Para Deleuze, rosto é “placa nervosa” que nos revela o interior e conecta com desejo do outro. Mas e quando esta autenticidade choca-se com ditadura dos padrões estéticos?
“Acima dos olhos e do coração está o desejo (…).
É o desejo que leva o ver a se transformar em ação de ver,
dando às paixões e ao intelecto movimento infinito.”
Giordano Bruno
Muitos acreditam que a beleza é mera questão de opinião. Outros creem que a alternativa de escolha do belo ou do feio carrega memórias afetivas e a presença ou ausência de preconceitos estéticos de homens e mulheres, como: harmonia, proporção, simetria, ordem, clareza, delicadeza, pele macia, cabelo espesso e brilhante, ou uma cintura marcada, por exemplo.
De acordo com a definição filosófica de Platão, a concepção de belo procura desviar-se da intenção, responsabilidade e julgamento humanos ao definir o conceito, deixando-o no campo da imaginação. Ele afirma: “o belo é o bem, a verdade, a perfeição. Existe em si mesmo, apartado do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das ideias. A ideia suprema da beleza pode determinar o que seja mais ou menos belo.”
Por outro lado, a ciência aponta que a beleza é um conceito mais flexível e menos romântico do que se imagina. A definição do que é ou não bonito e de traços físicos harmoniosos pode ser revelada desde o instante em que nascemos por questões de adaptação evolutiva e êxito reprodutivo.
O austríaco e ganhador do prêmio Nobel Konrad Lorenz sugere que “até as feições graciosas de uma criança servem como um artifício biológico para provocar sentimentos ternos com um objetivo claro: desviar o sentimento de agressão. Uma pele e cabelos macios, olhos e pupilas grandes, bochechas roliças, rosadas e um nariz pequeno fariam parte de uma tática de sobrevivência: se as crianças morressem por falta de cuidado dos pais, a natureza oferecia-lhes traços irresistíveis para que outros adultos pudessem ‘adotá-las’”. Isso também explicaria por que grande parte das pessoas se comove com bebês e filhotes.
Analisando rapidamente a perspectiva da simetria e do movimento renascentista presente em obras de Leonardo da Vinci e Michelangelo, quanto mais próxima uma face ou uma forma estiver de uma ordenação matemática proporcional, mais bela ela seria aos olhos do observador. É como se a argúcia da beleza estivesse ligada a certa necessidade humana de ordenar, organizar e entender o mundo da forma mais racional possível.
A definição de belo também debate conceitos econômicos e sociais por meio da venda de uma ideia de beleza consagrada e padronizada – evidente nas indústrias de moda, estética e midiática –, pela inspiração que causa em seus admiradores (poética do romantismo) e por um poder intrínseco que atrai a simpatia e a união por objetos ou causas comuns entre um grupo.
“Os intelectuais que afirmam que a beleza é relativa não ajudam a explicá-la”, afirma Nancy Etcoff, psicóloga da Universidade de Harvard e autora do livro A Lei do Mais Belo, lançado no Brasil em 1999. “Dá para dizer que há uma realidade central no belo. Afinal, em todas as culturas elementos semelhantes têm constituído uma força estética poderosa.”
Ninguém tem dúvidas de que a sociedade, a economia, a política, a religião, a psicologia, a filosofia e o ambiente influenciam e são influenciados por padrões estéticos de beleza nos tempos modernos.
Historicamente, a definição do belo é uma das maiores invenções da estética clássica, grega e romana, com três principais características formais: a ordem, a simetria e a proporção. Mas, por não ter relações plenamente comprovadas cientificamente com outros elementos físicos que também geram atração aos seres humanos, a definição renascentista é invariavelmente contestada por cientistas e pela sociedade.
É possível gostar do que é feio, amargo ou assustador – dessa forma, não seria o gosto que definiria o que é belo. O debate pela resposta do que consideramos feio ou bonito é pertinente e tem maior conexão, primordialmente com determinadas características, tanto visíveis quanto biológicas, nos objetos e seres, ao invés de seleções pré-estabelecidas ou uniformizadas do conceito.
A linguagem auditiva, verbal e fisiológica como complementação da imagem no processo da atração física humana.
