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domingo, 30 de novembro de 2014

Autoridades lutam para salvar ‘bebês de incesto’ no Quênia


Muliro Telewa
28 novembro 2014

Embrulhado num cobertor e refestelado no colo de uma assistente social em um orfanato de Bungoma, no Quênia, o "bebê X" dorme tranquilamente.
Como o nome sugere, este não é um bebê comum. Com apenas um mês de vida, "X" é o fruto de uma relação incestuosa.
Assim como muitos outros bebês no Orfanato Kanduyi, 400 km ao oeste da capital queniana, Nairobi, "X" teve que ser resgatado antes de ser morto por sua própria família.
Dois dias após seu nascimento, a polícia, depois de receber uma denúncia anônima, invadiu a casa e retirou o bebê, salvando-o de uma sentença de morte preferida por líderes locais da comunidade Bukusu de Bungoma.
Há outros como ele no Kanduyi - e não apenas bebês, mas até jovens de 18 anos.

Bebês tabu

Assim como em boa parte do mundo, o incesto no Quênia não apenas é um tabu como ilegal. A pena prevista para práticas incestuosas é de cinco anos de prisão - caso envolva sexo com menor de idade, pode levar a prisão perpétua.
Mas por séculos a punição tradicional em muitas comunidades quenianas tem sido a morte. Não a dos pais, mas a dos bebês nascidos de uniões proibidas.

Criança no orfanato queniano
O Orfanato Kanduyi abriga desde bebês com dias de vida a jovens de 18 anos, invariavelmente com o passado ligado a relações ilegais

A tribo Busuku, por exemplo, chama essas crianças de "be luswa", ou "bebês-tabu". Eles são considerados amaldiçoados e as comunidades temem que possam trazer "pragas" para as famílias, incluindo impotência sexual.
"Sempre que recebemos informações de que nasceu um bebê-tabu, temos que correr para salvá-los antes de chegarmos aos locais e sermos informados de que o bebê morreu", explica Alice Kimotho, a assistente social que chefia o Orfanato Kanduyi.
"A maioria dessas mortes é muito suspeita".
Titus Kolil, auxiliar-administrativo no orfanato explica que, apesar de proibido por lei, o incesto ocorre com frequência na região de Bungoma, como "prática cultural". Segundo Kolil, Kanduyi lida com três a quatro casos de bebês-tabu por mês.
Mas as autoridades também suspeitam que muitos casos simplesmente não são relatados.
"Nosso comportamento sexual tem sido irresponsável", admite Stephen Kokonya, secretário de Cultura de Bungoma.
"E algumas dessas relações sexuais são muito próximas, incluindo pais fazendo sexo com suas filhas".
Meninas adolescentes em áreas rurais são particularmente mais vulneráveis.

Força

Kokonya diz estar tentando dialogar com as lideranças comunitárias para tentar combater a prática.
"Precisamos fazer campanha contra valores retrógrados".
Registros no orfanato mostram que a mãe de "X" é uma adolescente de 15 anos que ficou grávida de um tio de 17 anos.
Desde o nascimento do bebê, ela foi levada para morar com parentes e está de volta à escola, repetindo o ano que ela perdeu durante a gravidez.
Tive a oportunidade de visitá-la. Na presença de uma tia, a adolescente conta o que aconteceu.
"Ele (o tio) me assediava e ameaçava me bater se eu contasse para alguém".
A jovem diz não ter amor nem pelo tio nem pelo bebê.
"Tive o bebê com meu tio e não posso amá-lo".

Crianças brincando
A legislação queniana prevê até prisão perpétua para casos de incesto, mas aplicação da lei esbarra na logística e em questões culturais

Perguntada o que pretende fazer quando terminar os estudos, ela diz sonhar com a faculdade de Medicina.
Chorando, ela pede ajuda à tia para terminar os estudos.
O tio, que não mudou de casa, recusou-se a falar com a BBC.

Direito à vida

Num shopping center de Bungoma, tenho um encontro com líderes tribais dos Bukusu. Um deles se recusa a comentar especificamente sobre "X", mas explica como alguns bebês são mortos praticamente ainda no ventre materno.
"Quando a mãe está prestes a dar à luz, mulheres que supostamente deveriam ajudar no parto sufocam o bebê ao impedir que a mãe abra as pernas", diz ele.
"As pessoas acreditam que o bebê precisa morrer para que a menina viva em paz na comunidade".
As mulheres que optam por ficar com os bebês são forçadas a deixar a comunidade.
Outro líder diz que a prática de matar os bebês pode até parar se os praticantes de incesto fossem punidos de maneira exemplar.
"O governo permite que estupradores e participantes de incesto fiquem em liberdade", diz o líder.
"Se eles fossem presos e punidos à altura, os casos de bebês-tabu acabariam".
Kokonya, o secretário de Cultura, afirma que a dificuldade de detectar e provar casos de infanticídio em áreas remotas resulta em poucas condenações. Mas ele afirma que líderes tribais precisam respeitar o direito à vida.
No Orfanato Kanduyi, "X" abre os olhos enquanto crianças fazem algazarra no pátio. Muitas delas escaparam da morte certa.
Mas quantas outras nascidas em circunstâncias semelhantes não tiveram a mesma sorte?

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