexe com a masculinidade. Eles, em casa, podem exercer o comportamento violento com mais frequência. Esse é um problema muito sério”, afirma Bila Sorj, professora titular do departamento de sociologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coautora de Trabalho, Logo Existo (FGV, Editora).
Foi o que aconteceu na China, ponto inicial da pandemia do coronavírus. De acordo com reportagem da BBC, desde que as pessoas começaram a passar mais tempo em casa para se prevenir da doença, mais mulheres noticiaram casos de violência doméstica, seja como vítima ou testemunha.
Ainda segundo a reportagem, a ativista Feng Yuan, que trabalha na ONG Weiping, de defesa dos direitos da mulher, localizada em Pequim, afirmou que chegou a fornecer três vezes mais atendimentos às mulheres vítimas de violência do que antes do período de quarentena no país asiático.
PONOMARIOVA_MARIA VIA GETTY IMAGES |
Já nos Estados Unidos, segundo a revista Time, a National Domestic Violence Hotline - que funciona como o Disque 180 no Brasil e é usada para atendimento de vítimas em situação de vulnerabilidade - divulgou recentemente que aumentou o número de casos de agressores que estão usando o coronavírus como um meio de isolar mulheres ainda mais de seus amigos e familiares.
“É um equívoco imaginar que o lar seja a representação de um lugar de paz, um local sagrado, inviolável e até de não interferência por parte da Justiça, do Estado. Não é bem assim. O lar também é um espaço onde a gente identifica as chamadas relações assimétricas de poder”, aponta Silvia Chakian, promotora de justiça do MP-SP e membro do GEVID (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica).
A fim de orientar governos, nesta semana, a ONU Mulheres publicou um estudo sobre as dimensões de gênero na resposta ao novo coronavírus na América Latina. Nele, a organização ressalta que “as mulheres continuam sendo as mais afetadas pelo trabalho não-remunerado, principalmente em tempos de crise”.
O documento ainda faz uma série de recomendações, incluindo garantir a continuidade dos serviços essenciais para responder à violência contra mulheres e meninas.
“As sobreviventes da violência ainda podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir dessas situações ou acessar medidas de proteção que salvam vidas e serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena”, diz o documento.
O texto afirma que, em um contexto de crise e emergência, os riscos de violência doméstica contra mulheres e meninas são maiores devido ao aumento das tensões em casa, em especial, devido à situação financeira. “O impacto econômico da pandemia pode criar barreiras adicionais para deixar um parceiro violento, além de mais risco à exploração sexual com fins comerciais.”
“Na história da humanidade, toda crise atingiu com mais intensidade às mulheres. A ONU mulheres faz essa afirmação para o mundo. Essa situação intensifica, por exemplo, a masculinidade tóxica e uma resposta violenta para o conflito. O medo e o uso de elementos como álcool, potencializados pela falta de diálogo e isolamento, pode criar um ambiente de mais tensão ainda”, explica Madge Porto, psicóloga e professora da UFAC (Universidade Federal do Acre), que trabalha com atendimento de vítimas de violência doméstica.
Por que a violência doméstica pode aumentar?
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O isolamento social neste período - seja forçado devido à manifestação de sintomas, ou voluntário para a contenção da pandemia - faz com que as pessoas passem mais tempo juntas em casa, o que pode ser positivo; porém, para mulheres que já vivem em um ambiente de violência, a redução do convívio social pode agravar uma situação, explica Silvia Chakian.
“A quarentena é essencial nesse momento, mas a dimensão de gênero da pandemia existe e é real. Com a redução do convívio social e a proximidade com o agressor, a tendência é que mais conflitos aconteçam por características da própria crise: a existência do medo, da questão financeira, da experiência do isolamento. Não só a mulher fica submetida a um ambiente de violência, como também fica desamparada, sozinha, sem poder contar a alguém o que está acontecendo.”