Apaixonar-se, flertar ou manter relações sexuais e afetivas com uma pessoa pode parecer uma atividade sobretudo visual, com trocas de olhares e análise física do perfil de um indivíduo. Mas a voz, assim como a linguagem verbal e auditiva, também desempenha um papel importante no jogo de sedução e atração entre um ou múltiplos parceiros.
De acordo com a hipótese de Cláudio Munayer David (2006, p. 107-112) em A musicalidade da fala – o objeto sonoro em Freud, “a linguagem verbal e a musical são códigos de comunicação originados da mesma forma de qualificação dos afetos. Dar forma aos sons na música tem o mesmo significado tranquilizador que encontrar a palavra adequada para expressar um afeto ou uma impressão. Os sons compartilhados dentro de uma cultura se transformam, em grande parte, nas representações de palavras; outros, em representações musicais; alguns ainda permanecem diretamente ligados à satisfação do afeto pela descarga pura”.
Ele ainda explica que os sons da fala que escapam à representação da palavra interferem na semântica do discurso e do pensamento, em um constante jogo pela busca da satisfação do desejo. “Algumas dessas representações podem ser traduzidas pela lógica própria da linguagem musical. O som de uma voz pode conter uma enorme riqueza de importantes informações biológicas e sociais.”
Em pesquisa publicada no portal Plos One, a explicação para nossas atrações por vozes, por exemplo, tem a ver com o tamanho do nosso corpo. O estudo feito na Universidade de Londres examinou as preferências de trinta e dois voluntários e concluiu que a voz feminina aguda é considerada mais atraente e indica que a mulher é pequena.
No entanto, vozes masculinas mais graves foram consideradas as preferidas entre as mulheres e transmitem a informação de que os homens têm corpos maiores e mais atraentes. No caso das vozes masculinas, o que as torna ainda mais agradáveis é o tom da voz que, se for levemente sussurrado, transmite segurança e demonstra que os homens não são violentos, apesar de terem vozes mais graves.
Os pesquisadores garantem que esse tipo de estudo ajuda a compreender melhor os processos de atração e de busca por um parceiro ideal. Em relação ao som, já se sabe que o mesmo processo de seleção ocorre entre pássaros e mamíferos.
Já o fato de os homens preferirem mulheres menores, e a figura feminina, o oposto, a característica está ligada ao dimorfismo sexual, que exibe diversidades entre os parceiros. Essa preferência pelo que é diferente está diretamente associada a processos evolutivos.
A manipulação da fala feminina sugere que, ao alterar o tom de voz, há implícito um comportamento aprendido com base em estereótipos sexuais, em vez de características vocais reais de atratividade. “Quando uma mulher baixa naturalmente a sua voz, isto pode ser percebido como uma tentativa de soar mais sedutora e atraente e, portanto, serve como um sinal de seu interesse romântico,” afirma Dra. Susan Hughes (2001), da Universidade de Reading, na Inglaterra, em seus estudos.
Representações sonoras também reproduzem padrões que os sinais verbais, muitas vezes, não conseguem, ainda mais quando dinamizam lembranças afetivas. Quando pensamos nossas próprias ideias, utilizamos imagens sonoras da nossa própria fala. Podemos representar uma pessoa no pensamento pelas qualidades de sua voz. Da mesma forma, se estivermos escrevendo uma declaração de amor, pensaremos em imagens sonoras suaves e atrativas. (DAVID, 2006, p.107-112).
A música alcança efeitos psíquicos que ultrapassam delimitações estéticas por variações de timbre, tonalidade, ritmo, intensidade e acentuação, compondo a fala, a dança e o canto como formas adicionais de sedução.
A percepção auditiva desperta precocemente a atenção, originando uma imagem sonora capaz de lembrar o desprazer e, simultaneamente, reativar a experiência de prazer. O grito, que tem a sua fonte numa excitação corporal, acaba por suprimir a tensão interna ao exigir a realização da ação específica e reativando estados de desejo. (DAVID, 2006, p. 107-112).
Dessa forma, é possível pensar na conjectura de que as representações sonoras são as formas mais arcaicas na ontologia humana – ligadas desde o nascimento até a pulsão.
Em se tratando de questões olfativas e biológicas, geralmente a eleição de uma pessoa para envolvimento afetivo pode acontecer pela busca de um sistema imunológico incompatível e diferente daquele do parceiro, promovendo uma variedade genética maior. O desejo pode ser transmitido e buscado literalmente pelo gosto (saliva) e cheiro de alguém.
