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domingo, 16 de novembro de 2014

Pigmalião e Galatéia ? A idealização do ser amado

02/08/2012 por Luciene Félix

Todos os mitos versam sobre algum drama que vivenciamos. Paul Diel afirma que: “Os mitos falam do destino humano sob seu aspecto essencial; destino resultante do funcionamento sadio ou doentio (evolutivo ou involutivo) do psiquismo.”. O que pode haver de salutar ou doentio no anseio pela personificação do ser amado, previamente idealizado?

O poeta romano Ovídio (início da era cristã), em sua obra “Metamorfoses”, relata-nos o mito de Pigmalião, um habilidoso escultor que, chocado com tanta leviandade e abominando o comportamento despudorado das mulheres, decide viver solteiro.

Para se distrair, esculpe então a estátua de uma donzela incomparavelmente bela. Primoroso e requintado em todos os detalhes, uma vez concluída, ele se apaixona perdidamente por sua obra, que passa a chamar de Galatéia (imagens em meu Blog).


Iludido com a materialização de tamanha perfeição – “era como se estivesse viva e somente o recato impedisse de mover-se” –, ele a enfeita, abraça, beija, faz elogios e lhe mima com inúmeros presentes tais como joias, flores e elegantes vestes.

Esperançoso, no festival de Vênus (Afrodite), celebrado em Chipre, Pigmalião implora à deusa por uma bela e virtuosa companheira: “Se vocês podem nos dar tudo, todas as coisas, ó deuses, rezo para que minha mulher possa ser como minha menina de marfim.”.

Comovida, mas não encontrando na terra nenhuma mortal que atingisse a perfeição de beleza física de tão amada escultura, a deusa do amor e da beleza, fazendo a chama do altar se erguer três vezes, dá indícios de que atenderá a seu pedido.

Ao regressar à sua casa, Pigmalião deita-se ao lado de Galatéia, a quem chama de adorada esposa e, ao beijá-la, sente-a corar, percebe que “as veias pulsam sob seus dedos”. Atônito e extremamente agradecido, Pigmalião une-se à sua Galatéia e gera uma bela menina chamada Pafos.

Guiado pelo mito, o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), escreve a peça intitulada “Pigmaleão” (comédia satírica) – que inspirou o musical “My Fair Lady” e os filmes (comédias românticas) de mesmo título, inclusive o de 1964, com a adorável Audrey Hepburn. Nos filmes, firmando aposta com um amigo, o professor Higgins decide transformar uma humilde florista ambulante numa refinada dama da sociedade.
Atingido seu intento, apaixona-se pela ‘obra’ que criou, mas tem seu amor recusado pela moça. Empenhando-se, no entanto, o professor acaba por conquistá-la.

Explorando o mito, nos fins dos anos sessenta, os psicólogos americanos Robert Rosenthal e Lenore Jacobson mostram que acalentar alguma idealização pode se revelar profícuo numa relação. Focando na relação professor/alunos, eles se dedicaram à análise do quanto o otimismo de nutrir boas expectativas pode se revelar benéfico.

Nossa expectativa, nossa percepção, quer seja de pessoas, quer seja da realidade tem efeito sobre as pessoas que conhecemos, convivemos, sobre a própria realidade e também na maneira como nos relacionamos.

Segundo a teoria que denominaram “Efeito Pigmalião” (ou efeito Rosenthal), ao confiar previamente no benéfico, o benéfico se presentifica. Se partirmos do pressuposto de que alguém ou alguma situação é favorável (bondosa, cortês, virtuosa), consequentemente estaremos contribuindo para que essas características se presentifiquem.

Para o estudioso Douglas McGregor: “quem tem expectativas ruins sobre os outros, não acredita neles ou não vê suas qualidades, costuma colher o pior dessas pessoas; já quem tem expectativas positivas, tende a obter o melhor de cada uma delas.”.

Se decidirmos antecipadamente que alguém é vulgar, idiota ou inimigo, por exemplo, estaremos ‘dando o tom’ e o que surgir alinhar-se-a mais facilmente a essa expectativa.

No afã da realização de um ideal de parceria, esquadrinhamos em nossa psique as características desejáveis (sobretudo no cônjuge) e, meio que cegos ao direito à individualidade, nos esquecemos de que as pessoas têm personalidade própria e que é improvável que alguém venha a atender inteiramente aos nossos anseios.

Embora esse anseio de correspondência abarque a todos àqueles que nos cercam – em maior ou menor grau, idealizamos os pais, irmãos e até mesmo os amigos –, será ao projetar nossos ‘ideais’ no parceiro e nos filhos que mais poderemos nos sentir desapontados. Prevenidos com uma consciência mais realista em relação às fraquezas humanas, enfim, munidos de certa sensatez, amenizaríamos algumas desilusões.

No caso de Pigmalião – talentoso artista –, seu desejo foi plenamente atendido. Para nós, demais mortais, uma pretensão exagerada pode culminar – em maior ou menor grau – n’alguma frustração. Insistir em ‘tirar leite de pedra’, então, pode até terminar até em tragédia, como exibem os noticiários.

No mito, graças à crença no poder de uma divindade, Pigmalião teve a benção de ver se materializar o ideal de perfeição que ansiava encontrar numa esposa. O professor de “My Fair Lady” pelos seus esforços, pôde – além de fazer emergir na humilde mocinha, a distinta dama que a habitava –, aflorar nela o amor que sonhava. E o “Efeito Pigmalião” também pode contribuir nesse sentido.

Obviamente, nada garante que nossas expectativas serão plenamente realizadas, sobretudo quando elevamos padrões e almejamos nada menos que a ‘perfeição’. Mas, no caminho que leva à concretização desse ideal, é salutar que, ao invés de pedras nas mãos, tenhamos flores.

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