Diretora de documentário que trata de estupro coletivo ocorrido em Nova Délhi, em 2012, diz que a cultura indiana não é a única que desrespeita a mulher no mundo contemporâneo
A cineasta britânica Leslee Udwin, que filmou o documentário India's Daughter (Ramesh Sharma/The India Today Group/VEJA) |
Narendra Modi, o premiê indiano, declarou que baniu o documentário para proteger a identidade da vítima. Como a senhora responde a essa justificativa? Conheço a lei indiana e sei que ela proíbe a divulgação do nome de vítimas de estupro. Eu obedeci a essa norma. A versão indiana do documentário não revela o nome de Jyoti Singh Pandey. As autoridades baniram o filme sem vê-lo.
Muitos indianos acabaram assistindo ao documentário pela internet. Recebeu algum retorno deles? Sim. Com o banimento, o governo só aguçou a curiosidade das pessoas. O que chamou minha atenção foram os e-mails e mensagens de homens que diziam nunca haver levantado um único dedo para uma mulher. Mesmo assim, eles se diziam envergonhados e atormentados, pois reconheciam alguns pensamentos expressados pelos estupradores e seus advogados no filme.
Como foi encarar os estupradores de frente? Foi surpreendente porque, antes de encontra-los, eu imaginava que eram psicopatas, monstros. Fiquei surpresa e desarmada ao constatar que pareciam pessoas completamente normais. O líder do grupo era até sensível e educado. Quando os entrevistei, já estavam na prisão há dez meses e, portanto, imaginava que estivessem sentindo culpa e remorso, mas não. O episódio me lembrou o livro Into that Darkness, da húngara Gitta Sereny. A reação dos jovens que entrevistei se assemelha a do comandante do campo de concentração nazista, descrita por ela no livro. Eles não acreditam que fizeram algo de errado, por isso não sentem remorso ou arrependimento. O que eles pensam é: "Por que nós? Todo mundo está fazendo isso. Por que nós é que temos que servir de exemplo?". Eles não sentem que fizeram algo de errado porque foram educados para pensar na mulher dessa maneira.
Qual aspecto da cultura indiana impacta negativamente no número de estupros? Não é só a cultura indiana. Isso tem que ficar claro. É a cultura do mundo, que não trata a mulher com o mesmo respeito com que trata o homem. Os problemas mudam de acordo com os países, mas a balança sempre pende para o masculino. A cultura indiana tem suas próprias características como, por exemplo, o fato de os casais não desejarem bebês do sexo feminino. As meninas são tratadas como um fardo e, assim que nascem, as famílias já sabem que terão que entrega-la à família do marido ainda nos primeiros anos da adolescência ou da infância. Para piorar, há o dote que, apesar de proibido, continua sendo praticado. No papel, a Índia é uma democracia. As leis estão lá, mas não são implementadas porque as práticas tradicionais continuam a ser toleradas.
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