Certos hormônios e neurotransmissores são diretamente responsáveis pela química entre duas pessoas. A feniletilamina, neurotransmissor, pode comandar o poder de atração. Já o primeiro estímulo que temos quando vemos alguém é registrado pelo diencéfalo, parte do cérebro que identifica a imagem da mesma espécie. O som da voz e os feromônios, odor liberado por homens e mulheres, provocam a atração física.
De acordo com Álvaro Ottoni (2001), em entrevista para a Superinteressante, “a visão apurada do homem é um luxo evolutivo quando comparada com a de outros animais. É possível que nossa visão privilegiada seja uma compensação pelo olfato humano, que é bem limitado se comparado ao de outros animais. Já entre os humanos, se você trocar um recém-nascido por outro com os mesmos traços físicos, a mãe não irá reconhecer a diferença e muito menos rejeitar o bebê que não é seu pela diferença de cheiro.”
Portanto, os estímulos visuais, olfativos e auditivos fazem com que se ativem a feniletilamina e também a dopamina – que garante a sensação de prazer e bem-estar – e a ocitocina – conhecida como hormônio da paixão e do amor, provocando uma sensação de aconchego ao toque ou carícia.
Parte-se da conclusão de que sentir-se olhado não é um aspecto biologicamente neutro, em que a imagem é a única responsável. O organismo responde com diversas reações de alerta a um estímulo do parceiro. O coração se acelera, as glândulas sudoríparas secretam suor, mostrando assim uma ativação biológica múltipla daquele que se sente observado e admirado.
Estudos sobre fotogenia: a imagem pela busca da perfeição estética e pela notoriedade social e consumista
A palavra “imagem” pode ser analisada como a representação visual de um objeto ou ser, assim como uma reprodução da mente de uma sensação produzida por ela. Essa interpretação mental, consciente ou não, é formada a partir de vivências, lembranças e percepções e é possível de ser modificada por novas experiências e, consequentemente, por novas imagens.
Rose de Melo Rocha (2006) em Cultura da Visualidade e Estratégias de (In) Visibilidade defende a ideia de que “falamos, produzimos, consumimos e vivemos cercados por imagens. Imaginamos imagens. Criamos imagens. Até mesmo transformamos imagens imaginadas em concretas representações. Somos capazes de sonhar com nossa própria imagem. Algumas delas seriam pura simulação.”
Já a dúvida sobre a própria imagem e o que ela representa para o indivíduo e para o outro podem ser algo habitual. “Os espelhos são testemunhas pouco fiéis e sem perspicácia, porque invertem as falhas da nossa simetria, que têm uma função decisiva na expressão.” (EPSTEIN, 2011).
Indagações que o reflexo no espelho nos traz podem variar entre: “Este (a) sou eu mesmo?”. “Como posso parecer tão bela aos meus olhos e tão indesejável aos dos outros?”. (Ou o efeito vice-versa?). “Sou muito melhor (ou pior) do que esta imagem que vejo!” Entre as indagações, uma delas tornou-se a célebre frase do conto de fadas Branca de Neve e os Sete Anões: “Espelho, espelho meu, existe no mundo alguém mais bela do que eu?”.
Talvez seja por esse incessante anseio de parecer sempre mais belo ou sofrer de males e disformismos da aparência que a imagem acabou por flexionar-se em moldagem e adaptação mais fáceis e abundantes – seja por meio de cirurgias corporais e tratamentos estéticos e até pela fotogenia, que oferece opções na interação de cores, sombras, ângulos, figurino, maquiagem e outros artifícios, em que o objeto fotografado e a imagem revelada são, em grande parte, belas, imutáveis e perenes aos olhos dos que possuem dúvidas sobre a própria imagem refletida no espelho.
Tudo que engendra ou gera a luz é fotogênico, e a modalidade é uma espécie de dispositivo exclusivo da fotografia e do cinema, utilizando-se de técnicas de iluminação, impressão e tiragens distintas.
Outro objetivo da fotogenia seria o de mostrar (caso ele não exista naturalmente) ou o de criar (mesmo que de forma artificial e efêmera) um encanto, muitas vezes ausente da realidade fotografada, que pode acontecer pela falta de atrativos do ser ou, mais certamente, pelo medo e receio do fotografado em mostrar seus atributos, que terão seus motivos identificados mais tarde nesse texto.
