Em uma época onde o masculino era soberano, autora carioca apresenta um olhar essencialmente feminino para os dilemas de suas personagens
Em uma época dominada pelo universo masculino, as linhas da escritora carioca Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934) retratam mulheres com pensamentos e posturas díspares das representações feitas por romancistas de renome da época. No lugar de criaturas que oscilam entre beleza e ambição, há aquelas que escolhem a independência e o trabalho; para as paixões desenfreadas e as maquinações de alcova, não há o peso das correntes e das chagas públicas. Basta lembrar o final trágico de Emma Bovary em “Madame Bovary” (1857), de Gustave Flaubert, ou o estigma marcado de “A Letra Escarlate” (1850), de Nathaniel Hawthorne, para saber como a infidelidade feminina era encarada mundo afora. Focando em um exemplo mais local, há a rejeição transformada em exílio de Capitu, personagem de “Dom Casmurro” (1899), do conterrâneo Machado de Assis. Os exemplos são muitos.
Em “A Falência” (1901), Júlia descreve a ruína de uma família estruturada na base do comércio de café e que perde tudo em um golpe de azar. A narrativa se passa na cidade do Rio de Janeiro, entre 1891 e 1893, no período republicano (recém-saído das abas do Império). O ponto central é a opulência – e posterior falência – da família Teodoro, puxada pelo rico comerciante de café Francisco Teodoro, que teve sua fortuna devassada por especulações financeiras. Teodoro é um imigrante português pobre, pé na terra, que veio tentar a sorte no Brasil. No império tupiniquim, angariou sua riqueza com muito sangue e suor, com jornadas de trabalho excessivas, profundos sacrifícios e esforço hercúleo.
Em “A Falência” (1901), Júlia descreve a ruína de uma família estruturada na base do comércio de café e que perde tudo em um golpe de azar. A narrativa se passa na cidade do Rio de Janeiro, entre 1891 e 1893, no período republicano (recém-saído das abas do Império). O ponto central é a opulência – e posterior falência – da família Teodoro, puxada pelo rico comerciante de café Francisco Teodoro, que teve sua fortuna devassada por especulações financeiras. Teodoro é um imigrante português pobre, pé na terra, que veio tentar a sorte no Brasil. No império tupiniquim, angariou sua riqueza com muito sangue e suor, com jornadas de trabalho excessivas, profundos sacrifícios e esforço hercúleo.
Ao alcançar êxito com o negócio do café, em expansão no Brasil no final do século XIX e início do século XX, Teodoro casa com uma mulher sem posses, mas bonita, e forma uma família. Mergulhado no trabalho e nas finanças, o comerciante não percebe os rumos que a vida de seus familiares vai tomando. Camila é a personagem escolhida por Júlia Lopes de Almeida para nadar contra a correnteza da época ao manter um caso de longa data – sem tantas culpas ou remorsos – com o médico e bon vivant Gervásio. Afundada até o pescoço em uma sociedade que condena a paixão fora do casamento a ferro e fogo, especialmente quando se trata da condição feminina, Camila demonstra consciência e uma mea culpa leve ao driblar a situação. Este é um dos pontos que difere Júlia Lopes de Almeida de seus contemporâneos.
A participação de outras mulheres na trama também ganha destaque e relevância na pena da escritora. Há empregadas fortes e conselheiras, como Noca; agregadas que sofrem com paixões impossíveis, mas que enxergam no trabalho uma forma de sobrevivência, como é o caso de Nina; dois outros destaques ficam para Ruth Teodoro, filha do casal, que tem uma mudança de atitude notável ao enfrentar a grande crise que ataca à família, e Catarina, irmã de um dos homens apaixonados por Camila Teodoro, o capitão Rino, que reconhece na sua independência mental e arguta inteligência um desafio quando se trata de contrair matrimônio.
As figuras masculinas da trama são elaboradas em cima de estereótipos. É possível localizar o homem trabalhador, sem pendor artístico ou intelectual, como Francisco Teodoro; o refinado e cultíssimo doutor Gervásio, que valoriza o belo e a arte em detrimento do mundano; o ingênuo e reto capitão Rino, homem apaixonado e que idealiza a mulher amada, e, fechando o ciclo dos protagonistas, encontramos o superficial e pródigo Mário, filho de Teodoro.
A maior riqueza de Júlia Lopes de Almeida é não pesar a mão em assuntos como infidelidade e independência de pensamento, temas com frequência analisados sob a lupa do final trágico para as mulheres aos olhos dos romancistas do sexo masculino. Por outro lado, a autora continua sendo uma pessoa de seu tempo e de sua classe social, imersa em maneirismos aristocráticos quando se refere à diferença entre negros e brancos – apesar de toques disfarçados de caridade e consciência.
Este foi o meu primeiro contato com Júlia Lopes de Almeida, oportunizado pela parceria com a Editora Unicamp. Nesta edição, lançada em 2018, o leitor conta com um prefácio completo escrito pela professora Regina Zilberman, material de grande utilidade informacional e didática – impedindo os mais ávidos e apressados de pular as páginas.
Trata-se de um romance urbano e histórico, que apresenta outra perspectiva do universo social – agora com um olhar bem mais voltado para o feminino – e que traz na bagagem as ideias e sugestões de sua época. Em “A Falência“, mulheres permanecem solteiras, trabalham e evoluem no percurso narrativo. Aos interessados em literatura histórica, uma edição destacadamente interessante e que vale o investimento.
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