A jurista lembra que, para além do chamado “ciclo de violência”, em que há um período de pausa nos ataques e, em seguida, o aumento da tensão, há também um padrão do momento em que a agressão acontece. Normalmente, as situações de violência doméstica ocorrem à noite ou aos finais de semana. Com a quarentena e o convívio intenso, podem ficar ainda mais frequentes.
A dimensão de gênero da pandemia existe e é real. Com a redução do convívio social e a proximidade com o agressor, a tendência é que mais conflitos aconteçam.Silvia Chakian, promotora de justiça do MP-SP e membro do GEVID (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica).
HELÔ D'ANGELO/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL |
“As agressões acontecem em grande parte fora do horário comercial e aos fins de semana. Com o convívio, aumentam-se as tensões. E é importante destacar que um ponto de tensão tem a ver com as tarefas domésticas, em si. O cuidado com os filhos e com a casa ainda é direcionado às mulheres.”
A jurista também se preocupa com o que pode ser feito fora de casa. “O trabalho da rede de enfrentamento da violência contra a mulher, mesmo que com equipe reduzida, não irá parar. É importante que a vítima saiba que, mesmo na quarentena, pode buscar ajuda”, pontua.
Porém, Chakian aponta preocupação com o aumento da subnotificação neste período. Segundo ela, a quarentena e o medo em relação à contaminação pela covid-19 pode fazer com que as mulheres não realizem a denúncia, já que também estão isoladas das pessoas e, possivelmente, de outros recursos.
“Já existem uma série de questões que desestimulam a mulher a denunciar que está sendo vítima de violência. Neste caso, ela já está sem a rede comunitária [pessoas próximas que servem como rede de apoio] e com medo de sair por causa da contaminação. Todos esses são entraves para que ela não denuncie.”
Estou de quarentena: Como posso procurar ajuda?
PHIL CLARKE HILL VIA GETTY IMAGES |
Segundo comunicado da Prefeitura de São Paulo, enviado ao HuffPost Brasil, os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, em especial as DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher) continuam em funcionamento 24h. Qualquer registro de ocorrência também pode ser registrado online, por meio do site oficial da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
As vítimas podem solicitar na própria delegacia a implementação de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Quando acionadas no momento da ocorrência, o pedido é encaminhado diretamente ao Ministério Público. O sistema de Justiça estará atuando na concessão de medidas protetivas.
Já em outras delegacias comuns, recomenda-se que as ocorrências sejam registradas pela internet e validadas pela delegacia responsável pela região. A SSP diz que o atendimento presencial será prioritário em casos de violência doméstica ou contra crianças e adolescentes; morte e desaparecimento; estupro, sequestro e cárcere privado; roubo, extorsão e flagrante.
Nesse período, os Centros de Cidadania e de Referência para a mulher estão com horário diferenciado, mas a Casa da Mulher Brasileira permanece em atividade por 24 horas por dia, inclusive aos finais de semana.
Os CDCM (Centro de Defesa e de Convivência da Mulher), da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, terão atendimento parcial. Atendimentos individuais seguem, mas atividades coletivas estão suspensas.
Já os serviços de alta complexidade, como Centros de Acolhida para Mulheres, estão com as atividades mantidas. A SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania) ressalta que está mantido o Programa Guardiã Maria da Penha, da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, que oferece proteção às mulheres vítimas com medidas garantidas pela Lei Maria da Penha.
DIVULGAÇÃO/GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO |
“O objetivo deste programa é combater a violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial contra as mulheres, monitorar o cumprimento das normas penais que garantem sua proteção e a responsabilização do agressor, além de proporcionar acolhida humanizada e orientação às vítimas quanto aos serviços municipais disponíveis”, diz o comunicado da prefeitura.
A atuação do Programa se dá por meio de rondas periódicas, em horários aleatórios, para coibir este tipo de violência. A Guarda realiza ainda visitas às mulheres que tiveram seus pedidos de medidas protetivas negados pela Justiça para que, mediante uma situação de risco, se possa alterar a decisão judicial.