A fotogenia veicula um anseio estético de não apenas revelar algo, mas o de esconder, podendo levar-nos a sentir algo além da identificação e da objetivação práticas, elevando-nos, enaltecendo-nos e encantando-nos a um estado de afeto íntimo, subjetivo e sublime.
Se há uma ausência, ora do que vejo e ora do que não vejo, seja por motivos propositais de luz ou sombra decididos pelo fotógrafo, ou pela falta do que se revelar, esse duplo sentido possui valores que acabam por assegurar a presença do que falta. Porém, aquele ou aquilo que vemos já está modificado pelas escolhas, edições e alterações que a câmera fotográfica ou o fotógrafo proporciona.
De forma graciosa, espontânea e até não premeditada, a fotogenia natural, ou seja, sem procedimentos e alterações estéticas seria a aptidão de revelar algo particular e belo das pessoas, objetos e mundo; uma capacidade de reinvenção e olhar sob um novo prisma; a reinauguração de sensações como a atração, a confirmação e a segurança do que é bonito e o encantamento a partir da imagem registrada, sem processos extremos de montagem, influenciando a poesia da imagem.
Engana-se quem pensa que seres considerados “feios” ou “pouco atrativos esteticamente” perante a sociedade não podem ser fotogênicos. O medo e o desconforto podem estar entre as principais causas da opressão que a lente pode ter sobre o modelo. Isso porque a maioria das pessoas perde boa parte de sua espontaneidade na hora do tão esperado clique. Portanto, a fotogenia é uma habilidade, e, como toda habilidade, deve ser exercitada.
Certos elementos podem influenciar a resolução e estética de uma foto: a luz do ambiente, os objetos dispostos em cena, o comportamento e a química entre fotógrafo e modelo, a edição final da imagem, ou outros fatores de sensibilidade técnica, como a utilização de lentes, câmeras e equipamentos específicos.
Com relação ao ângulo do rosto de um modelo, Rodrigo Desider Fischer (2012) afirma que, segundo as considerações do filósofo francês Gilles Deleuze, “o rosto é uma placa nervosa que sacrificou o essencial da sua mobilidade global e que recolhe ou exprime ao ar livre todos os tipos de pequenos movimentos locais que o resto do corpo mantém habitualmente escondidos”.
O retrato, então, exibe, essencialmente, mais o nosso interior do que o exterior, revelando total visibilidade por meio de uma aparência induzida e transformada que a realidade não nos atribui, ou, talvez, que ainda não conseguimos perceber ou aceitar como fotogênica e bela pelos outros.
Tantas distorções, visões e manipulações do real podem levar ao questionamento da autenticidade de uma imagem, aqui explicada no
texto “A Imagem Autêntica”, de Hans Belting. Essa pergunta se coloca desde a existência da fotografia, que já prometia uma resposta, garantida por uma técnica objetiva. De acordo com Belting (2006), se tiver que haver imagens, elas que mostrem a verdade. O efeito de ilusão e do imaginário do belo subitamente se inverte, onde a mesma pessoa que constrói uma realidade alternativa para a própria aparência perante si mesma e ao próximo, também critica a falsidade da imagem produzida.
Procuramos na produção de uma imagem aquilo que gostaríamos de ter e de ver com nossos próprios olhos, e, quando isso não nos é revelado, exigimos novas imagens ou a reestruturação delas para podermos realizar nossos desejos e anseios de aceitação e amor próprio.
No conceito de autenticidade, é indicada uma realidade que muda constantemente a nossa expectativa de graça, aceitação e alacridade diante das imagens. Por isso, sonhar, pedir, e esperar por uma imagem esteticamente perfeita pode gerar expectativas frustradas a partir do momento em que não se encontra um conteúdo relevante ou genuinamente belo.
O que sobra é a desilusão e o afastamento. Uma vez abalada a fé em uma imagem, ela pode se transformar em um signo, atribuindo um grau de observação da realidade, supostamente livre de interpretações ou deformações, mas considerado ainda mais arriscado ou sedutor para alguém, por um maior sentimento de frustração, caso ele não atenda às necessidades de quem o observa.
