Ana Maria Veiga, Professora de Teoria da História na Universidade Federal da Paraíba, Editora dos periódicos Saeculum e Revista Estudos Feministas, João Pessoa, PB, Brasil
Humanas/Scielo em Perspectiva, 31/10/2019
A seção Ponto de vista do volume 27, número 3 da REF traz a entrevista intitulada “O humor mostra… como as coisas não devem ser”, realizada por Cintia Lima Crescêncio com a cartunista feminista Ciça, uma presença constante nos periódicos publicados por grupos de feministas brasileiras nos anos 1970 e 1980 – momento de resistência à ditadura militar, assim como de expansão e visibilidade das reivindicações das mulheres, também no Brasil. Para confrontar o humor e o riso de um meio predominantemente masculino, Ciça tornou-se representante de uma dupla resistência e de uma geração.
Tradicionalmente, a Revista Estudos Feministas dedica essa seção a entrevistas com acadêmicas de renome internacional. A abertura desse espaço para uma cartunista que trabalha com humor gráfico é um reconhecimento desse campo de pesquisa.
Tradicionalmente, a Revista Estudos Feministas dedica essa seção a entrevistas com acadêmicas de renome internacional. A abertura desse espaço para uma cartunista que trabalha com humor gráfico é um reconhecimento desse campo de pesquisa.
A entrevistadora da cartunista Ciça é historiadora e professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Cintia Lima Crescêncio conversa com a gente neste post.
1. Qual é o lugar do humor na história dos feminismos no Brasil?
O humor foi explorado pelo feminismo no Brasil de duas formas distintas, digamos: A primeira, com as narrativas orais que contam como a militância das mulheres era marcada por muito senso de humor e riso. Entre companheiras, as mulheres sentiam-se muito livres para rir de tudo, inclusive dos homens. A segunda, como um recurso de produção de transformação, especialmente no feminismo que emergiu ao longo dos anos 1970, o que pode ser visto no humor gráfico difundido em jornais feministas. O humor gráfico, nesse caso, nunca foi uma forma de ação única, e não podemos falar do feminismo brasileiro como um feminismo “bem-humorado”, até porque a militância dessas feministas era atravessada pelas experiências da esquerda, e isso incluía uma forma muito “séria” de militar. No entanto, o humor gráfico, e mesmo alguns textos difundidos nessa imprensa, mostram como elas estavam dispostas a rir do ridículo da desigualdade de gênero.
2. Como é possível pensar as relações entre a história e as histórias em quadrinhos (HQs)?
As HQs, na minha visão, são uma grande fonte para a história, e aí reside a relação principal, eu acredito. As HQs lançam um desafio múltiplo à história, pois se apresentam como literatura, como arte, como texto, como imagem, e ainda emergem com fortes nuances de realidade e autobiografia. Ao mesmo tempo, tudo isso é feito a partir de um gênero considerado marginal, seja na literatura ou na arte. As HQs residem em alguma fronteira que nós, como historiadoras, ainda não conseguimos analisar adequadamente.
3. O que a Ciça representa para os debates feministas sobre história e humor?
Ciça é uma das poucas cartunistas brasileiras dos anos 1970 que problematizava questões consideradas feministas e que alcançou grande notoriedade. Sua trajetória não caiu no esquecimento como tantas outras, ela alcançou projeção na imprensa alternativa feminista e na grande imprensa. Ciça, de algum modo, mostra-nos a disposição de produzir humor gráfico com uma perspectiva feminista e, em função de sua projeção, ela serve de exemplo para demonstrar que as mulheres produziam humor gráfico feminista. Muitas como ela existiram, mas muitas vezes é difícil acessar a documentação produzida por cartunistas no período.
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Para Cintia, nos jornais feministas as mulheres não eram objetos do humor masculino, mas produtoras de um humor específico. Isso se contrapunha às imagens estereotipadas das feministas, que supostamente seriam incapazes de rir, quanto mais de fazer alguém rir. Esse tipo de humor, para além do momento, é considerado um instrumento de transformação social. Daí sua maior relevância.
Em 2016, Cintia Lima Crescêncio defendeu a tese de doutorado intitulada “Quem ri por último, ri melhor: humor gráfico feminista (Cone Sul, 1975-1988)”, no programa de pós-graduação em história da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2018, publicou o artigo “Bia Sabiá em “O pessoal é político”: (re)invenção do político no humor gráfico feminista de Ciça (Nós Mulheres, 1976-1978)”, na revista Fronteiras.
Sobre o tema abordado, confiram também os trabalhos de Rachel Soihet (2005), Isabel Lustosa (2011) e Juliana Lima (2019).
Referências
CRESCÊNCIO, C. L. Quem ri por último, ri melhor: humor gráfico feminista (Cone Sul, 1975-1988). 2016. 361 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, 2016. Available from: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/168070/341434.pdf?sequence=1&isAllowed=y
CRESCÊNCIO, C. L. Bia Sabiá em “O pessoal é político”: (re)invenção do político no humor gráfico feminista de Ciça (Nós Mulheres, 1976-1978). Fronteiras, v. 20, n. 35, p. 117-136, 2018. e-ISSN: 2175-0742 [viewed 30 October 2019]. DOI: 10.30612/frh.v20i35.8636. Available from: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/view/8636
LIMA, J. D. de. O papel do humor gráfico feminista, segundo esta pesquisadora. Nexo, 24 jun. 2019. Available from: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2019/06/22/O-papel-do-humor-gr%C3%A1fico-feminista-segundo-esta-pesquisadora
LUSTOSA, I. (Org.). Imprensa, humor e caricatura: a questão dos estereótipos culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011.
SOIHET, R. Zombaria como arma antifeminista: instrumento conservador entre libertários. Rev. Estud. Fem., v. 13, n. 3, p. 591-612, 2005. ISSN: 0104-026X [viewed 5 October 2019]. DOI: 10.1590/S0104-026X2005000300008. Available from: http://ref.scielo.org/dnbmmj
Link externo
Revista Estudos Feministas – REF: www.scielo.br/ref
Sobre Cintia Lima Crescêncio
Cintia Lima Crescêncio é professora do curso de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, é mestre e doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, com pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É líder do grupo de pesquisa História, Mulheres e Feminismos – HIMUFE. E-mail: cintia.crescencio@ufms.br
Sobre Ana Maria Veiga
Ana Maria Veiga é professora do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba, com pós-doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina. É editora dos periódicos Saeculum e Estudos Feministas e líder do grupo ProjetAH: História das mulheres, Gênero, Imagens, Sertões. É roteirista e editora dos vídeos postados na Semana Especial da REF. E-mail: anaveiga.ufpb@gmail.com
Sobre Fernanda Backendorf
Fernanda Backendorf é aluna do curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina. É cinegrafista e editora dos vídeos da Semana Especial da REF. E-mail: fernandabackendorf@gmail.com
Como citar este post [ISO 690/2010]:
VEIGA, A. M. Humor gráfico, gênero e história: o riso feminista na REF [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed 20 March 2020]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/10/31/humor-grafico-genero-e-historia-o-riso-feminista-na-ref/
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