Mayara Mathias, secretária executiva adjunta de Políticas para Mulheres da SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania) de São Paulo, afirma, em comunicado, que está ciente de que “casos de violência doméstica tendem a aumentar” durante o isolamento e que a a rede de enfrentamento à violência contra a mulher está em alerta.
Para tirar dúvidas da população, a Secretaria disponibilizou os contatos da Coordenação de Políticas para Mulheres, que estarão de plantão para realizar os atendimentos: (11) 2833-4255 e (11) 2833-4362.
Especialistas lembram que, em casos de violência doméstica, a Polícia Militar pode ser acionada imediatamente, pelo telefone 190 - seja pela vítima ou testemunhas. Além disso, não só denúncias, mas também o atendimento e orientação à vítima de violência doméstica podem ser feitos pelo Disque 180.
A Defensoria Pública informou que todos os serviços estão mantidos por ora, com a restrição de atendimento presencial apenas para casos urgentes - que envolvem a hipótese de violência contra mulheres; não só notificações mas também pedidos ou avisos de descumprimento de medidas protetivas. O atendimento é feito pelo Nudem (Núcleo de Defesa das Mulheres Vítimas de Violência de Gênero).
“A Defensoria monitora diariamente o cenário de crise e eventuais novas medidas acompanharão as orientações das autoridades de saúde pública, o funcionamento geral do Poder Judiciário e a necessidade de manutenção do serviço público de acesso à Justiça”, diz nota enviada ao HuffPost Brasil.
A Defensoria de São Paulo, por meio do Nudem, também disponibiliza cartilhas com orientações de atendimentos à mulher vítima de violência, além de endereços de delegacias especializadas na capital paulista.
Aplicativos de combate à violência dão apoio à distância
DIVULGAÇÃO |
Independentemente da rede de enfrentamento oferecida pelo Estado, existem outras formas de buscar ajuda, mesmo dentro de casa. Entre elas, estão os aplicativos para celular que reúnem voluntárias que oferecem, remotamente, auxílio gratuito à vítimas de violência sexual ou violência doméstica.
Com o objetivo de facilitar na hora de acionar a Polícia Militar, o governo de São Paulo tem um aplicativo para que mulheres sob medidas protetivas peçam socorro. O “SOSMulher” permite que a usuária aperte um “botão de pânico” e acione a PM imediatamente.
A ferramenta criada pelo Governo de São Paulo já é utilizada em outros estados e municípios pelo Brasil e é avaliada apenas como um “acessório” no combate à violência contra a mulher.
Está em análise no Congresso Nacional, um projeto de lei que cria o “botão do pânico” em nível federal. O PL permite que a polícia entregue um dispositivo móvel de emergência para mulheres com medida protetiva.
No ar desde 2019, o aplicativo PenhaS, realizado em parceria com a revista AzMina, faz referência à Lei Maria da Penha, e tem três áreas de atuação: “EmpoderaPenha”, “DefendePenha” e “GritaPenha”.
Na área “DefendePenha”, o aplicativo atende à demanda da identificação com outra mulher e do acolhimento. Com a troca de mensagens, a mulher vítima de violência pode se conectar com outras mulheres, trocar informações sobre sua história e reunir forças para buscar saídas.
Na área “GritaPenha”, existe a possibilidade de cadastrar o número de até cinco pessoas de confiança, que serão “guardiãs”, e acionadas por SMS quando necessário. O app ainda conta com a função de gravador de áudio, que capta o som ambiente, visando construir provas para dar força à denúncia.
A segurança das mulheres também é prioridade no aplicativo. Vítimas de violência têm a possibilidade de usar o aplicativo de forma anônima e o login é feito com sistema de criptografia.
O app também possui dispositivo de segurança para evitar que o abusador acesse o conteúdo. Todos os cadastros são realizados com checagem de CPF e verificação de número de celular para que não exista possibilidade da criação de perfis falsos e abusivos.
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