O escritor francês Guy Debord (1997) declara que a sociedade atual “prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade e a aparência ao ser”. Ele considera que “a ilusão é sagrada, e a verdade é profana. O sagrado aumenta à medida que a verdade decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que o cúmulo da ilusão fica sendo o cúmulo do sagrado”.
A obsessão do espectador pelo objeto ou por si próprio é assustadora: quanto mais ele contempla o irreal, menos vive fatos reais; quanto mais se envolve por imagens manipuladas em estéticas dominantes de necessidade de aceitação, menos compreende sua própria existência, individualidade, identidade e ambições.
Inevitavelmente, a busca por uma aparência perfeita, resultante de uma imagem alterada e, por vezes, oca, mais o desejo de aceitação e de visibilidade como fatores integrantes de sucesso e de popularidade são vistos comumente nas sociedades e mídias contemporâneas. A transformação do corpo humano se torna alvo de sonhos que nunca farão jus à realidade.
A fotografia manipulada, a cirurgia estética em busca de padrões de beleza que precisam ser em todo momento preenchidos, mas também questionados, e promessas de uma vida nova e iluminada vão ao encontro do desejo de outra aparência, fazendo com que isso se torne uma necessidade física irremediável. A imagem idealizada leva as pessoas a desejarem “forjar um conceito estético falso de si mesmas e viver esteticamente em outro”, como afirma Fernando Pessoa .
Essa relação de aparência com a câmera e a apreensão da luz é um caso particularmente interessante. Aqui não se encaixa avaliar o perfil do modelo fotográfico, do artista, a magnitude de uma posição corporal, o jogo de expressão facial ou a beleza natural e incontestável do objeto ou ser retratado.
A estética proposta, nessa circunstância, adquire a função de suprir uma desmedida vontade de visibilidade por aqueles que buscam serem vistos de maneira única – a superfície modificada da imagem visa nada mais do que o olhar de todo um coletivo ávido por notoriedade, contemplação e pelo consumo de ter algo belo e excepcional ou mesmo aparentar ambos.
Pela visão do escritor e filósofo Walter Benjamin, a influência das imagens fotogênicas e suas consequências terminam revolucionando a nossa percepção visual. Edgar Morin complementa que “as nossas percepções são trabalhadas e confundidas pelas nossas projeções”. (Apud XAVIER, 1983, p. 146).
Trata-se de uma mudança causada pela imagem e, sobretudo, pela imagem cinematográfica, que torna o universo mais próximo do homem: ao ver uma fotografia na tela do cinema, o espectador percebe-a como sendo a sua própria realidade. Portanto, a imagem e, mais ainda, seu reflexo, encontram na fotogenia o conteúdo ideal de toda transformação perseguida e cultivada.
De acordo com Raquel Fonseca (2010), “a fotogenia multiplica formas de alteração da imagem por um “brilho extra”, que destaca o corpo oferecido a todos os olhares. A abundância de imagens, hoje, é a prova de uma visibilidade que parece reforçar a ideia da fotogenia como o poder de iluminação. Tecnologia e ciência garantem a fabricação do corpo e do seu renascimento através desta luz tão desejada.
A sociedade pede por um distanciamento e desvinculação do corpo físico e de relações afetivas mais concretas e profundas, em que a predominância é a ostentação e a veneração de imagens virtuais (vistas incessantemente na internet e em redes sociais), assumindo certa banalização da importância do corpo para o próprio indivíduo em questões relevantes.
Tratando-se de questões éticas e morais frágeis, exploradas em um culto e construção da beleza para fins lucrativos, prestigiando um efeito de poder e de dominação sobre um objeto, produto ou ser retratados, tal banalização se torna uma grande vitória; uma procura de modismos iminentes a serem seguidos e compartilhados com um restante comum.
A ritualização e a simbolização de um mercado, a sociedade do espetáculo e de aparências questionáveis, misturam-se cada vez mais com o desenvolvimento tecnológico, deslocando a constituição básica e tão essencial à formação humana do saber e do sentir, para o ter e mostrar. Talvez seja essa a razão pela qual os olhos se fecham quando o que se quer ver é o próprio desejo, livre e longe de alterações, submissões e interesses mundanos árduos de serem ignorados e/ou contestados.
Referências
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DAVID, Cláudio Munayer. A musicalidade da fala: o objeto sonoro em Freud. Reverso [online]. 2006, vol.28, n.53 [citado 2014-09-05], pp. 107-112. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2014.
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